Pela Conciliação e pelo Estado Democrático de Direito

A tradição política brasileira é a conciliação como forma de saída dos impasses. Foi sempre assim, desde a Independência, as Regências, mesmo a instalação da República, que destituiu o Imperador após o final da escravidão, mas manteve os privilégios dos oligarcas-escravistas. Foi assim, de alguma maneira, com a Revolução de 1930, que acabou com o governo das oligarquias regionais, mas não as alijou completamente do poder nos estados.

Foi assim também com o Estado Novo, que isolou a esquerda e também a direita raivosa e construiu um Estado Nacional e um projeto nacional-desenvolvimentista, conciliando as antigas lideranças rurais e as lideranças empresariais urbanas emergentes. Foi assim no fim da Ditadura empresarial-midiático-militar de 1964/1985, num movimento que ficou conhecido como a “transição transada”; que devolveu o poder político aos civis e produziu a Constituição Cidadã de 1988, mas não puniu os ditadores e seus asseclas, nem os que torturaram e mataram em seus nomes.

Quando não houve conciliação, foi porque houve o uso e o abuso exclusivo da força e, nesses momentos, quem ganhou foi sempre a direita extremada e raivosa. O exemplo mais notório é o do golpe de 1964 e da ditadura que se seguiu até 1985. Mesmo importantes lideranças políticas e sociais que apoiaram o golpe, na expectativa de que a “ordem” fosse rapidamente restabelecida, foram banidas pelos governos ditatoriais que se seguiram.

Hoje, não me parece que tenhamos outra saída para a crise atual. Ou as lideranças políticas de diferentes partidos do espectro político-ideológico, que ainda detêm legitimidade pública, entendem a dinâmica histórica brasileira e a gravidade da situação atual e começam imediatamente a negociar e elaborar uma saída coletiva para a crise ou o caos se instalará.

O custo do combate à corrupção a qualquer preço tem sido a destruição sistemática do único parque industrial e tecnológico nacional ainda de pé, com as investidas contra a Petrobras e as grandes empreiteiras nacionais (não se afirma aqui que não haja corrupção nessas empresas, nem que políticos de praticamente todos os partidos e tendências políticas não estejam envolvidos nela).

Com isto, a recessão econômica tem se agravado, o PIB encolhido e a população de média e baixa renda penalizada cruelmente. O custo do combate à corrupção a qualquer preço tem sido a destruição da credibilidade das poucas lideranças políticas que ainda restam no país e, mais grave, a descrença crescente da política e do sistema de representação partidária como forma de resolução de conflitos.

O combate desenfreado à corrupção tem custado mais caro ao país do que a própria corrupção.

Tem sido jogado no lixo talvez o que de mais valioso uma Nação pode construir: o seu patrimônio de Justiça alicerçado no Estado Democrático de Direito. A Constituição Cidadã e Democrática de 1988 está sendo rasgada exatamente por integrantes dos poderes que mais deveriam defendê-la.

Os únicos ganhadores têm sido os justiceiros do Ministério Público e do Judiciário, Rodrigo Janot e Sérgio Moro à frente das tropas de choque. Ao lado deles, seguem e se beneficiam os radicais de direita, adeptos dos linchamentos e justiciamentos políticos.

Está se instalando entre nós um estado policialesco, travestido e montado no combate à corrupção. É hora de as lideranças políticas brasileiras responsáveis e democráticas de todos os partidos deixarem suas divergências políticas de lado em nome da preservação da DEMOCRACIA em nosso país. Não se trata de capitulação de nenhuma das partes, trata-se da preservação de um bem maior, da DEMOCRACIA REPRESENTATIVA e dos DIREITOS INDIVIDUAIS, duramente conquistados.

É hora de nos mobilizarmos todos, acima de nossas preferências partidárias e de nossas convicções e posições socioeconômicas, para a construção de um grande pacto conciliatório com vistas à manutenção do ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO NO BRASIL.

Redação

2 Comentários

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  1. Nos últimos 62 anos tivemos

    Nos últimos 62 anos tivemos um presidente que foi levado ao suicídio (Getúlio Vargas), outro que foi levado à renúncia (Jânio Quadros), um que foi deposto pelos militares (João Goulart), e outro que sofreu impeachment (Fernando Collor). Ademais, dezenove anos de intervenção militar.

    Será que temos mesmo tradição conciliatória?

  2. Política de Negociação

    Urge, sim, uma negociação política, mas não nos velhos moldes conciliatórios,

    como descritos no texto. A questão é: quem são as partes a serem chamadas para uma negociação, uma concertação

    verdadeiramente cidadã, de modo a resgatar o bem comum e a democracia, evitando assim a manutenção da distribuição de

    prebendas a grupos seletivos,  o excessivo jurisdicismo e  a

    ameaça de um estado policialesco?

     

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