Peru: abusos de mineradoras, brutal repressão de protestos e alta e rejeição popular aceleram ocaso do governo Ollanta Humala

Germán Larrea Mota-Velasco com Peña Nieto, presidente do México

Frederico Füllgraf

De Arica, especial para Jormal GGN

Destoando do otimismo das bolsas e das previsões do FMI, que projeta crescimento econômico do Peru para 3,8% em 2015 – atribuindo-lhe a liderança na América Latina, cuja média não deverá superar 0,9% no ano em curso – desde março, o governo de Ollanta Humala – eleito em 2011 com campanha dirigida pelo marketeiro brasileiro, João Santana – enfrenta grave crise de legitimação, com 68% de rejeição frontal e encarniçados protestos de agricultores do Vale do Tambo, sul do país, reprimidos pela polícia e pelo exército, que já cobram 4 mortos e mais de 200 feridos. Pesquisa de opinião revela que 51% da população peruana apoiam a luta pela preservação dos poucos recursos aquíferos da região, ameaçados de contaminação pela mineradora multinacional Southern Copper.

 

O Vale do Tambo é um delicado e aprazível oásis na paisagem árida da Cordilheira Central, nos Andes. Na perspectiva do voo de pássaro tem um quê de verdejante Jardim do Éden, recortado contra as encostas ocres e pouco hospitaleiras das quebradas andinas.

No vale, com uma extensão de 14.500 hectares, vivem 40.000 habitantes, dos quais 3.500 são pequenos produtores e pecuaristas, espalhados pelos distritos de Cocachacra, Punta de Bombón, Deán Valdivia e Mollendo. Seus minifúndios respondem por 13% da produção agrícola da macro-região de Arequipa, distante 420 quilômetros da fronteira com o Chile, e geram emprego e renda para aproximadamente 10.000 trabalhadores, segundo o Ministério da Agricultura peruano. Graças ao clima, de temperado a quente, é um dos principais centros de cultivo de batata, arroz, cana-de-açúcar (e açúcar a granel beneficiado in situm), cebola, quinua, frutas, azeitonas, milho e alfafa, que não apenas abastecem o mercado peruano, mas são exportados para Chile, Bolivia, Ecuador, Colômbia e Venezuela.

Porém, o que a Natureza generosa oferece aos campesinos do Tambo, está tudo rigorosamente subordinado aos seus ciclos: suas plantações são de rega e a água, recurso mais precioso da Cordilheira dos Andes, é fornecida pelo rio Tambo, de comportamento sazonal, cujo caudal é completo apenas de janeiro a março, com prolongadas estiagens, que vão de setembro a dezembro, reduzindo em 50% a descarga do rio. Por esse motivo, faz 20 anos, os agricultores solicitaram ao governo a construção de uma represa, mas nunca foram atendidos.

Tia Maria, a mina maldita

Em 2008, durante o segundo governo de Alan García Pérez (2006-2011), o Peru autorizou a mineradora Southern Copper Corporation – do Grupo Mexico SAB, pertencente a German Larrea Mota Velasco, o segundo homem mais rico do México, atrás de Carlos Slim, com patrimônio líquido de 14.4 bilhões de dólares, ocupando posição 74 do ranking global Forbes (2015) – a explorar duas crateras da mina de cobre Tia María, a céu aberto, com um investimento de 1,4 bilhões de dólares e a meta anual estimada em 120.000 toneladas métricas de cobre para a eletro-refinação.

O problema da Southern: a mineração de cobre exige a utilização de muita água, mas as encostas de Tia María são desérticas. Foi quando a multinacional se lemboru do Tambo.

Quando os agricultores adivinharam a intenção da mineradora, em 2011, os protestos tornaram-se violentos, obrigando o governo a suspender a licitação e exigir à Southern um novo RIMA-Relatório de Impacto Ambiental.

Os protestos apontaram duas ameaças: a disputa pelas águas do Tambo e a contaminação das águas de superficie e do lençol freático com substâncias altamente tóxicas como o arsênico, o cianureto e o mercúrio, empregados na separação de metais durante a extração do cobre, do ouro e da prata. Outro perigo é a drenagem de rocha, processo que acidifica e contamina as águas subterrâneas e de superfície com metais pesados, com efeitos tardios que, mesmo após o abandono de uma mina explorada, podem perdurar séculos afora, impactando o abastecimento de água, a flora e a fauna; sem falar da poluição atmosférica com o pó levantado pelas detonações nas minas.

Obviamente, no Vale do Tambo os agricultores não haviam esquecido a catástrofe humana ocorrida em 2000 em Choropampa, norte extremo do país, quando um caminhão a serviço da Newmont Mining Corporation – gigante da mineração de ouro, com sede em Denver, Colorado, concessionária da mina de ouro Yanacocha – derramou 151 kg de mercurio metálico na estrada, afetando 70% da população rural por intoxicação, com sequelas ainda em tratamento, decorridos 12 anos da ocorrência do acidente. Somente em 2004, o Peru começou a adotar legislação sobre transporte de produtos inflamáveis e tóxicos.

Além de Tía María, a mineradora mexicano-americana opera outros dois complexos mineiros no Peru, a saber as minas de Cuajone e Toquepala – com unidade de processamento próximo ao porto de Ilo – e os projetos Los Chancas, em Apurímac, e Tantahuatay em Cajamarca.

Estado de emergência contra reclamos sociais

No início dos protestos no Valle do Tambo, em 2010, o então candidato à presidência da coligação Gana Peru e fundador do Partido Nacionalista, Ollanta Humala, apareceu no vale, proferindo inflamado discurso com a promessa, se eleito, de resistir junto com os agricultores e sustar o projeto da mina maldita.

Hoje, cinco anos depois, Humala é xingado de traidor e ditador (vide discurso do Prefeito Jaime de la Cruz: Alcalde insulta a Ollanta Humala por proyecto minero Tía María).

A indignação transbordou dos campos para as ruas e as administrações municipais: não bastasse sua promessa vazia, Humala passou a tratar os protestos com decretação de Estado de Emergência – a suspensão de todos os direitos constitucionais – e envio da polícia militar e tropas do exército, que no Vale de Tambo já cobram pelos menos 4 vidas humanas e mais de 200 feridos nos enfrentamentos com a polícia, disposta a abrir fogo contra a multidão, como ilustra o acachapante vídeo filmado com câmera de um celular: 

Perú: Video muestra a policía disparando agricultores

Desde que assumiu o governo peruano, em 2011, Ollanta Humala decretou o Estado de Emergência em três oportunidades, já em 2012 ocasionando a morte de 5 trabalhadores, abatidos a tiros pela polícia, nos protestos contra o complexo mineiro de Conga. Entre 2014 e 2015, o Peru deplora 17 mortes em conflitos sociais, 60% dos quais causados por grandes corporações mineiras, cujo pano de fundo costuma ser a disputa pela água da Cordilheira dos Andes.

Vladimiro Huaroc, alto-comissário do Escritório de Diálogo e Sustentabilidade da Presidência do Conselho de Ministros, adverte que “a razão devido à qual os projetos mineiros não deslancham, não reside na falta de capitais, porque há dinero de sobra, e nem é um problema de tecnologia. O problema e grande desafio dos investimentos no Peru e no mundo são as relações sociais comunitárias”.

Medalha de ouro do Council of Americas

Oficial com cursos de instrução na década de 1980, na Escola das Américas, Panamá, dez anos mais tarde, Humala destacou-se como capitão em Tingo María, combatendo a guerrilha do Sendero Luminoso. Na sequência, envolveu-se em amotinamentos, passando à clandestinidade após o fim do regime Fujimori. Em dezembro de 2000, foi preso juntamente com seu irmão Antauro Humala, também militar, e submetido a processo por rebelião, sedição e insulto a superior, pela Segunda Zona Judicial, mas anistiado poucas semanas mais tarde pelo Congresso peruano.

Em 23 de março do ano em curso, os protestos voltaram a espocar nas ruas do Vale do Tambo porque em agosto de 2014 o governo Humala validou o RIMA da Southern sem consultar os agricultores, que recordam sem número de irregularidades da multinacional.

Empresa que opera no Peru desde a década de 1950, e única mineradora não expropriada durante as reformas do general nacionalista, Juan Velasco Alvarado (1968-1975), em quase seis décadas de operações, a Southern acumula um problemático prontuário de agressões ao meio ambiente e de desrespeito às comunidades nativas, tais como sua operação com alvará de uso de águas emitido há 50 años; a poluição da baía de Ite en Tacna durante 36 anos; a contaminação dos campos de irrigação de “Pampa Sitana”, etc.

Problemátcias são também as relações da Southern com a imprensa. Procurado em maio pela BBC Mundo, que repetiu seu pedido com três e-mails, solicitando uma entrevista com German Larrea Mota Velasco sobre as críticas das quais é alvo, o Grupo México solenemente não respondeu. A mensagem para o bom entendedor: o silêncio também é uma resposta.

Mas o que de fato causa repulsa às gentes simples do Vale do Tambo, é que poucas semanas após a aprovação do novo e controvertido RIMA da Southern, enquanto eram enfrentadas nos campos e ruas com balas de borracha, gás lacrimogêneo e armas de fogo, no final de setembro de 2014, em Nova Yorck, Ollanta Humala era o convidado de gala ao jantar oferecido pela Americas Society, vinculada ao Conselho das Américas – poderoso think tank e lobby norte-americano fundado na década de 1960 por David Rockefeller, cujo lema é a “promoção dos livres mercados” e que articulou o projeto da ALCA no início do novo milênio – no qual o peruano foi agraciado com a “Insignia de Ouro”, a mais alta condecoração do Conselho “em reconhecimento de sua política de desenvolvimento com inclusão social”.

Se vivos estivessem Antístenes e Diógenes, fundadores da Escola Cínica (séc. IV a.C.) na Grécia Antiga, certamente convidariam o Council e Humala para um curso de atualização de seu cânone. 

Redação

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