Os dilemas da educação infantil para refugiados, por Gustavo Cavalcante

Um grande desafio de inclusão

O refugiado burundês Richard Nduwimana, de 13 anos | Foto: ACNUR/Georgina Goodwin

Os dilemas da educação infantil para refugiados

por Gustavo Cavalcante

Nas ruas do mundo inteiro, sobretudo em países que vivem uma realidade de enorme desigualdade, há crianças pedindo esmola. Muitas fugiram de casa por sofrer abuso constante dos pais. Outras que, a exemplo da má educação que recebem, acabam viciadas em drogas – e soma ainda o exemplo das crianças refugiadas que não encontra suporte do país em que habita. Inúmeros exemplos de histórias que, em comum, encontra a falta de incentivo para educação.

No caso das crianças refugiadas, soma ainda barreiras linguísticas, culturais, econômicas, documentais, que levam a problemas psicossociais e de exclusão. De acordo com dados do relatório de educação da ACNUR, 3,7 milhões de crianças refugiadas em idade escolar estão fora da escola no mundo. Número que representa mais da metade – 7,1 milhões – da população de crianças que vivem como refugiadas.

Se comparado ao número de estudantes na educação primária, há uma discrepância significativa, sendo que 91% das crianças no mundo inteiro recebe essa educação, frente aos 63% de crianças refugiadas. De acordo com Filippo Grandi, Alto Comissário da ONU para Refugiados, o mundo falha ao não atender esse público. “Estamos falhando com os refugiados, não lhes dando a chance de aprender as habilidades e conhecimentos necessários para investir em seu futuro”.

Apesar desse problema, existem alguns bons exemplos de que é possível recuperar este atraso. O Líbano – que abriga mais de 935 mil refugiados sírios registrados -, vem organizando turnos especiais à tarde em escolas estatais para estudantes sírios – onde as ensinam árabe, inglês e matemática. Iniciativa que permitiu as crianças pararem de trabalhar e focar nos estudos. Para Samah Hamseh, que ensina inglês, muitas das crianças sírias que chega ao Líbano, nem sequer frequentavam alguma escola antes. “A maioria deles não frequentou a escola antes por causa de sua situação. Eles vêm para ter a chance de ir à escola. Eles querem sair das condições em que estão vivendo.” explicou Samah Hamseh em entrevista a ACNUR.

No Brasil, além da dificuldade do idioma, faltam vagas nas escolas e um método de ensino que viabilize a integração social. Em Roraima, estado que vem recebendo venezuelanos em busca de refúgio, milhões foram investidos na educação pública, de acordo com Camila Asano – conselheira do Conselho Municipal de Políticas para Migrantes. Mas esse apelo não consegue dar conta da intensa chegada de crianças da Venezuela. “[Em Roraima] há um entrave prático que é a falta de vagas. Só que muitos milhões foram investidos na educação pública, e essa verba poderia ter sido utilizada para reforçar a capacidade do ensino público. E lá em Roraima existia um déficit até antes da chegada da chegada dos Venezuelanos. Então [as crianças refugiadas] partem para receber uma educação informal dentro dos próprios abrigos.” Explicou Camila.

Em São Paulo, a organização IKMR (I Know My Rights), diz que as crianças refugiadas estão sempre dispostas a aprender e gostam de conviver no ambiente escolar. A IKMR considera três aspectos fundamentais: o acesso, a adaptação e a integração ao novo contexto. Para isso, a instituição busca conscientizar crianças e familiares sobre os seus direitos no país. Atualmente participam do programa 450 crianças de 0 a 11 anos provenientes de 13 países na sede de São Paulo.

Um dos principais trabalhos da ONG é a ressignificação de lembranças. “Elas são muito fortes, mas são pessoas marcadas por traumas e tragédias. Muitas delas têm medo de fogos de artifício, por exemplo, porque presenciaram bombardeios”, explica Viviane Reis, diretora da ONG IKMR, em entrevista ao jornal Gazeta do Povo.

O medo que impera sobre as crianças, traumatizadas de um passado triste, traz à tona uma cultura de negar-se a ir à escola. Além dos problemas de adaptação que sofrem no país em que busca refúgio. A Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI), João Mendonça Falcão, no bairro do Brás em São Paulo, recebeu em 2018 uma aluna da Síria pela primeira vez. A menina de cinco anos chorava muito, segundo a direção da escola. O pai foi chamado e contou que a menina saía de casa com receio de que os pais não estivessem mais lá quando ela voltasse.

A situação acima citada é exemplo do que acontece em muitos casos. Numa realidade que frequentar a escola é algo novo, uma vez que em seus países de origem, os pais preferiam não mandar seus filhos para a escola. O que são marcas profundas de uma guerra, que não vão embora com o recomeço de uma nova vida. Resta ao país que recebe, por ínfimo que seja, dar acalento a famílias refugiadas. E permitir que suas crianças possam se desenvolver, a fim de deixar todas as mazelas de uma guerra para trás.

Redação

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