Paulo Stein, a voz do samba carioca

 

Nascido em 1945, Paulo Stein é considerado até hoje pelos amantes do Carnaval referência nas transmissões dos desfiles das escolas de samba. Hoje no SporTV, Paulo não tem mais participado das coberturas como na época áurea da extinta Rede Manchete, na qual liderava um time recheado de comentaristas de peso como Fernando Pamplona, José Carlos Rêgo, Sérgio Cabral, Roberto Barreira, entre outros.

Em meio a incontáveis histórias saborosas dos desfiles, Paulo ainda tem acesa a chama do Carnaval dentro dele e por isso alerta, em entrevista exclusiva ao Ouro de Tolo, sobre os atuais rumos das escolas de samba:

– O samba tá morrendo! Gente boa não falta, a imposição aos compositores é que é perniciosa. Lembrando a Alcione, “Não deixe o samba morrer/Não deixe o samba acabar”

Ouro de Tolo: Como começou sua relação com o Carnaval?
Paulo Stein: Sempre gostei de Carnaval. Eu quando garoto era levado pelo meu pai para o Carnaval de rua, na época em que se tinha um grande Carnaval de rua, desfiles de blocos… Eu me fantasiava de tirolês, de pirata. Com o passar dos anos, virei jornalista e comecei minha carreira em 1968, no extinto Jornal dos Sports, e eles tinham cobertura de Carnaval. Então, eu passei a ir às escolas, aos ensaios, quando algum repórter ia lá para alguma pauta. Fui a inúmeros ensaios nas quadras antigas das escolas de samba como Mangueira, Império Serrano, Salgueiro lá no morro ainda. Daí, o Carnaval das escolas de samba entrou no meu gosto e passei a acompanhar os desfiles e as transmissões. Por isso, passei a ter cada vez mais conhecimento. Além disso, o meu irmão Fernando Pamplona era muito amigo do meu irmão. Eu era garoto e o Pamplona já frequentava a minha casa, então foi uma pessoa que também me deu um gancho muito grande pro Carnaval. E, numa dessas oportunidades da vida, eu estava na Manchete quando houve a chance de transmitir o Carnaval de 1984 depois que a Globo desistiu de transmitir os desfiles.

paulostein2OT: A Globo não quis realmente transmitir o carnaval de 1984? Como se negociaram os direitos de transmissão daquele ano?
PS: A ideia do Professor Darcy Ribeiro (então vice-governador do Rio) de fazer um estádio permanente para o samba foi encampado pelo governador Brizola, e a genialidade de Oscar Niemeyer de juntar no mesmo lugar um CIEP foi um marco. Mas Darcy Ribeiro queria estender a folia por mais um dia para dar ao povo mais tempo para se divertir na grande festa. As instalações anteriores que eram montadas anualmente em andaimes (antes da Marquês de Sapucaí, também foram erguidas na Presidente Vargas e na Antônio Carlos) custavam caro e atrapalhavam o trânsito por quatro meses, daí a ideia de se criar um espaço fixo. O professor Darcy então imaginou uma grande festa, apoteótica e vislumbrou uma grande praça no fim da pista de desfile, onde as escolas pudessem fazer uma espécie de volta olímpica e retornar. Nada mais do que certo a convocação de Oscar Niemeyer. Bem, a Globo não aceitou mudar a regra e o Boni não acreditou em carnaval de dois dias: “A Globo não transmite desfile em dois dias”. O slogan era sempre: “Programação normal e o melhor do Carnaval!” A tradição das transmissões dos desfiles pela Globo estava quebrada. Brizola então procurou Adolpho Bloch, que comandava a recém-inaugurada Rede Manchete. E Adolpho topou: “A Globo pagou pra ver e perdeu!” Foi uma surra jamais imaginada na audiência: 70% a 5% com picos de 82%. Na verdade não houve negociação. O Brizola passou os direitos para Manchete porque a Globo não acreditou no Carnaval de dois dias.

OT: Como foi montar o aparato técnico e de equipe de especialistas para a TV Manchete transmitir sozinha aquele desfile?
PS: Logo após definir com Brizola, Adolpho chamou Maurício Sherman, que era o diretor artístico da Manchete e fazia sucesso no comando do famoso “Bar Academia” e do “Clube da Criança” com a Xuxa. Foi ele junto com Moiyés Weltman e Mauro Costa, que traçaram o roteiro da cobertura. Sherman se encarregou do lado artístico e da transmissão enquanto Moysés Weltman e Mauro Costa cuidaram da parte jornalística. O aparato técnico foi responsabilidade de Francisco Cavalcanti, engenheiro da Manchete. Todos sob a tutela de Rubens Furtado, o diretor geral. A Manchete tinha o melhor equipamento, câmeras Ikegamy, superiores as da Sony na época, e todo um material técnico de primeira linha – lembra o slogan? “Rede Manchete, televisão de primeira classe!” As escolhas mais complicadas foram as dos comentaristas e eu. Quando Sherman me indicou foi uma surpresa. Adolpho perguntou: “mas ele não é locutor de futebol?” E Sherman respondeu: “é por isso que quero ele, preciso de gente que saiba improvisar; não preciso de um locutor de estúdio pra ler”. Os nomes de Fernando Pamplona, Haroldo Costa, Sérgio Cabral e Albino Pinheiro foram logo lembrados. Sherman foi pra Sapucaí, ainda um canteiro de obra, com o pessoal técnico, Mauro Costa e eu. Participei de toda a montagem das câmeras e ali ficou definido o posicionamento das 11 câmeras e da cabine, improvisada em cima de andaime na esquina da Salvador de Sá, em frente ao Espaço Candonga (recuo da bateria).

A transmissão da Manchete em 1984 para o desfile da Mangueira

OT: Falando em posicionamento, atrapalha colocar a equipe de locutor e comentaristas no início ou no final da passarela de desfile, como é feito hoje? Se não, por quê?
PS: Um tremendo erro. o melhor lugar é mesmo ali, na frente do Espaço Candonga. O locutor tem uma visão geral da pista e os comentaristas ficam perto do desfile para fazer suas análises e observações. Para ficar no início ou no final da passarela, sinceramente, prefiro fazer off tube(sistema de transmissão no qual o narrador não está no local do evento) num estúdio na sede da emissora, mais confortável e menos tumultuado.

OT: Em 2009 você fez o Grupo de Acesso em uma espécie de off tube. Como foi a experiência?
PS: Não era para ser. O presidente da Lesga tinha acertado uma cabine, segundo ele, num camarote. Só sei que quando cheguei lá não tinha a tal cabine e o jeito foi fazer dentro do caminhão de externa. Não teve o mesmo espaço e conforto de um estúdio, mas na televisão a narração e o comentário tem que ser feitos em cima das imagens que estão sendo mostradas. Quando estamos no local trabalhamos com um olho na tela e o outro na pista. Quando acontece um fato expressivo fora do que está sendo mostrado você tem que explicar e dizer porque não está sendo mostrado. É mais jornalismo, informação.

OT: Sem contar o carnaval de 1984, qual a sua transmissão inesquecível do carnaval carioca?
PS: Sinceramente todas. Eu tinha um grande prazer de estar ali narrando essa grande festa ao lado de pessoas incríveis como o Fernando Pamplona, o Haroldo Costa, Zé Carlos Rêgo, Maria Augusta, Sérgio Cabral, Albino Pinheiro, Roberto Barreira e outros que entre 1984 e 1998 me ajudaram a levar a emoção que vivia na Passarela do Samba. As pessoas iam na cabine pra falar com a gente, todos os carnavalescos e os patronos das escolas, jornalistas e artistas, sempre foi uma grande festa pra mim também.

OT: Teve até o João Saldanha nos comentários, né?
PS: Sim, o João era uma pessoa que tinha uma grande visão geral sobre tudo. E foi muito engraçado porque uma vez ele tinha de fazer um comentário de dois minutos e não tinha mais jogos de futebol rolando. Daí ele começou com aquela continência de sempre e mandou: “A Mangueira é uma escola única, pois tem uma marcação de apenas um surdo tum……..tum……..tum…….. e não tum…tum… E ele fazia essa marcação na mesa! Ele era torcedor da Portela e bom botafoguense. Teve também o Armando Marques, que era apaixonado por Carnaval e participou por dois anos da nossa cobertura. Mas a grande equipe mesmo tinha eu, Pamplona, Zé Carlos Rêgo, Haroldo e Roberto Barreira, que era diretor da revista Desfile e tinha uma cultura sobre moda extraordinária. Ele era formado em Milão, que era a terra da moda. Então ele olhava de longe e falava “aquilo é de tafetá (um tipo de tecido), aquilo é de algodão”, e falava sobre as combinações de cores, sobre a graça da moda. Tinha o Pamplona, que era carnavalesco, o Haroldo, ator consagrado e que viveu a vida inteira no mundo do samba, e o Zé Carlos Rêgo, que conhecia o sorveteiro de cada porta de quadra das escolas de samba. Tinha um time em que cada um falava mais de cada pedaço mas sabia falar de tudo, a gente tinha isso. Eu me escorei nisso aí, e em meio ao pouco que eu sabia, fui aprendendo cada vez mais porque quem acha que aprendeu todo, na verdade não sabe nada.

OT: Quais as melhores histórias de bastidores de todos estes anos de transmissão?
PS: Todo ano tinha muita história, são muitas. Para representá-las, a entrada na cabine aos prantos de Joãozinho Trinta depois do desfile da Beija-Flor com “Ratos e Urubus Larguem a Minha Fantasia” (1989). Ele se atirou nos ombros do Pamplona e chorava muito.

Componentes retiram o plástico do Cristo no desfile das campeãs da Beija-Flor

OT: Já que você falou do Pamplona nesse desfile de 1989, ele foi ao delírio quando os componentes da Beija-Flor retiraram o plástico preto que cobria o cristo no Desfile das Campeãs. Naquele momento você teve sensibilidade de deixá-lo aflorar aquele sentimento ou você estava tão surpreso quanto todos?
PS: A direção da Manchete nunca nos impediu de falar o que pensávamos e, quando eu percebi a emoção estampada no rosto do Pamplona, deixei ele dar o recado. Lembra do choro do Joãozinho que contei antes?

OT: Um dos momentos mais tensos das transmissões foi no desfile da Mangueira em 1990. A escola fazia excelente apresentação, mas os carros começaram a quebrar e a escola estourou o tempo. Vocês estavam torcendo muito pra que a escola escapasse daquilo, tanto que Pamplona soltou palavrões no ar. Como foi?
PS: Eu peguei a manha do tempo de desfile e não errava a previsão do estouro. Percebi que a Mangueira estava encrencada e comecei a falar. Era comum os diretores de ala passarem pela cabine e perguntar como estava a escola. E a gente (eu sou Mangueira, o Pamplona era Salgueiro, o Zé Carlos Rêgo era Império Serrano, o Haroldo Costa é Salgueiro, e o Roberto Barreira também era Salgueiro) torcia pelo sucesso de todo mundo. O Pamplona saía da cabine e ia pra varanda do lado pra gritar pros diretores de harmonia consertarem uma coisa ou outra. Foi uma reação natural dele torcendo pra que tudo desse certo para todas as escola, só que dessa vez ele o microfone estava aberto. Mas foi bacana, o público nos entendia.

O incêndio no carro da Viradouro na transmissão da Manchete (a partir de 19:50)

OT: Outro momento ainda mais tenso foi o incêndio no carro da Viradouro em 1992. Qual era a visão que vocês tinham? Como foi não perder a calma?
PS: O Mauro Costa entrou na minha coordenação e me disse que tinha imagem do carro pegando fogo, como a repórter Marcia Prado estava longe, no fim da Praça da Apoteose, ele pediu pra que eu narrasse em cima das imagens. Foi o que eu fiz até que a Marcia chegou, uns três minutos depois, e começou a dividir a narrativa comigo. Os comentaristas ficaram de olho nos monitores e eu fui falando aquilo que via junto com a Marcia. A calma faz parte da profissão.

A íntegra do desfile da Portela de 1991 pela Manchete

OT: Quais os elementos que uma transmissão de desfiles deve ter para torná-la informativa e atraente ao grande público?
PS: Ter gente que conheça carnaval e com um bom nível cultural; uma coordenação eficiente entre a cabine de locução e dos comentaristas com a direção de TV e o time de repórteres; e falar uma linguagem que seja compreensível para o público sem expressões rebuscadas.

OT: Além daquilo que você já falou sobre o Sherman, tem mais algo que explique por que transmissão de carnaval é feita normalmente por locutores de futebol? (além de você,  Fernando Vannucci, Cleber Machado e Luis Roberto já conduziram ou ainda conduzem transmissões).
PS: Além de o locutor de futebol saber improvisar, narrar o que vê, Carnaval e futebol são as maiores paixões do nosso povo!

OT: Mas você entende a transmissão dos desfiles como algo jornalístico ou da área de entretenimento? Por quê?
PS: As duas coisas se misturam. Uma não sobrevive sem a outra. Se você só mostra o desfile e não fala nada o telespectador não vai entender nada. E você não pode falar o óbvio, o que está sendo visto; tem que explicar e para isso tem que ter cultura.

OT: Você acha viável uma transmissão segmentada do carnaval em canal fechado, voltada ao público especializado?
PS: Claro que sim. Quem conhece se puder ter uma informação melhor e ver o carnaval como um teatro, com início meio e fim, vai curtir muito mais do que ficar vendo artista e bunda de fora.

OT: Stein, você e Pamplona fizeram na extinta Rede Manchete o modelo de transmissão que até hoje é o padrão-referência em carnaval. Quais os elementos que uma transmissão ideal dos desfiles hoje deveria ter?
PS: O carnaval é um teatro e precisa ser respeitado e mostrado como ele se propõe e não como se fosse um salão de baile. Foi essa a ideia que eu e o Pamplona sempre defendemos. O público que não entende muito vai entender melhor e quem entende se satisfaz. Artista, mulher bonita e bunda de fora também podem e devem ser mostrados, mas inseridos no desfile não como destaques.

OT: Quanto aos desfiles de hoje, você acha que o samba perdeu importância com o incremento dos quesitos plásticos? As baterias não estão aceleradas demais, não? O que você faria para melhorar os desfiles e o julgamento deles?
PS: O samba começou a cair no fim dos anos 90 por conta das exigências de diminuir os figurantes e o tempo de desfile. A isso se somou a aceleração do samba, para ajudar a escola a desfilar mais rapidamente. O surdo virou surdo de segunda, o de segunda virou de terceira e o de terceira virou som de metralhadora. Nessa velocidade, caiu a qualidade poética, a rima ficou difícil e a linha melódica perdeu o romantismo. Como no samba de Edson da Conceição e Aloisio Silva “Não deixe o samba morrer” – “Não deixe o samba morrer/ Não deixe o samba acabar/ O morro foi feito de samba/De Samba, pra gente sambar.” Antigamente com a proximidade do Carnaval a gente voltava a cantar os sambas dos anos anteriores hoje ninguém lembra do samba do ano passado. Mas os velhos clássicos são cantados até por gente que nasceu depois deles. O julgamento dá um toque de competição que acho importante para manter a chama acesa. É como no futebol: a sua escola é campeã e tem que tirar sarro em cima do amigo que torce por outra. Era assim, agora as raízes estão morrendo e não falta muito pra árvore cair apodrecida. Mudou muito pra pior. A poesia tem que voltar e o surdo tem que soar no seu antigo compasso.

OT: Por fim, Paulo, que mensagem você passa aos amantes do Carnaval e das escolas de samba?
PS: É hora de iniciar um protesto nas quadras pela volta do samba poético no seu compasso natural e acabar com essas marchinhas de hoje. O samba tá morrendo! Gente boa não falta, a imposição aos compositores é que é perniciosa. Lembrando a Alcione, “Não deixe o samba morrer/Não deixe o samba acabar”.

 

Redação

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