Para onde vai a Palestina com os EUA de Trump?, por Arturo Hartmann

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Foto: U.S. Embassy Tel Aviv

Do Outras Palavras

Para onde vai a Palestina com os EUA de Trump?

A indecisão sobre a transferência da Embaixada dos EUA para Jerusalém demonstra o impasse entre ideologia e pragmatismo que o presidente americano vai enfrentar

por Arturo Hartmann

Este artigo quer pensar alguns cenários a partir da viagem do presidente Trump para Palestina/Israel. Claro, ele parte do princípio de que Trump vai durar (o ex-diretor do FBI, James Comey, depôs ao comitê de inteligência do Senado dos EUA sobre as conexões de Trump com a Rússia na quinta, 9 de junho). Portanto, se o leitor que acaba este primeiro parágrafo acredita diferente, sinta-se livre para abandonar o texto.

Para quem continuou, o fim de maio ofereceu uma oportunidade para que interessados e analistas da questão palestina pudessem começar a dar sentido aos contornos que esta pode ganhar sob a política externa de Donald Trump para a região. Entre os dias 19 e 23, ele esteve na Arábia Saudita e em Palestina/Israel. Uma surpresa para compor os 50 anos que a Guerra dos Seis Dias e a consequente ocupação dos Territórios Palestinos da Cisjordânia e Faixa de Gaza completou nesta semana.

Até a viagem, Trump havia sido vago. Tudo que tínhamos era, de uma forma mais geral, algumas de suas diatribes sobre o terrorismo e o islã (especialmente durante a campanha), ou aparições mais diretamente ligadas à questão palestina, como sua ida ao American-Israeli Public Affairs Committee (Aipac), como candidato.

Além disso, podíamos especular uma política em cima das indicações que ele fez para cargos ligados de alguma forma à questão palestina. Ainda sem sabermos o papel que ele vai de fato exercer, Trump declarou que o “emissário” da paz será seu cunhado, Jared Kashner, sem experiência em diplomacia ou com a questão palestina. Disse o presidente: “se você não conseguir produzir paz no Oriente Médio, ninguém pode”. O Los Angeles Times mencionou no começo de maio que a única conexão de Kashner com a questão, além de um acampamento de verão feito em Israel, são “conexões financeiras com a construção de assentamentos em terras reivindicadas por palestinos”. A sua embaixadora para a ONU, Nikky Haley, é extremamente vocal em sua defesa de Israel. Na terça, ela disse ao Conselho de Direitos Humanos que ele deve “lidar com a sua crônica tendência anti-Israel se desejar ter qualquer credibilidade”.

Há também o time “processo de paz”, que defende a tecnicalidade do processo. Nele estão o atual secretário de Estado, Rex Tillerson, e também o secretário de Defesa, James Mattis. Talvez Mattis seja o mais legalista, respeitador da lei internacional. Segundo o diário Haaretz, ele chegou a dizer que “os assentamentos na Cisjordânia levariam Israel a uma realidade de apartheid”.

Mas a atitude de Trump justificava um otimismo entre as autoridades israelenses. Ele disse na conferência da Aipac, o mais importante lobby israelense nos EUA, ainda como candidato, em 2016, que Barack Obama “pode ter sido a pior coisa que aconteceu a Israel”. Isso poderia ser um apoio aberto à expansão dos assentamentos, para além de condenações públicas tímidas e sustento econômico pouco alardeado do seu antecessor. O ministro-colono da Educação de Israel, Naftali Bennet (líder do partido de extrema-direita da coalizão de governo Bayit Yehudi), chegou a declarar que a “era do Estado Palestino havia acabado”.

Mas em um comunicado oficial de 2 de fevereiro de 2017, o Trump eleito parecia ter adquirido um senso mais pragmático do “processo”: “Ainda que não acreditemos que a existência dos assentamentos seja um impedimento para a paz, a construção de novos assentamentos ou a expansão de assentamentos existentes além de suas fronteiras atuais pode não ser colaborativo para conquistar esse objetivo”. Mas comunicados e mensagens públicas podem ser jogo de cena. Trump ainda podia ser o presidente do projeto colonial.

 O caso da embaixada

A trama de uma política que ainda não tinha muita forma ganhou um episódio que ganhou contornos concretos de um drama, já com Trump de volta aos EUA. Até a quinta retrasada (31 de maio), podia se acompanhar na internet um enredo que aguardava um desfecho que poderia ter consequências surpreendentes: a mudança da embaixada dos EUA em Israel de Tel Aviv para a Jerusalém ocupada.

Vale uma explicação. Em 8 de novembro de 1995, o Congresso dos EUA criou a lei pública que ganhou o nome de “Ato Embaixada de Jerusalém”. Esta determina, como diz sua seção 3, que “Jerusalém deve ser reconhecida como a capital do Estado de Israel” e que “a embaixada dos EUA deve(ria) ser estabelecida em Jerusalém não mais tarde do que 31 de maio de 1999”.

Na lei de 1995, a decisão sobre a embaixada se baseada em alguns “achados” muito próprios. Entre eles o de que, de uma cidade dividida, “em 1967, a cidade de Jerusalém foi reunificada durante o conflito conhecido como Guerra dos Seis Dias”. Os congressistas ignoraram a Resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU, que enfatizava a “inadmissibilidade de aquisição de território por guerra”, declarando como um dos princípios a serem realizados para uma solução justa a “retirada das forças armadas de Israel dos territórios ocupados”.

A cidade é um dos temas mais candentes da questão palestina, como centro político, econômico, cultural e religioso. Ao recusar o Acordo de Camp David, em 2000, um dos episódios de Oslo, Arafat alegou que não poderia tomar uma decisão sobre a cidade sozinho.

O Congresso americano também não era tão ignorante quanto a possíveis consequências políticas da mudança de endereço. No próprio “ato da embaixada”, há uma brecha. A secção 7 garantiu um recurso a uma suspensão temporária que o presidente em mandato pode exercer se provar que “é necessária para proteger a segurança nacional dos interesses dos EUA”. Todos os presidentes em exercício, desde a promulgação da lei, suspenderam a mudança da embaixada. A última canetada havia sido em 1o de dezembro de 2016, no final da presidência Obama. Esse adiamento acabaria na quinta passada (31), e até o último momento especulava-se se Trump assinaria a suspensão. Senão, “por lei”, a embaixada pegaria a estrada Tel Aviv/Jaffa – Jerusalém.

Respirações suspensas, até o último dia a Casa Branca era indagada sobre o destino de sua sede diplomática em Israel. Trump, na Conferência 2016 da AIPAC, disse com todas as letras: “Nós iremos mudar a embaixada americana à capital eterna do povo judeu, Jerusalém!”, onde recebeu uma resposta efusiva do público.

Trump assinou a suspensão temporária. Se serviu para alguma coisa, pelo menos a atitude do presidente foi a primeira demonstração de uma política prática ligada à questão palestina.

O fato é que o processo de paz, como ele se consolidou depois da Segunda Intifada, criou uma situação muito estável, para EUA e Israel no controle do “Estado” palestino. A mudança da embaixada equivaleria a instalação de um “assentamento diplomático”, acabaria com a temporariedade da dinâmica das negociações que permite a expansão da construção das unidades coloniais ao tomar terras e criar fatos “irreversíveis” sem ser responsabilizado. O executivo estaria atestando (como fez seu Congresso em 1995) o status final de Jerusalém como capital de Israel, declarando a anexação, varrendo o que diz a lei internacional. Ou seja, o próprio mediador deslegitimaria o processo que encabeça.

Além disso, o processo, como ele se molda hoje, subestima as consequências sociais que cria. Todo o paliativo da ajuda americana e das ONGs internacionais que amenizam a violência ocupação e livram Israel de seus custos não são suficientes no longo prazo. Afinal, a lógica central do processo é criar cisões e separações, é destruir constantemente o espaço público, criando fortes clivagens étnicas e/ou de classe entre israelenses e palestinos, entre palestinos e palestinos (e mesmo entre israelenses e israelenses, mas este não é o tema deste artigo). A “Intifada das Facas”, em 2015, foi apenas a última manifestação dessa conjuntura.

Trump realmente vir a ser o presidente que vai concluir o processo de “paz”. Na atual toada, ele vai ser uma anexação formal de grande parte da Cisjordânia, com a implementação de um sistema de segregação de cantões palestinos sem soberania. O Apartheid, como menciona Mattis. A mudança da embaixada seria um passo significativo. Mas, em seis meses, essa série pode ganhar novos capítulos. A ver. Por enquanto, a embaixada fica em Tel Aviv.

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