Para quem ama Olinda

 

Foto: Keila Vieira

 

Por Rosalia Vasconcelos*

Sobre o que está acontecendo em Olinda (Sítio Histórico), a única coisa que consigo sentir é tristeza e não gosto nem de falar sobre o assunto. Quem é frequentador das ladeiras sabe muito bem que essa perseguição à vida noturna da cidade alta não é novidade.

Há alguns meses, vimos a batida policial, em plena quinta-feira (um dos dias mais animados na Rua do Amparo), fechar as portas de bares históricos como o Aloma, Dona Darci, o Gentileza (que permanece fechado até hoje) e o bar do rock. Há alguns anos, vimos também acabar com terça do vinil no Véio, o forró pé-de-serra nas quintas e os chorinhos aos sábados.

Há pouco tempo, vi também, com pesar, fechar a Licoteria, que pela sua historicidade deveria ter incentivo para permanecer de portas abertas. A Licoteria, no lugar onde funcionava, não era apenas um bar, era um espaço cultural. E vemos isso acontecer, esse arrastão do tédio, e ficamos de mãos atadas.

Para quem ama Olinda e para quem ama a cultura olindense, a cultura popular, a cultura pernambucana, sentimos um vazio enorme. Quantas letras de músicas, quantas bandas, quantas músicas e melodias não nasceram entre uma cerveja e outra, sentados na calçada de Dona Darci, admirando a arquitetura das casas de eira e tribeira? Quantos quadros foram pintados na calçada da licoteria, ali mesmo, vendo algum maracatu passar? Quanta gente não se descobriu artista, numa madrugada dessas e largou o escritório e a vida “mundana” do status pra ter uma vida mais em contato com os seus pares? Histórias eu conheço que dariam um livro.

Muito se diz, muito se especula, sobre os reais motivos dessa higienização da vida cultural noturna olindense. Moradores incomodados, drogas, baderna, insegurança, falta de licença, cumprimento de legislação, etc, etc, etc. Sabemos que algumas justificativas são reais, sabemos que a cidade alta também é lugar de moradia, que muitos locais funcionam sem licença.

Mas o que me incomoda, e é aí onde reside a minha tristeza, é que as tentativas de resolução dos “problemas” são sempre tentativas preguiçosas. De extinguir a noite de um local que historicamente tem vocação para a vida noturna. É uma forma preguiçosa, grosseira, antidemocrática e que acaba sendo um tiro no pé da própria cidade. Um lugar com a vocaçao que Olinda tem, a economia turística tem que rodar 24 horas e não apenas no horário comercial. Até porque quem mora no sítio histórico ou quer morar lá tem que saber que ali é muito mais que apenas um bairro residencial de uma cidade difícil de ser administrada. A poucos quilômetros dali, tem Ouro Preto, tem Passarinho, cheios de sítios para alugar e vender, onde só se ouve canto de pássaros e gritos de galo.

Não é pra fechar, gente! É pra abrir mais. É pra estimular mais apresentações de maracatu, de frevo, de coco de roda, sambada de coco, cantorias de violão e declamações de poesia, em cada estabelecimento desse.

Olinda tem poeta em cada canto. Olinda tem pessoas cheias de histórias para contar. Está sem licença? Capacita! Estimula! Incentiva! É bom pro comerciante e é bom para prefeitura. Fechar é feio, é preguiçoso, é antidemocrático, é anticultural.

Vejo minha Olinda cultural morrendo asfixiada pelas mãos de pessoas sem noção do que é sinergia cultural e me sinto morrendo também.

Qual o barulho que o Casbah, o Véio ou Pau do Índio fazem? Quando muito, é a própria população, muitos inclusive moradores que se juntam para tocar um violão, fazer um afoxé, mas é isso que faz do sitio histórico um lugar tão singular, tão de troca cultural. É isso que me faz sair do Arruda, ou Zezinho sair de Candeias, ou Ana Luiza sair de Camaragibe para curtir “as olinda” de noite. É a possibilidade de me divertir com R$ 10 ou com R$ 100 porque ali tudo acontece de forma espontânea e a maioria dos programas são gratuitos ou custam um valor acessível a todos.

É saber que a dona do bar me conhece pelo nome, sabe onde eu moro, e vai tomar uma cerveja comigo no fim da noite. É saber que vou poder conhecer pessoas interessantes na Praça de São Pedro, no Coco do Amaro Branco, ou sentada na calçada de Peneira. É saber que se eu não tiver com grana, o baterista da banda vai me deixar curtir a festa de graça, porque brodagem é a palavra de ordem em Olinda. É saber que as maiorias das pessoas que estão ali não querem mais do que promover cultura e se confraternizar.

Eu não sou mais moradora de Olinda (mas já fui por 13 anos), só que nunca deixei de ir pra lá todas as semanas, seja para comer uma tapioca na Sé, tomar uma cerveja, dançar, rever os amigos e conversar. Olinda também é minha, e é de todomundo, por isso ela é patrimônio cultural da humanidade.

Cabe aos gestores equacionar, sem extinguir, o interesse do morador, do comerciante e de nós, recifenses, carentes de espaços como a Nossa Cidade Alta. Eu quero minha Olinda de volta.

 

*Rosalia Vasconcelos é  jornalista. UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).

Redação

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