Outubro de 1917: Arte e Revolução (II)
por Walnice Nogueira Galvão
Afora a Ópera de Pequim na Revolução Cultural, outros dois momentos cruciais nas relações entre arte e revolução ocorreram na pintura muralista mexicana e no cinema de Eisenstein. Vamos ao primeiro.
Fruto da Revolução Mexicana, o muralismo foi um movimento nas artes visuais que dominou os anos 20 e 30. Tomou impulso numa concepção anti-elitista da arte, que deveria servir ao povo, retratando-o em seu cotidiano e em suas lutas, valorizando os ancestrais indígenas prévios à Conquista espanhola, resgatando a dignidade de sua história. Era eminentemente político, é claro.
Os pintores raciocinavam que a pintura de cavalete, expressa em quadros e telas que se podem comprar para pendurar nas paredes das residências, promove o individualismo e a propriedade privada. Por isso, Diego Rivera, Orozco e Siqueros dedicaram-se a executar imensos paineis em lugares públicos, como palácios de governo, escolas, estádios etc.
O mais famoso dos três, Diego Rivera. teve um interlúdio norte-americano, quando realizou grandes obras nos Estados Unidos. Fez murais que tinham como ícones os trabalhadores e o trabalho nas fábricas da Ford, numa fase em que a indústria automobilística estava em expansão, sendo considerada moderna e portadora de futuro. São 27 painéis, preservados no Detroit Institute of Arts. Outra obra sua, mostrando a feitura de um mural que tem por tema a construção de uma cidade, está no San Francisco Art Institute.
Ainda outra, também feita por encomenda como essas duas, não subsistiu. Nelson Rockefeller idealizou-a para o Rockefeller Center, então em construçao, na 5ª. Avenida, em Nova York. Mas no centro do painel estava uma figura monumental de Lênin, e depois de muita polêmica o mecenas mandou destruí-lo. Foi reduzido a escombros e pulverizado, à custa de britadeiras e marretas: não sobrou nem cisco.
Outro momento crucial nas relações entre arte e revolução foi encarnado pelo cinema de Eisenstein. Porque é criação direta da Revolução Russa: ele próprio foi soldado do Exército Vermelho e lutou nas guerras da Revolução. E, como o cinema estava então nos primórdios (os primeiros filmes de Eisenstein ainda são mudos), seus filmes contribuíram para descobertas nas técnicas de filmar e na estética cinematográfica, que depois se incorporaram à história do cinema. E sobretudo como reflexões teóricas sobre montagem, que fizeram escola.
O que assombra nesses filmes é que, sendo revolucionários, não têm protagonista individual – as coletividades são o protagonista – e podem parecer por isso muito esquisitos, habituados que estamos à fórmula hollywoodiana do heroi, ou no máximo do casal de heroi e heroina. Para Eisenstein, o heroi é o povo.
Assim são A greve, que mostra os conflitos no interior de uma fábrica, e A linha geral, que fala da reforma agrária, bem como o inconcluso Que viva México!. Já Alexandre Nevski, às vésperas da Segunda Guerra, tem um toque nacionalista e de glorificação de um heroi que pouco aparece, o príncipe fundador da Rússia que comanda a expulsão dos “cavaleiros teutônicos” no séc. XIII. Em meio a esses, figuram as obras-primas que são O encouraçado Potemkin e Outubro: a preferência por um ou por outro é objeto de acaloradas discussões entre cinéfilos até hoje
O último seria Ivan o Terrível, ou melhor, os dois filmes com o mesmo título. O primeiro saiu em 1944. O segundo, proibido por Stalin, só foi distribuído após a morte do ditador. Eisenstein já tinha morrido há mais tempo, em 1948.
Só quem não quer deixa de enxergar que é Stalin quem está retratado naquele déspota psicopata, maquiavélico, impiedoso, sanguinário e paranoico, enxergando perseguidores imaginários em cada canto, a quem nada detem na trajetória rumo ao poder e em sua consolidação. É um notável estudo desse tipo de líder e um marco na história do cinema.
Como vimos, a Ópera de Pequim na Revolução Cultural, o muralismo mexicano e o cinema de Eisenstein são três momentos exemplares das relações entre arte e revolução, evidenciando tanto os percalços quanto a busca de soluções.
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