Paes, PMDB e a escola em tempo integral no Rio: política educacional ou eleitoral?

Charge: Tavarez. Texto: Paes, PMDB e a escola em tempo integral no Rio: política educacional ou eleitoral?

O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PMDB), nas últimas semanas inaugurou duas unidades do projeto “Escolas do Amanhã Governador Leonel Brizola”. Trata-se de iniciativa que apresenta o objetivo de construir escolas públicas municipais voltadas ao regime de tempo integral. Alegando inspirar-se na experiência brizolista dos CIEPs, o prefeito afirma que pretende adotar a educação em tempo integral em 35% da rede municipal e construir mais de 100 escolas.

Projeto educacional conhecido pelas realizações da dupla Brizola e Darcy nas décadas de 1980 e 1990, a educação em regime de horário integral sofreu, à época, duras críticas dos conglomerados midiáticos, sobretudo das Organizações Globo, e de diferentes forças políticas. O projeto foi colocado para escanteio no Rio de Janeiro há 20 anos. Assim, a princípio, a notícia da sua retomada poderia ser alvissareira. Poderia, não fosse Paes quem protagoniza a aludida retomada, bem com as circunstâncias em que resolveu pretensamente aplicar o projeto de educação.

Eduardo Paes está à frente da Prefeitura há quase 6 anos. Foi eleito, em 2008, tecendo severos questionamentos ao seu ex-padrinho político e antecessor, César Maia (DEM), que mantinha a aprovação automática na rede municipal. Elegeu-se afirmando que daria fim à experiência. Não deu. São inúmeras as pressões sofridas pelos professores para que se aprove a qualquer custo. Mascarando os números do IDEB, Paes utiliza o convênio com a Fundação Roberto Marinho para encaminhar os alunos repetentes, com baixíssimo domínio de competências na escrita, na leitura e em matemática, às turmas especiais de “aceleração”. Essas turmas não são submetidas à avaliação nacional. Igualmente, o prefeito nunca demonstrou preocupação, nem tomou iniciativas que levassem à redução do número de alunos por turma, entre o sexto e o nono anos do ensino fundamental. Em torno de 45 alunos, salas superlotadas é a regra.

O tratamento dispensado aos professores tem sido marcado pelo mais absoluto desrespeito. Impôs um Plano de Cargos e Remunerações desprezando formulação conjunta com o professorado. O aprovou ano passado, por meio de um grotesco sitiamento da Câmara dos Vereadores. Com bombas de gás lacrimogêneo lançadas nos professores, aprovou o seu Plano, que desvaloriza a titulação, isto é, os estudos desenvolvidos pelos professores. Com isso, demonstrou que pouco se importa com a formação profissional do magistério e, com efeito, com a qualidade do ensino ministrado. Adepto de apostilas e programas elaborados por reduzidas equipes em gabinetes fechados se esforça para retirar a autonomia pedagógica dos professores.

Não respeita a lei federal que estabelece 1/3 da carga horária destinada ao planejamento das aulas. Na greve do ano passado, perseguiu e desqualificou o quanto pôde ao professorado. Este ano, em nova greve – ocorrida por conta do não cumprimento de itens do acordo que suspendeu a paralisação anterior –, em nenhum momento dialogou com os representantes sindicais. Cortou salários e chegou a abrir processos de demissão dos professores que se encontravam em estágio probatório. Desinibidamente, Paes criminalizou o histórico direito trabalhista à greve. Há poucos dias, em audiência realizada na Câmara dos Vereadores, a sua secretária de educação afirmou que o professor é “a mola-mestra da educação”, mas que “nunca será bem pago”. Importante frisar: os salários pagos pela Prefeitura são baixos e, devido à especulação imobiliária incentivada pela própria gestão do Eduardo Paes, mal permitem pagar os elevados alugueis praticados na cidade.

Levando em conta essa trajetória flagrantemente incompatível com a defesa da educação pública, faz-se necessário observar as circunstâncias em que Paes anuncia o novo projeto educacional, isto é, imediatamente depois de encerrada a eleição estadual. Diga-se, eleição marcada, entre os candidatos, por frequentes referências laudatórias ao nome de Brizola e à sua política educacional. Expressando certa atenção à questão social, tal fenômeno correspondeu a um subproduto das Jornadas de Junho e dos sucessivos protestos que ocorreram na cidade até a Copa do Mundo.

Significativa alienação eleitoral marcou a votação no 2º turno. O candidato reeleito ao governo do estado, Pezão (PMDB), recebeu menos votos do que a soma de abstenções, brancos e nulos. O professor Tarcísio Motta (PSOL), desconhecido e sem mandato, foi candidato a governador por um pequeno partido de esquerda, mas que tem ganhado simpatia na capital. O PSOL é integrado pelo deputado estadual Marcelo Freixo, principal adversário de Paes na última eleição municipal. Motta não contou com alianças, nem com financiamento empresarial. Deteve um mísero minuto de tempo televisivo. Uma campanha com escassos recursos que, mesmo assim, alcançou o 3º lugar na capital, com notáveis 14,62% dos votos válidos. Desse modo, é plausível argumentar que o recém-lançado projeto “Escolas do Amanhã Governador Leonel Brizola” não consiste em um projeto educacional. Representa mais precisamente uma iniciativa com intenção eleitoral.

Todo pimpão, Paes é amplamente apoiado pela mídia hegemônica carioca. Destina a ela generosos recursos públicos – em especial aos jornais O Globo e O Dia, assim como à rádio e à TV Band. Somente este ano as referidas empresas juntas receberam cerca de R$ 8,5 milhões (1). Ao mesmo tempo Paes surfa na agenda pública preconizada por essas empresas. Está sintonizado com o ideal midiático de uma cidade-negócio, excludente e ordenada para megaeventos e espetáculos. Por consequência, o jornalismo corporativo procede mais como porta-voz da Prefeitura, do que propriamente faz jornalismo.

O prefeito governa leve e faceiro, sem qualquer incômodo ou noticiário nitidamente fiscalizatório. Entretanto, não é sempre que a poderosa máquina eleitoral em que se baseia e a estreita relação com os principais veículos de comunicação podem satisfazer aos seus anseios políticos. O sinal de alerta na capital foi acionado na recente eleição estadual. O prefeito, com a plasticidade que caracteriza a sua trajetória e a do seu PMDB, recorre à antiga, popular e esquerdista bandeira de Brizola e Darcy, da educação em tempo integral. De olho em 2016, querendo fazer o seu sucessor, procura vestir roupagem “progressista” para ter boa figura na propaganda.

O prefeito que frequenta o samba da Portela, portando uma imagem com determinado apelo popular, é o mesmo que adota uma sistemática política de remoções de moradias das classes populares. Portanto, uma expressão do mais profundo antagonismo entre Paes e o brizolismo. A tradição política brizolista, além de privilegiar a educação pública, também reconhecidamente prioriza a extensão dos direitos humanos aos cidadãos e às cidadãs das comunidades pobres e faveladas. Nada a ver com Eduardo Paes.

O PMDB, por sua vez, é especializado na arte da maleabilidade política. Com isso visa apenas obter legitimidade ao sabor dos ventos. Quando necessário, incorpora demandas e símbolos políticos antagônicos, que costumeiramente combateu e combate – como o próprio caso da educação em tempo integral, rejeitada pelo ex-governador peemedebista Moreira Franco. Por sua vez, Sérgio Cabral Filho, até a pouco governador pelo PMDB, notabilizou-se por fechar escolas.

Camaleônico, o PMDB procura se modificar um pouquinho para nada mudar. Um “partido-ônibus”, conforme Scott Mainwaring, que se esforça em carregar a tudo e a todos, na medida do possível e em conformidade com suas conveniências de momento. Paes e o PMDB são muito parecidos. Passados quase 6 anos de governo, o prefeito não convence na tardia defesa da educação em tempo integral e na homenagem ao velho caudilho. Mero oportunismo com o nome de Leonel Brizola e com uma política educacional que deveria ser levada a sério.

(1)Ver dados no portal da Controladoria Geral do Município – Rio Transparente. Para O Dia, consultar http://riotransparente.rio.rj.gov.br/dados.asp?EXERCICIO=2014&favorecido=O%20DIA%20&CNPJ=&cmd=favorecidoPagResposta1&visao=favorecidos. O Globo, ver http://riotransparente.rio.rj.gov.br/dados.asp?EXERCICIO=2014&favorecido=GLOBO&CNPJ=&cmd=favorecidoPagResposta1&visao=favorecidos  . Quanto à rádio e à TV Band, consultar http://riotransparente.rio.rj.gov.br/dados.asp?favorecidoPesquisa=BAND&favorecido=RADIO%20E%20%20TV%20BANDEIRANTES%20DO%20RJ%20LTDA&CNPJPesquisa=&CNPJ=33050733000190&totalGeral=2604448,68&totalFav=2242000&EXERCICIO=2014&CodFav=33050733000190&cmd=favorecidoPagResposta2&visao=favorecidos .

Roberto Bitencourt da Silva – doutor em História (UFF), mestre em Ciência Política (UFRJ), professor da FAETERJ-Rio/FAETEC  e da SME-Rio.

Redação

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