Os três grandes anos da economia brasileira no século XXI

Comentário ao post “Leitores divergem sobre capa da Economist e atual situação da economia do Brasil

O Brasil do século XXI teve três grandes anos na economia: 2007, 2008 e 2010.
 
A política social interna com a valorização real do salário mínimo e a ampliação e a consolidação do bolsa família. A política econômica com a facilitação do acesso ao crédito. O efeito multiplicador na economia aumentou os postos de trabalho e a massa salarial, realimentando a expansão. Estes fatores incorporaram dezenas de milhões de brasileiros ao mercado consumidor. Seja do aumento do consumo dos alimentos básicos ao acesso dos bens duráveis. Isto foi tão forte que muito auxiliou um ano neutro e não de recessão em 2009, com queda de 0,3% do PIB.
 
A situação externa com o ritmo constante do aumento das cotações das commodities, que já vinha desde a virada dos anos 2000. O valor exportado pelo Brasil quase quadruplicou entre 2000 e 2008. Proporcionando a acumulação de reservas cambias, o que trouxe tranquilidade, visto que desde a segunda crise do Petróleo, mais de duas décadas antes, este era o principal ponto de desequilíbrio. Como provavam as crises cambiais recorrentes do período.
 
Com o crescimento do mercado interno e a acumulação das reservas, em moedas estrangeiras, aumentando a segurança, o crescimento do investimento externo direto multiplicou-se por cinco, entre 2003 e 2007. Infelizmente em grande parte para a especulação: dívida pública e mercado mobiliário.

 
Chegamos a 2008. A crise dos papéis podres desabou sobre o mundo. O Brasil devido aos resultados dos anos anteriores tinha gordura para queimar, o governo pode pisar fundo nas medidas anticíclicas. Tanto é que o melhor desempenho do PIB brasileiro nos últimos 35 anos foi em 2010. Um paradoxo.
 
Na transição do governo Lula para o da Dilma as expectativas econômicas eram as melhores possíveis, o histórico dos anos anteriores era extremamente positivo. Afinal o tsunami se transformara em uma marolinha. O céu do brigadeiro Mantega continuava azul. Não haveria dificuldade em pilotar o redentor para o infinito e além.  Então o quê aconteceu?
 
O crescimento a reboque do comércio mundial esgotou-se. O valor exportando em 2008 foi de US$ 100 bilhões a mais que em 2004. De 2008 para 2012 o incremento das exportações foi de US$ 45 bilhões. Comparando-se estes períodos de tempo veremos que no primeiro período (2004 / 2008) a evolução das exportações equivaleu a 15% do PIB do ano inicial, e no segundo caso a menos de 3%.
 
Também podemos considerar que os anos de crescimento não se traduziram em melhoria e ampliação da infraestrutura para suportar o mesmo nível de evolução da produção, a estrutura existente foi estrangulada; a evolução da taxa de câmbio, com a valorização do Real, impactou negativamente na produção interna de manufaturas, impedindo o crescimento do setor industrial no mesmo nível do restante da economia. Efeito nefasto potencializado pelo quantitative easing, do FED, que redundou na valorização ainda maior da nossa moeda. Embora favoreça um forte ingresso de capital, cerca de 4% do PIB de 2012, é pouco direcionada para o aumento da produção. Fica circulando pelo estéril mercado financeiro.
 
Outro aspecto foi no impacto da política do salário mínimo. Estamos no segundo ano consecutivo com o seu aumento limitado pela queda da atividade econômica. Crescimento real acumulado inferior a 4% nos últimos dois reajustes. Também tivemos a saturação das políticas sociais de distribuição de renda, tendo em vista que no primeiro ano do governo Dilma o público alvo se encontrava praticamente atendido.
 
Não podemos esquecer a reversão das expectativas. Saíndo do otimismo no período imediatamente anterior à crise de 2008, para uma situação de calmaria prudente. O que se traduz em mais tempo para o empresário decidir se deve ou não realizar um novo investimento e o quanto irá imobilizar. O investimento sobre o PIB que havia evoluído de 16%, em 2003, para 21%, em 2008, caiu para 18% no ano passado.
 
Enquanto isto vários indicadores econômicos estão se deteriorando, sendo o mais preocupante o balanço de pagamentos, credor pela última vez em 2007. A partir daí o saldo negativo cresce a cada ano. De US$ 28 bilhões em 2008 para US$ 54 bilhões em 2012. Neste ano, de janeiro a agosto, o total já supera o déficit do ano anterior em US$ 4 bilhões. Totalizou nos primeiros 8 meses US$ 58 bilhões. Neste ritmo chegará próximo a 4% do PIB em 31 de dezembro.
 
Se formos procurar ainda encontraremos outras variáveis que impactam no resultado final do PIB. Porém o que fica claro é que durante os dois mandatos do Lula fomos beneficiados pela situação externa, e quando do esfarelamento dos subprimes, havíamos acumulado recursos para uma política anticíclica que produziu resultados benéficos durante dois anos (2009 e 2010), mas este colchão desinflou e o governo federal até o momento foi incapaz de encontrar alternativas para reverter a situação.
 
Contar com um aumento exponencial das vendas externas, sem aumentar a produtividade e o valor agregado, é muito difícil a curto prazo. Mesmo no futuro isto é incerto sem uma política industrial séria, pesados investimentos em pesquisa e desenvolvimento, e ainda mais importante: investimentos maciços em qualificação e educação.
 
Bombear mais crédito na economia pode favorecer a formação de bolhas, e sabemos que elas tendem a explodir…
 
Aumentar os gastos públicos, sobre uma base fiscal em deterioração, provavelmente levará a uma nova era perdida com estagflação. (quem ainda lembra deste termo?)
 
Reajustes salarias compulsórios ou a elevação dos programas de distribuição de renda em volume capaz de reativar a economia irá se traduzir em aumento da inflação e perda ainda maior da competitividade.
 
O quê a presidente Dilma e o seu fiel brigadeiro econômico, Guido Mantega, devem fazer?
Redação

4 Comentários

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  1. The Economist conforme exposto em Terra Magazine

    A revista The Economist e o Brasil

    A situação econômica do Brasil, no momento, aponta curiosa dualidade. Para o governo o pior já passou, para as folhas e telas cotidianas o pior sempre estará por vir. E nós, ora nós, nós sem porvir.

    Confesso excesso de nós no parágrafo anterior, mas não é assim que você vê a sua vida? Cheia de nós?

    Em 2009, a revista britânica The Economist soltou uma edição com matéria elogiosa à economia brasileira, “Brazil takes off”.

    Nosso futuro finalmente havia chegado e a capa, criativa, simulava o Cristo Redentor, decolando do morro do Corcovado como um foguete.
     
    Ufanistas e governistas mandaram-na enquadrar, pensando: “enquanto folhas e telas nacionais desancam o governo Lula, o mundo se curva para o Brasil”.

    A edição desta semana da revista muda o script. Mostra na capa o foguete-Redentor em vertiginosa queda e pergunta se o Brasil estragou tudo.

    A matéria vem recheada de pesadas críticas à presidente Dilma Rousseff, seu ministro da Fazenda, Guido Mantega, corrupção, custo de vida e qualidade dos serviços públicos.

    Uma capa para a oposição mandar enquadrar.

    Mudou o País ou mudou a revista? Acredito que nenhum dos dois. Estaríamos tão bem assim, em 2009, para piorarmos tanto?

    O certo é que após uma série de respostas positivas da economia brasileira aos estragos provocados pelas molecagens financeiras, entre 2007 e 2008, nossa política econômica atendeu situações episódicas com respostas pontuais.

    Mais do que beneficiarem o crescimento, provocaram espasmos inflacionários, usados politicamente pela mídia, oposição que conta quando se trata de enfiar governos em parafuso.

    Idas e vindas comprometem crescimento e confiança.

    Assim foram as taxas de juros, os artifícios contábeis, a prisão domiciliar dos preços dos combustíveis para compensar tomates e feijões que logo sairiam da pauta midiática, a exasperação de portadores de ações da Eletrobrás com pequena repercussão nas tarifas de energia.

    Agora mesmo, deixa-se de aproveitar a conjuntura internacional para colocar o câmbio no lugar certo e devolver competitividade à indústria exportadora. 

    Tudo fez a Federação de Corporações Brasil pouco disposta a investir. Ainda mais em infraestrutura, que nunca foi sua vocação.

    Pelo lado da revista britânica nada a estranhar. O que publica sempre atende aos interesses do Reino Unido, onde os investimentos estrangeiros são cada vez menores em favor do seu fluxo para os emergentes.

    Tirar a credibilidade da economia de um país sempre ajuda quem está numa região de perrengue. O Palácio de Buckingham não costuma perdoar.

     

  2. Parabéns, diagnóstico

    Parabéns, diagnóstico preciso, embora discorde em algumas partes.

    Ao seu comentário, acrescento que o Brasil alcançou pleno emprego, em grande parte, devido ao setor de serviços, com trabalhos com baixa ou nenhuma especialização, e salários de até 1,5 SM.

    Ontem compararam, para criticar a Economist, a taxa de desemprego do Reino Unido com a do Brasil. 

    Acontece que, em países desenvolvidos, o imigrante do 3º Mundo (e nisto incluo a maioria dos brasileiros em Londres, nos EUA, no Japão, e etcétera) se muda para eles para desempenhar trabalhos que poucos ou nenhum nativo quer, devido ao seu alto grau de especialização e escolaridade.

    Muitas vezes o patamar de desemprego (no RU 7%, pelo que colacionaram, em comparação com os 5% do Brasil) se mantém um pouco mais alto porque o indivíduo rejeita certos empregos para esperar por um mais especializado, enquanto aqui no nosso pais vemos o movimento inverso, onde realmente estes indivíduos que conseguiram empregos com 1 SM, 1,5 SM, e carteira assinada, estão no melhor emprego de suas vidas.

    O valor da educação é este. Tem um efeito emancipatório claro.

    Um exemplo é a Espanha: os país pode estar hoje em maus lençóis, seus jovens com boa formação desempregados, mas quem tem educação e cultura vai se virando, pode mudar pro Brasil ou para outros países onde falta mão de obra especializada, e assim vão tocando a vida.

    Já os que conseguiram algum tipo de alívio social sob Lula, se amanhã o Brasil entra numa crise tremenda, recessão e tudo mais, voltam para o estágio inicial, ou seja, lascados e perdendo tudo o que conquistaram.

    O Rebolla pontuou que é preciso investimento maciço em educação, e concordo, pois sem especialização, dificilmente veremos uma ascensão social duradoura deste pessoal todo.

    Agora, no que tange aos investimentos em pesquisa, ciência e tecnologia, é o que foi discutido ontem aqui: planejamento de longo prazo, políticas de Estado no Brasil até agora, são inexistentes, a política econômica sempre foi manejada conforme o sabor dos acasos e dos oportunismos (com exceção talvez de Goulart e suas reformas de base, mas caiu antes de tentar implementá-las).

    Se é um consenso que, em uma situação de pleno emprego, o Brasil precisa aumentar a produtividade se quiser crescer de modo robusto e sustentado, que o governo arregace logo as mangas e comece a pensar, a fomentar debates (que aliás já estão acontecendo Brasil afora), adotar boas ideias, e por aí vai.

  3. Teremos que aguardar

    Teremos que aguardar Carta Capital (correspondente no Brasil da The Economist) traduzir. Mas eu não acho que a condução da economia piorou significativamente em 4 anos. Isso da ‘interferência’ me parece mais ‘inferência’.

    Agora, o que precisa ser exposto, é que o crescimento dos anos 2000 foi muito calcado em aproveitamento de capacidade ociosa (redução do desemprego), utilização de valorização de commodities para desconcentração de renda (queda da relação preço/salário para alimentos e energia) e aumento de endividamento familiar (que acelerou a recuperação, mas levou a um aumento de manda mais rápido que o de oferta.)

    O futuro não será ruim, nem teria por quê. Mas esses processos todos parecem perto do esgotamento. Algum espaço ainda para recurso a desenvolvimentismo cambial (que reequilibra contas externas mas reconcentra renda) e continuidade de aumento de endividamento (os patamares ainda são internacionalmente baixos.)

    E a falta de dinamismo da economia, a inação em realizar uma reforma tributária e a dificuldade em obter ganhos de produtividade não é responsabilidade só de A ou B, mas de todos que vieram desde… o último PND (anos 1970.)

    E ficamos assim: como nem A ou B têm coelhos na cartola (ou seja, propostas), ficaremos crescendo em torno de 3% a.a. Mesmo assim, ainda próximos de pleno emprego (descontado o desemprego friccional.)

  4. O Governo do PT, se quiser

    O Governo do PT, se quiser pôr o país para crescer pelo menos 4% a.a. sustentadamente nos próximos 10 a 15 anos e pretender manter-se no poder, deverá, penso, adotar um tom muito mais reformista e estrutural, com intervenção não pontual, conjuntural, do Estado, mas sim intervenção onde é realmente pura e total tarefa do Estado, ou seja, na alteração das regulações (reformas legislativas significativas em assuntos que atravancam até hoje a economia e até o avanço social, como o péssimo, incompreensível e injusto sistema tributário) e das estruturas governamentais (reforma administrativa, gerencial). Isso vai exigir mais coragem e sobretudo maiorias no governo mais estáveis e programáticas, o que penso que só será possível se outra reforma política for feita a sério, e não essa minirreforma eleitoral que estão preparando para entregar ao povo como se fosse grande coisa. Enfim, não me parece que seja mais papo de liberal querendo só “flexibilização”: o Brasil realmente só vai mais para a frente se fizer várias reformas na sua legislação e na sua forma de organizar o Estado e as relações comerciais com os demais países, diminuindo custos em uns setores para aumentá-los significativamente em outros, o que longe de ser Estado mínimo penso que seja Estado inteligente, que sabe que dinheiro tem limite e aplica-o com força onde sua atuação produzirá frutos mais decisivos e são mesmo mais indispensáveis (como saúde e educação públicas, infraestrutura e seus monopólios da Justiça e policiamento).

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