Acabei de assistir ao programa Sem frescura, do Canal Brasil. Paulo César Pereio conversou, dessa vez, com Loureço Mutarelli, um monstro da HQ brasileira. Para Pereio “História em Quadrinhos” não é uma denominação legal para a arte sequencial. Aprendi com os moleques da internet a chamar a arte seqüencial de HQ. Depois de quadrinhista Mutarelli já trabalhou como escritor e, agora, como ator.
Lourenço ficou quase calado, falou tão pouco durante a conversa dos dois que, ao fim, se descupou pelo silêncio. A fisionomia de Lourenço Mutarelli, as suas expressões econômicas e um tanto quanto taciturnas, tudo no comportamento dele durante a conversa, tudo na cena, era mesmo a cara do autor de Transubstanciação. A substância dos desenhos, do enredo, da narrativa magnífica de suas obras estava na cena do Sem frescura de hoje.
E o mais incrível é o Pereio ter conseguido levar, e muito bem, um programa com um interlocutor que, para muitos, seria o modelo do interlocutor difícil. Mas Pereio conhece Mutarelli antes e depois de conhecer suas HQs.
Então Pereio falou de como apareceu Spirit no Brasil. Na sua infância ele conehceu as primeiras publicações de espírito no Brasil. Elas saiam na revista do Coelho Pernalonga. Falou de ser ator e do ator que é esse ser intenso, aberto e pungente que é Mutarelli. Sei que atribuir assim três adjetivos a uma pessoa-artista-obra é arriscado. Entretanto, não há como fazer de outro modo, não para mim.
Pereio, não me lembro agora a partir de que parte da conversa, levantou a questão de Mutarelli estar se escondendo. Esse, por sua vez, confirmou e emendou dizendo que se esconde sempre. Ele se esconde o tempo todo há três anos; foi o que afirmou. Isso porque antes ele tinha certeza absoluta de que sabia quem ele era. Depois descobriu que não sabia e, desde entao, não parou de se enganar o tempo todo.
Foram momentos onde, cenicamente e verbalmente, o espetáculo foi digno de um Kafka. Mas Mutarelli não é Kafka, é Mutarelli. Sem querer reduzí-lo, apelo para a associação com Kafka devido às deficiências do meu texto que, justamente agora, avultam de forma assombrosa.
E foi muita coisa para minha memória, apesar do tom lacônico da conversa. Pereio reafirmou sua paixão pelo paradoxo. E o que mais? É melhor o leitor internauta assistir à reprise do programa. E também recomendo não perder o próximo. No Youtube tem alguma coisa. Quantas linhas eu posso ainda traçar sobre o Sem frescura de hoje? Não sei.
Eu tinha certeza absoluta de que sabia o que estava escrevendo. Pereio comentou sobre Mutarelli ter certeza absoluta de que sabia quem era: Se tinha certeza absuoluta, já estava errado. Então só me resta, a partir de agora, aumentar radicalmente, nesse texto, o silêncio.
S.Alves!
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EntrevistaPereio entrevista Lourenço Mutarelli no “Sem Frescura”
Excelente texto e narração da entrevista (que infelizmente não assisti), mas pela narrativa dá pra perceber o que perdi.
Parabéns Sandro Alves pela narrativa.
Marcelo M. Fonteles
Agenda Cultural Brasília