Paulo Guedes, o beato Salú, por Luis Nassif

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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A polêmica entre Pérsio Arida – conselheiro econômico de Geraldo Alckmin – e Paulo Guedes – conselheiro econômico de Jair Bolsonaro – merece ser melhor esclarecida.

Ambos fizeram parte da geração de economistas que ascende nos anos 80, com o fim da ditadura militar. Pérsio pertencia ao grupo da PUC-RJ, e ajuda a montar o Cruzado; depois, o Plano Real, e, ao lado dos companheiros da casa das Garças, torna-se uma espécie de provedor de teses do PSDB. Aliás, em uma fase em que o partido, sob FHC, José Serra e Aécio Neves, vai desmilingüindo e terceiriza seu programa: o econômico, para os economistas do Real, e o político exclusivamente para o discurso anti-PT da mídia.

Em relação à manipulação da remonetização do Real, tenho um livro a respeito, “Os Cabeças de Planilha”.

No campo das ideias, Pérsio deu uma contribuição relevante ao Real. Não apenas nos conceitos desenvolvidos, mas no raciocínio exemplarmente claro. Mas parou aí, ao contrário de seu colega André Lara Rezende, que, depois de rico, manteve a ambição intelectual, abraçando teses instigantes – e controvertidas. Enfim, André não parou de pensar.

Já Paulo Guedes fez parte de um grupo de economistas de Chicago, seguidores do Roberto Campos, que se aliou PFL – depois, DEM. Faziam parte desse grupo ele, Cláudio Haddad e Paulo Rabello de Castro. Rabello de Castro sempre foi um economista bastante criativo, ao contrário de Guedes.

Era um período em que a retórica política dos economistas consistia em prever desgraças pela frente, para reforçar seu papel de salvador da pátria. Dentre todos, nenhum foi mais ostensivo que Guedes, justamente apelidado por Luiz Carlos Mendonça de Barros de “beato Salú”.

Guedes e Haddad ganharam muito dinheiro no mercado, trabalhando respectivamente para o Banco Pactual e para o Garantia. Era um período em que as grandes tacadas no mercado consistiam em antecipar as mudanças nos indexadores e na política monetária. Acertar a UFIR ou o câmbio permitia ganhos extraordinários.

Eram os economistas que mantinham contatos permanentes com seus colegas do Banco Central e da Receita e, portanto, tinha mais acesso a informações privilegiadas.

Paulo Guedes sempre foi um megalomaníaco. Lembro-me do dia em que escrevi sobre o papel estruturante do capital financeiro, de facilitar as mudanças na economia real em períodos de grandes transformações tecnológicas. De fato, nos anos 90 a financeirização foi um caminho para livrar a economia as imensas amarras criadas pelo regime militar.

Ele me ligou, dizendo que Jorge Paulo Lehmann tinha perguntado a ele o que achava do conteúdo do artigo. Depois, me contou as lições que deu a Lehman sobre como ganhar dinheiro.

Depois de ter sofrido perdas monumentais com a crise da Rússia – que derrubou as cotações de títulos de países no mundo todo -, Lehmann decidira entrar para valer na economia real, com a compra da Brahma e, depois da Antárctica.

Guedes me contou que mostrou a Lehman a loucura de investir na economia real, em um momento em que as taxas de juros garantiam retornos muito mais elevados.

Lehmann se tornou o homem mais rico do país. Guedes e Haddad tornaram-se investiodores bem-sucedidos na educação. E, pelas notícias que circularam esta semana, Guedes continuou fazendo suas apostas na bolsa.

Havia uma diferença enorme de estatura entre os economistas do Real e os campeões do mercado. Os primeiros definiam grandes estratégias macroeconômicas e, depois, montavam suas estratégias financeiras. Paulo Guedes apenas se valia dos “bisus” dos economistas do BC.

O ataque que fez a Pérsio – acusando-o de vazar informações do Real para Fernão Bracher – é risível, quando se conhece a biografia de ambos.

No início de 1995, com o câmbio fazendo água, especialmente depois da crise do México, Arida elevou a taxa básica do Banco Central para 45%. Em uma viagem pelo interior de São Paulo, acabou pernoitando na fazenda de Fernão Bracher, em São Carlos. Imediatamente criou-se o escândalo, de que se encontrara com Bracher para vazar informações sobre a mudança nas taxas.

Não tinha lógica. Ambos moravam em São Paulo, se visitavam em São Paulo. A troco de quê iriam trocar informações em uma fazenda em São Carlos? Mas não teve jeito. Depois do impeachment de Collor, a imprensa se acostumou com o gosto do sangue.

Montou-se o escândalo que custou o cargo de Arida no Banco Central. E custou muito mais ao Brasil. Quando havia corridas contra moedas, a tática dos Bancos Centrais era, justamente, a de elevar radicalmente os juros. Passadaa corrida, os juros eram trazidos novamente para um nível civilizado.

Pérsio foi substituído por Gustavo Loyolla, um funcionário de carreira do Banco do Brasil. Sem a dimensão do antecessor – e também porque os ganhos financeiros tornaram-se inéditos na história econômica do país – Loyolla não quis trazer as taxas de volta. Suas alegações eram ridículas. Dizia que não podia trazer os juros de volta à normalidade de uma vez, porque se houvesse nova corrida, teria que dar um salto de novo. E daí? Mas não tinha jeito. Era total a subordinação da imprensa à irracionalidade dos mercados. A consequência foi o governo FHC elevar a relação dúvida/PIB de pouco mais de 10% para 60, 70%.

Em suas entrevistas, Paulo Guedes fala em mudar a Previdência implementando o sistema de capitalização. A mudança do regime atual para capitalização exigiria um enorme aporte de recursos, para garantir os direitos dos aposentados.

Essa proposta foi feita no início dos anos 90 pelo outro Paulo, o Rabello de Castro e, no caso, aproveitando as estatais que seriam privatizadas.

Foi ignorado pelos tucanos Pérsio, André Lara Rezendee Andrezinho Montoro (que tocou a privatização por algum tempo), Serra e outros porque o jogo era de cartas marcadas, para beneficiar grupos específicos.

Hoje em dia, não há mais ativos públicos privatizáveis que possam garantir essa transição. Por isso mesmo, a proposta de Guedes é blefe.

Na entrevista em que responde às acusações de Paulo Guedes, Pérsio escorrega em apenas um ponto: ao dizer que a política do ortodoxo Joaquim Levy não deu certo porque Dilma fez o que quis, desobedecendo às orientações. Falso!  O problema de 2015 foi Dilma ter atendido a todas as propostas de Levy, aprofundando gravemente a recessão que se desenhava. E, também, ter sido vítima das pautas-bombas no Congresso, apoiadas pelos amigos de Pérsio Arida.

 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

8 Comentários

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  1. E pensar que Haddad sinaliza ao mercado que a Fazenda será deles

    Haddad vai entregar o BC e a Fazenda a economistas de mercaods, como fez Dilma e (parcialmente) Lula? Vai tentar, de novo, um pacto com o diabo neoliberal? Com Lula a desisndustrialização não parou. Com Dilma, por conta da crise de 2008 e de seus erros, ela se aprofundou.

    Não há mais espaço para ceder ao mercado (leia-se neoliberais rentistas). Se o PT tentar ceder novamente a área econômica para os neoliberais, vai ser mais recessão, mais juro alto e câmbio valorizado. O país vai pro buraco e não haverá nem as migalhas para o bolsa família e os aumentos reais do salário mínimo.

    Devemos cobrar que o Haddad explicite sua política econômica (principalmente, macroeconômica) e que grupo de economistas irá tocá-la. Não está claro e o PT anda escondendo o jogo.

    Neste aspecto o posicionamento do Ciro é muito mais claro e corajoso!

      1. Na íntegra
         

        Gleisi, Haddad e as piscadelas a Marcos Lisboa

        por Sergio Lirio — publicado 13/09/2018 12p4 O ensaio de uma nova rendição aos ditames do mercado financeiro, como no primeiro mandato de Lula, gera constrangimento no PT  inShare  Reprodução e Fotos PúblicasGleisi, Haddad e as piscadelas a Marcos Lisboa

        Lisboa e Haddad, ligados pelo Insper

         

        Não se sabe a identidade do responsável, mas um balão de ensaio foi lançado no picadeiro das notícias eleitorais: Fernando Haddad, confirmado como candidato à presidência da República na terça-feira 11, estaria propenso a nomear para o Ministério da Fazenda um economista ortodoxo, defensor da austeridade fiscal e do tripé macroeconômico (câmbio livre, superávit primário e metas de inflação). Alguém com o perfil de Marcos Lisboa, senão o próprio.

        Seria uma tentativa de reeditar a conciliação do primeiro mandato de Lula, que assinou a Carta aos Brasileiros, um compromisso com os bancos apresentado durante a campanha de 2002, e entregou a Antônio Palocci a chave do cofre, em um gesto de boa vontade dirigido aos mercados.

        Leia também:
        Associado diretamente a Lula, Haddad soma 22% e ultrapassa Bolsonaro

        Palocci, para quem não se lembra, aumentou o superávit primário no início do primeiro mandato de Lula, maneira de provar o compromisso petista com o controle das contas públicas.

        Lisboa veio no pacote da Carta aos Brasileiros. Serviu a Palocci como secretário de Política Econômica entre 2003 e 2005 e presidente do estatal Instituto de Resseguros do Brasil de 2005 a 2006. Após deixar o governo, tornou-se crítico ferrenho das medidas adotadas pelas administrações petistas. Atualmente preside o Insper, faculdade que reúne a fina flor do pensamento ortodoxo do Brasil.

        Haddad até recentemente era professor do Insper.

        Os operadores financeiros não recusaram o flerte, apesar de há muito tempo terem deixado claro que topam “casar” até com Jair Bolsonaro para impedir que o PT ou Ciro Gomes vençam as eleições.

        “Haddad pode não ser o bicho-papão que o mercado teme”, enuncia uma reportagem da Bloomberg, reproduzida em vários portais. O ex-prefeito, diz um analista ouvido pela agência de notícias, seria “mais pragmático do que ideológico”, o que manteria a chance de um eventual novo governo petista promover as reformas que o sistema financeiro (e só ele) considera essenciais para o País.

        Quem atrapalhou o namorico foi Gleisi Hoffmann, presidente do PT. Em resposta às especulações de um lado e de outro, a dirigente foi taxativa: “O mercado já nos conhece. Não é a nossa prioridade. E foi o mercado que jogou o País no caos em que estamos”.

        O mal estar no PT não está, porém, totalmente solucionado. Economistas que contribuíram para a confecção do programa de governo da campanha se incomodam, não é de hoje, com os acenos de Haddad a Lisboa e outros ortodoxos, entre eles Samuel Pessôa, ligado ao Instituto Milleninum. Também reclamam das certezas graníticas do candidato, que “acredita entender de economia”, conforme definição de um colaborador.

        Nenhum dos quase cem especialistas convocados para os debates do programa do partido apostaria um único centavo na reedição ipsis litteris do arranjo – a entrega da gestão econômica a conservadores em troca de certa liberdade na administração dos projetos sociais – que permitiu a Lula governar por dois mandatos.

         

         

         

  2. Neoliberais até quando ?

    Até o Tasso Jereissati já assumiu que o PSDB + quadrilha de Cunha jogaram gasolina no fogo com as pautas-bomba. Prejudicar o Brasil significava prejudicar o PT. E preparar o ambiente para o golpe.

    Um dia o Persio Arida irá reconhecer também…

    Paulo Guedes só poderia ser economista de Bolsonaro. Ambos se merecem.

  3. Nassif – Pesquisa Datafolha – Análise

    Caro Nassif,

    Desde a 1ª pesquisa do Datafolha do mês de setembro achei que alguma coisa estava errada com a pontuação. Na 2ª pesquisa minha dúvida aumentou. Aos fatos:

    Não é crível que os partidos de direita tenham um total de 52% das intenções de votos em plena crise do governo Temer, até poderia apresentar essa robustez se a economia estivesse sendo favorável. OK?

    Em contrapartida, os partidos de esquerda somam só 28% do total.

    Datafolha – 14/09

    Bolsonaro – 26% – Alckmin – 9% – Marina – 8% – Álvaro – 3% – Amoedo – 3% – Meirelles – 3%(?????, não é possível)

    Haddad – 13% – Ciro 13% – Boulos – 1% – Vera – 1%

    Como a Marina faz oposição ao governo Temer, poderíamos colocá-la no pelotão dos partidos de esquerda, o problema é que ela também faz oposição aos governos Lula/Dilma.

    De qualquer modo, depreende-se que os institutos de pesquisa estão subestimando os índices dos partidos de esquerda e superestimando os índices dos partidos de direita.

    Faz sentido?

     

    P.S  Na última pesquisa da Vox/Populi, Alckmin e Marina apresentam desempenhos bem menores… e Bolsonaro com 18%, ou seja, uma diferença de 8 (oito) p.p em relação à pesquisa do datafolha, é muita diferença.

     

  4. Desoneração não…

    As desonerações da indústria que já é subsídiada na energia e paga poucos impostos sobre os lucros não funciona e deveria ser para quem gera mais empregos não para quem faz chantagem para não demitir.

  5. São uns mentirosos à serviço
    São uns mentirosos à serviço de ideologia.

    Fizeram carreira academica nos anos 70 falsificando o debate sobre igualdade. Ele, Malan e outros, aqui no Rio; Langoni (orientado pelo Delfim Neto) e outros tantos em Sao Paulo vituperavam a agenda da igualdade, sempre com o mesmo mantra de gremio estudantil, “o Brasil nao tem renda”.

    Tudo mais é racionalização dessa posiçao ideológica. Embolsando algum, obviamente.

  6. O economista Eduardo Moreira

    O economista Eduardo Moreira hoje no Jornal da Manhã da Jovem Pan desmontou as teses de Paulo Guedes, o que é surpreendente, Moreira vem do mesmo ninho e ambiente de Guedes, os “economistas cariocas de mercado” e são da mesma escol,a, , a PUC Rio

    Moreira disse que a tese de Guedes de reduzir a carga fiscal brasileira de 32% para 20% é irreal, não é realizavel. Disse tmbem que uma nova CPMF não consegiria substituir de maneira alguma a contribuição patronal para a Previdencia, que gera muito maior receita do que uma CPMF nos niveis anteriores, alem disso Guedes disse que a CPMF substituiria outros impostos,

    nenhuma CPMF teria capacidade sequer para substituir a contribuição patronal, quanto mais outros impostos. Ao fim

    Moreira disse que é inconcebivel um economista de primeira linha não ter feito contas antes de expor um plano, lançar

    linhas de uma politica economica jamais pode ser de maneira improvisada e sem calculos, como Guedes fez.

    Na sabatina de Guedes na GLOBONEWS ele falou um trem de asneiras e gabolices sem nenhuma logica, disse que iria privatizar TODAS as estatais e vender milhares de predios da União, com isso fazendo R$2 trilhões em caixa, tudo em

    6 meses, A resposta de Guedes as perguntas foram todas aberantes ou absurdas, um oceano de besteiras.

    Nas redes sociais admiradores de Guedes disseram que el deu uma AULA a todo mundo. É impressionante a ignorncia.

    Alem da aula de desconhecimento do mundo real, Guedes mostrou-se de uma arrogancia unica, uma postura de sábio,

    falou a modestia e o cavalheirismo intelectual do verdadeiro conhecedor, porque não ser modesto como Keynes?

    Parece que Bolsonaro já percebeu o blefe e está desconstruindo o falso Posto Ipiranga.

    Hoje Guedes cancelou tres importantes sabatinhas que teria em S.Paulo, a mais importante na Camara Americana de Comercio, onde o evento estava marcada para as 9,30 da manhã, Guedes desmarcou uma hora antes, posso imaginar o que disseram os participantes, executivos super ocupados que reservaram a manhã para o evento, que deve ter exigido boa preparação. Para executivos estrangeiros uma cancelamento de ultima hora só é admissivel em casa de morte subita.

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