Os livros infantis de Leacontra tabus sexuais

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Da Folha

Autor infantil explora tabus sexuais

PAULO WERNECK, EDITOR DA “ILUSTRÍSSIMA”

RESUMO Autor de livros infantis que tratam de tabus sexuais, Thierry Lenain lança no Brasil história de garoto que descobre gostar de usar o vestido da namorada. Em meio ao debate na França sobre lei que permite casamento, adoção e procriação por casais homossexuais, Lenain comenta moral sexual no país e na literatura.

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Em sua terra natal, ela tem o nome de um ícone do feminismo na literatura: Zazie, claramente inspirado na icônica (e boca-suja) personagem de Raymond Queneau. Entre nós, ganhou o nome brejeiro de Ceci, mas nem por isso abandonou o perfil contestador. A heroína criada pelo francês Thierry Lenain, autor de dezenas de livros para crianças, tem mais uma “aventura” lançada no Brasil: “Ceci e o Vestido do Max” [trad. Marcela Vieira, Companhia das Letrinhas, 32 págs., R$ 28,50].

No mundo da literatura infantil, especialmente vulnerável ao moralismo e ao doutrinamento, Lenain emplacou uma série de best-sellers sobre tabus sexuais em uma linguagem direta que chocaria aquele tipo de sensibilidade que adora denunciar “imoralidades” em livros para crianças.

Ilustração da artista francesa Delphine Durand

Delphine Durand/Reprodução

Depois de ter demonstrado, em “Ceci Tem Pipi”, o primeiro livro da série, que uma garota não deve nada aos “com-pipi” e pode muito bem desenhar mamutes, subir em árvores etc., agora ela se dá conta de que o vestido que ganhou de presente fica muito melhor no namorado do que nela mesma.

 

Em outro livro, Ceci já havia ensinado a Max como se faz um bebê –e não com metáforas sobre abelhinhas. Ela pega Max pelo braço e diz: “‘Me dá um abraço bem forte.'”. O texto segue: “Max obedeceu. Depois de um instante, só três minutos, Max parou. Aí Ceci disse: ‘Não, não, ainda não acabou’. Então Max abraçou Ceci mais uma vez. Depois de terminar, eles foram tomar um lanche. Ceci parecia contente. Talvez já estivesse sentindo o bebê se mexer na barriga.”

 

Em “Ceci e o Vestido do Max”, Lenain aborda mais um tabu: o gosto de certos meninos por se vestir de menina. Em um livro anterior, “Eu Vou me Casar com a Anna”, sem edição no Brasil, já havia retratado uma garota obstinada em se casar com a melhor amiga.
“Não interessa que a lei não permita”, diz a menina à mãe chocada. “Eu vou me casar com a Anna.” Derrotada, a mãe acaba cedendo e diz que, no futuro, se ainda gostar da Anna, pode morar com ela.

 

No momento em que a França se divide no debate em torno do casamento, da adoção e da procriação por casais homossexuais, Lenain prepara Ceci para protagonizar um livro sobre o tema. Ele esclarece que não é militante e que só pretende questionar as normas, não substituí-las por outras.

 

Até agora a única polêmica em que ele se envolveu foi em torno de “Vive la France”, sobre a composição étnica do país: o livro foi recebido por parte dos leitores como propaganda multiculturalista para crianças, acusação que diz muito sobre os impasses culturais que assombram a França de hoje. Leia a entrevista que Lenain concedeu à Folha, por telefone.

 

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Folha – Como as crianças reagem à linguagem direta com que seus livros tratam de sexo?

 

Thierry Lenain – Talvez a série agrade porque funciona tanto para as crianças como para os adultos. Há vários graus de leitura. As crianças riem com cumplicidade, como se a gente estivesse falando com elas no espaço delas, no pátio do recreio, como amigos. Tenho essa impressão. Percebem que é delas que estou falando, se reconhecem. E sem dar lição de moral, no mesmo nível delas.

 

Na sua opinião, como as crianças percebem os casais gays?

 

É um dos próximos temas da série, estou escrevendo agora. Acho que, para as crianças, um casal homossexual é bem mais natural do que para os adultos. Na história, as crianças só zombam do casal gay quando imitam o que ouvem dos adultos. No fim, voltam a ser crianças por inteiro, se libertam da pressão e acham normal.

 

Você teve reações negativas da parte dos leitores da série de Ceci?

 

Não encontrei reticências de leitores. Houve só um momento, quando escrevi um texto chamado “Ceci e as Mulheres Peladas”, que era a reação de Ceci e da turma de amigas dela diante da publicidade com modelos seminuas. Era uma espécie de ativismo antipublicidade: elas cobriam os cartazes com desenhos etc. Mas não foi aprovado pela editora Nathan.

 

Mexi no texto, retirei o ativismo e retomei de outra forma. Vai ser o próximo da série, que sai nesta semana na França, “Ceci tem Peitões”. Para seduzir Max, Ceci põe grapefruits no lugar dos seios. A história foi aceita pela editora porque a nudez traz menos problemas do que o ativismo antipublicidade.

 

Por quê?

 

Porque talvez a dimensão política para crianças seja, até mais do que a dimensão moral, um tabu. Aconteceu com outro livro, em que discuto o racismo, “Vive la France”, ao qual houve reações violentas. Afirmaram que era propaganda multiculturalista para crianças, que tenho “parti-pris”, que tenho uma concepção multicultural edulcorada. Discursos políticos em que se percebe a expressão da política francesa de hoje.

 

A França continua na vanguarda no que diz respeito à liberdade sexual?

 

A França é um país curioso, o país do Iluminismo, da vanguarda, da liberdade e, ao mesmo tempo, é o país que colaborou com os nazistas. Há os dois extremos na França, e eles se enfrentam. Não acho que os que se opõem ao casamento homossexual sejam fascistas e que os que são a favor são esclarecidos.

 

Mas, nesse caso, houve um problema político, uma falta de jeito que permitiu que esse confronto acontecesse: misturaram casamento, adoção e procriação assistida para casais homossexuais. Se fosse só casamento, todo mundo concordaria. Mas existe uma diferença entre a resistência política, em nível partidário, e a prática cotidiana, que é bem mais progressista. O amor faz as coisas avançarem bem mais do que a política, do que as instituições.


Lourdes Nassif

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