Pedaladas bancárias, o velho patrimonialismo disfarçado de novo “pratiotismo”, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Pratiota - neologismo inventado por Benjamim Constant (1836 - 1891) para designar os patriotas brasileiros que só o procuravam no Ministério para pedir dinheiro e favores escusos.

Pedaladas bancárias, o velho patrimonialismo disfarçado de novo pratiotismo

por Fábio de Oliveira Ribeiro

A acusação mais mesquinha, absurda, infantil e ridícula que os ativistas do MPF sacaram contra Lula foi a referente à atuação dele no exterior para promover os interesses de empresas brasileiras. Seria muito estranho um presidente da república não fazer isso. O patriotismo é inerente ao exercício da presidência da república. Além disso, a legislação brasileira só veda ao administrador público exigir ou receber propina para facilitar negócios dentro e fora do país. 

Essa acusação, perfeitamente alinhada com os interesses dos EUA, deveria ter causado a punição dos procuradores da Lava Jato. Afinal, eles interpretaram a Lei de maneira canhestra para prejudicar pessoalmente um presidente da república. Por outro lado, os acusadores de Lula fizeram aquele carnaval midiático-político para beneficiar empresas estrangeiras concorrentes das empresas brasileiras. A falta de patriotismo deles, entretanto, foi aplaudida pela imprensa como se fosse algo bom e desejável. 

Lula foi inocentado de todas as acusações. Mas isso não significa que o status quo anterior foi oupoderá ser restaurado. As empresas brasileiras destruídas pela Lava Jato dificilmente voltarão a conquistar o espaço que tinham. O dano permanente à economia do país será reparado pelos heróis da Lava Jato ou pelo MPF? Essa pergunta é apenas retórica. É evidente que isso não ocorrerá nem em mil anos. 

Porque resolvi falar desse assunto? Porque o velho patrimonialismo supostamente combatido pela Lava Jato ressurgiu das cinzas.  

Durante a pandemia Bolsonaro atuou como garoto propaganda dos fabricantes de remédios ineficazes contra o COVID-19. Os laboratórios que fabricam cloroquina e ivermectina lucraram dezenas de milhões de reais com as lives presidenciais. Existem provas robustas de que Bolsonaro utilizou a presidência da república para garantir os lucros de laboratórios farmacêuticos.  

A Lei é a mesma. O que mudou? A maneira dos procuradores do MPF interpretá-la. Ponto para a defesa de Lula. Os advogados do presidente realmente tinham razão quando disseram que ele estava sendo vítima da seletividade penal. No caso de Bolsonaro, a seletividade opera de maneira inversa. Nenhum crime foi cometido, nem mesmo o de charlatanismo (ele propagandeou o uso de medicamente inócuo expondo a risco as vidas de milhões de brasileiros). Mas deixemos essa questão de lado. 

O que fará o MPF no caso da primeira-dama? Ela foi acusada de interferir na gestão da CEF para facilitar a concessão de empréstimos a empresários bolsonazistas https://www.viomundo.com.br/politica/michelle-garantiu-emprestimo-de-r-518-mil-a-doceira-que-fez-video-atacando-lockdown.html. No Brasil, a atividade da primeira dama não é regulamentada por Lei. Mas isso não significa que ela possa fazer o que bem entender ou usar seu prestígio (ou o do marido) para favorecer apoiadores do governo.  

Na pior das hipóteses, o MPF deverá investigar cuidadosamente eventual abuso ou conduta criminosa praticada por quem atendeu as solicitações da primeira dama.  

A concessão de empréstimos deve levar sempre em conta critérios técnicos e financeiros, pois o presidente da CEF pode ser pessoalmente responsabilizado pelos prejuízos que causar ao banco (art. 18, do ESTATUTO DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL): 

“Art. 18. O presidente, os diretores e os membros dos Conselhos de Administração e Fiscal são responsáveis, na forma da lei, pelos prejuízos ou danos causados no exercício de suas atribuições.” 

A CEF não pode favorecer um cidadão só porque ele é protegido pela primeira dama ou amigo do presidente da república. Bolsonaro e a esposa fazem pose de patriotas, mas na verdade são os representantes do velho patrimonialismo (fenômeno que foi combatido com altivez durante os governos do PT).  

Dilma Rousseff foi crucificada pela imprensa por causa das pedaladas fiscais. A imprensa será leniente com as pedaladas bancárias dada por Michelle Bolsonaro? A conferir.  

Uma coisa é certa, essa primeira dama seria uma típica pratiota* na república de Benjamim Constant. Michelle Bolsonaro não hesitou ao utilizar a CEF para encher os pratos dos amigos do marido dela. 

*pratiota – neologismo inventado por Benjamim Constant (1836 – 1891) para designar os patriotas brasileiros que só o procuravam no Ministério para pedir dinheiro e favores escusos.  

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Fábio de Oliveira Ribeiro

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