Para que tem servido Guantánamo? Por Luisa Barrenechea

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Em janeiro de 2002, meses depois dos atentados de 11 de setembro, chegaram à base naval estadunidense de Guantánamo, em Cuba, os primeiros suspeitos de delitos de terrorismo de um total de 760 prisioneiros que passaram algum tempo nas celas do célebre campo de detenção. A história de Guantánamo tem sido marcada por contínuas críticas por sua ilegalidade e pelo tratamento desumano dado aos reclusos


Foto: REUTERS/U.S

Do World Economic Fórum 

Por Luisa Barrenechea*

Traduzido pela Revista Diálogos do Sul

O resumo do informe da Comissão de Inteligência dos Estados Unidos sobre o programa de detenções e interrogatórios da CIA, desclassificados em dezembro de 2014, confirmou que ali alguns dos detidos foram submetidos a torturas e tratamento desumano e degradante. O programa foi executado não só em Guantánamo, mas também em outros sítios de detenção clandestinos como Abu Ghraib no Iraque e na conhecida como Salt Pik no norte de Cabul, no Afeganistão.

O presidente Barack Obama finaliza seu mandato sem cumprir uma das promessas eleitorais de 2008, o encerramento da prisão. Apesar do esforço com vistas ao fechamento encontrou forte resistência do Congresso que se afastou de seu objetivo. Não obstante, durante seu mandato o número de reclusos foi reduzido de 241 para 61, sendo que a maioria dos que ainda permanecem presos estão no Afeganistão, Paquistão e Iêmen. Em um ponto de não retorno com relação a esse episódio obscuro da recente história estadunidense cabe perguntar: para que serviu Guantánamo?

O presidente Obama responde claramente a essa questão em 23 de fevereiro de 2016 afirmando “durante muitos anos ficou claro que o centro de detenção de Guantánamo não melhora nossa segurança nacional, mas sim deteriora. É contraproducente para nossa luta contra os terroristas que a utilizam como propaganda para o recrutamento”. Depois desse discurso acrescenta que é também a opinião de especialistas. Em coletiva à imprensa, depois da reunião de cúpula da ASEAN, no Laos, em setembro de 2016, insistiu em que a prisão era uma ferramenta de recrutamento para as organizações terroristas, reiterando que não desistia de seu encerramento.

É impossível calcular quantos terroristas poderiam ter sido incluídos em seu processo de radicalização pelo que ocorreu no centro de detenção de Guantánamo. O que sim é possível saber com dados confiáveis é que um número não menos expressivo dos presos de Guantánamo retornaram às atividades terroristas ou insurgentes. Segundo dados recentes do Bureau do Diretor de Inteligência Nacional de EUA, 17,6% dos detidos que saíram da prisão reincidiram em atividades terroristas, um total de 122. Com relação aos demais 86 ex presos,12,4%, são suspeitos de participação em ações terroristas em áreas de conflito. O Departamento de Defesa estadunidense tem informação concreta sobre muitos deles, alguns mortos no Iraque, Afeganistão ou na Síria. Entre os mortos na Síria está Ibrahim Bin Shakaran (conhecido como Abu Ahmad al Magrebe). O caso revela a dificuldade de reinserção dos combatentes, posto que depois  de ter sido libertado no Marrocos, morreu na Síria liderando o grupo terrorista Harakat Sham al Islam. Foi detido no Paquistão em 2001, sendo o primeiro a ser incluído nas prisões de Bagram e Kandahar, no Afeganistão e posteriormente em Guantánamo onde passou dois anos. Entregue ao Marrocos em 2004 foi libertado em 2005, e condenado em 2007 foi encarcerado no Marrocos por atividade de recrutamento. Depois que foi libertado marchou para a Síria onde morreu em um confronto com as forças de Bashar al Assad. Outro ex prisioneiro, o sudanês Ibrahim al Qosi, recluído em Guantánamo por 10 anos, é atualmente um dos líderes do Al Qaeda na Península Arábica.

Estados Unidos continuam com o processo de transferência de prisioneiros de Guantánamo a outros países. Recentemente enviaram 15 prisioneiros para os Emirados Árabes Unidos.

No marco de um acordo firmado entre os governos de José Luis Rodríguez Zapatero e Barack Obama, a Espanha acolheu, em 2010, três prisioneiros (um palestino, um iemenita e um afegão), que careciam de antecedentes penais e a quem apesar de ter residência e autorização para trabalhar eram proibidos de sair do país. A adaptação deles não tem sido um processo fácil, como dizem fontes oficiais, pois as sequelas psicológicas dificultam a acomodação. Segundo essas fontes, a sorte dos ex presos tem sido desigual, pois enquanto um deles leva uma vida normal, outro não consegue auto-sustentar-se e continua dependendo dos serviços sociais. Quanto ao rumo do terceiro é desconhecido, dado que o segredo que envolve o tema garantindo a privacidade deles não permite mais que fazer conjecturas.

Caso diferente, do marroquino residente na Espanha, Lahcen Ikassien, condenado pela Audiência Nacional em setembro de 2016 a 10 anos de prisão por integrar organização terrorista no nível de dirigente. Consideravam ser o líder do grupo auto denominado Brigada Al Ándalus, que realizava trabalho de captação, radicalização e doutrinamento de jihadistas para posteriormente enviá-los à Síria. Era considerado a referência ideológica do grupo  pelo respeito que lhe dedicaram os demais membros da célula, que elogiava suas experiências vividas no passado, inclusive sua permanência em Guantánamo. Lahcen Ikassien é um velho conhecido da justiça espanhola, pois foi entregue pelas autoridades estadunidenses à justiça em virtude da existência de solicitação de extradição pela 5a. Tribunal da Audiência Nacional por delito de integrar organização terrorista. Lachen Ikassrien estava preso em Guantánamo com outro nome e verificação de impressões digitais é que permitiram determinar que era a pessoa sobre quem pesava um pedido de extradição por pertencer a organização terrorista em sumário da “Operação Dátil” de novembro de 2001. Relacionavam ele com uma célula da Al Qaeda na Espanha e de ter mantido conversações com o líder da mesma, Eddin Barakat Yarkas, aliás “Abu Dahdah”.  Em 2006 Ikassrien foi entregue às autoridades espanholas, sendo absolvido posteriormente por considerarem nulas as provas obtidas em Guantánamo, segundo jurisprudência que absolveu o celta Hamed Abderraman Ahmed. Essa sentença é considerada um importante precedente, pois mostra que a prisão de Guantánamo “é um verdadeiro limbo na Comunidade Jurídica”.

A recente condenação de Lahcen Ikassrien, e dos outros ex presos, ressalta que a prisão de Guantánamo e os outros cárceres secretos, ademais de ilegais unicamente contribuíram para uma maior radicalização. Exemplo disso é que os macacões laranja que utilizam os reféns do auto denominado Estado Islâmico são idênticos aos que utilizam os presos de Guantánamo. Outro dado podemos encontrar num dos vídeos em uma memória USB (pen drive) na casa de um dos detidos da Brigada Al Ándalus, em que várias mulheres, na prisão de Abu Ghraib contam as violações e abusos a que foram submetidas pelos soldados que as custodiavam. Esse tipo de vídeo e os áudios habitualmente recuperados nas casas e computadores dos detidos por terrorismo objetivam a mobilização de Jihadistas evocando tais situações como justificativa e argumento para o uso da violência.

As imagens das torturas infligidas em Guantánamo têm sido um dos motivos explorados na propaganda jihadista, o que unido ao nível de respeito e admiração que os radicais islâmicos têm para com os presos, demonstram que a prisão tem servido para o contrário do que ela foi criada. A pergunta que cabe fazer agora é, quem é responsável por isso? A resposta é quanto menos desalentadora, já que não houve nenhuma responsabilização política nem penal pela prisão de Guantánamo, apesar de Barack Obama ter reconhecido que houve torturas. Por isso, em relação a um dos temas estelares de sua campanha eleitoral como foi o fechamento de Guantánamo, Obama teve vontade mas não fortaleza nem decisão. O legado que deixa ao falante presidente eleito, Donald Trump, é uma prisão com meia centena de reclusos porém carregada de simbolismo para os jihadistas. A chegada de Trump à presidência dissipou rapidamente os planos de fechamento da prisão ao ter anunciado que a manterá aberta. Uma volta para trás para perpetuar um penoso capítulo da história recente de EUA. Guantánamo  perdeu as eleições e se auguram maus tempos para a defesa dos direitos humanos na luta contra o terrorismo.

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

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