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Planos para longo prazo favorecem universalização

O que leva uma cidade a atender 100% dos serviços de saneamento? Para responder essa questão, entrevistamos o diretor-presidente da Empresa DAE S.A, de Jundiaí, cidade que alcançou todas as metas


Com 57% da população não atendida pela rede geral de esgoto, e 19% não abastecida por água via rede geral, o Brasil tem pela frente o desafio de universalizar esses serviços e sair da 9º colocação de um ranking divulgado este ano pela OMS (Organização Mundial da Saúde) e Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) de países com os maiores déficits de saneamento básico. No Brasil, são mais de 13 milhões de habitantes sem acesso a banheiros. Para completar o quadro nacional sobre o setor, 43% da população é atendida por serviços de coleta de esgoto, sendo que apenas 1/3, ou 34% do que é coletado recebe algum tipo de tratamento – o restante do esgoto bruto é despejado nos corpos hídricos.

A unidade administrativa pública responsável direta por garantir esses serviços à população é o município. Com base em dados levantados pelo Ministério das Cidades, o Instituto Trata Brasil (ITB) fez um ranking dos 81 municípios do país com mais de 300 mil habitantes, considerando a situação dos serviços sanitários locais. (acesse).

Uma cidade que chama atenção nessa tabela é Jundiaí, que passou da 50ª posição para a 1ª, entre 2003 e 2010. O diretor-presidente da Empresa DAE S.A, Wilson Roberto Engholm, explica que, na verdade, Jundiaí tem expandido os serviços desde 1980, quando o governo local com auxílio das indústrias, inicia obras de coleta e tratamento. Acontece que, em 2003, o município acabou sendo penalizado no levantamento por não ter enviado todos os dados solicitados pelo Ministério das Cidades. No ranking de 2004, por exemplo, com as informações devidamente encaminhadas, Jundiaí já se destacava na 4ª posição.

Mesmo assim não desistimos da entrevista após Engholm ter explicado o motivo do fantástico salto da 50ª para a 1ª posição no ranking do ITB. Afinal, por que não aproveitar para saber um pouco da gestão em saneamento de um município que atende hoje 100% dos seus 350 mil habitantes com água tratada e encanada, 98% com rede geral de esgoto, tratando 100% de todos os resíduos líquidos coletados na ETE (estação de tratamento de esgoto)? Para completar, Jundiaí transforma todo o lodo da ETE em 200 toneladas de fertilizantes/dia, encaminhados às culturas industriais de cana-de-açúcar e eucalipto da região.

Engholm conta que o início dos serviços de saneamento básico começou a partir da criação do DAE (então, Departamento de Água e Esgoto), há 109 anos. Logo nos primeiros anos de existência do DAE, o abastecimento de água e afastamento de esgoto, que eram feitos pela iniciativa privada por meio da Empresa Abastecimento de Água, Serviços de Esgoto e Iluminação Pública, passaram a ser responsabilidade do poder público municipal, que assim o mantém até hoje.

No mesmo ano de criação do DAE,  foi inaugurada uma nova estação de tratamento de água para abastecimento da população, onde antes era mantido o reservatório com água dos mananciais da Serra do Japi. A empresa, que também já foi autarquia, há 10 anos passou a ser empresa de economia mista, ganhando autonomia financeira e administrativa, da qual a Prefeitura de Jundiaí detém 99% do seu capital. No mesmo ano da criação da DAE, foi inaugurada uma nova estação de tratamento de água para abastecimento da população, onde antes era mantido o reservatório com água dos mananciais da Serra do Japi.

Em 1995 a prefeitura precisou recorrer à iniciativa privada para construir a primeira estação de tratamento de esgoto do país, entregue em 1997. “Na época, o acordo foi importante pelas dificuldades financeiras que o município enfrentava”, explica Engholm.

Antes de concluir a ETE foi preciso implantar a rede de coleta de esgoto em todas as regiões do município. O sistema recebeu ajuda financeira das indústrias locais. No mesmo ano da inauguração da ETE, o município concluiu a represa do rio Jundiaí-Mirim com capacidade de armazenar 5,5 bilhões de litros e cobrir períodos de estiagem da cidade até 2025.

Em 2010 foram concluídas as obras de duplicação da capacidade desse mesmo reservatório que passou a ter condições de armazenar 12,5 bilhões de litros. Com isso, Jundiaí garante o abastecimento da sua população para os próximos 50 anos. O empreendimento buscou recursos do PAC, na ordem de R$ 20 milhões.

Para expandir o serviço de coleta e tratamento de esgoto para os 2% da população que faltam ser atendidos pelo sistema de rede, estão sendo construídas duas pequenas ETEs na região rural de Jundiaí, onde o déficit ocorre.

“Diferente do restante do país, não existiu entre os prefeitos de Jundiaí a ideia de que obras de baixo da terra não rendem votos”, analisa o porta-voz da DAE.  Wilson Engholm diz que tem em sua mesa um Plano Diretor de Saneamento municipal, concluído ano passado, com projeções para as necessidades que Jundiaí terá nos próximos 50 anos.

Panorama nacional

Segundo levantamento realizado pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), a pedido do Instituto Trata Brasil (ITB), graças a investimentos no setor entre os anos de 2003 e 2008, contabilizados em R$ 10,4 bilhões no período, 15 milhões de pessoas passaram a ter acesso à rede de esgoto no país, e 5,4 milhões foram incluídos no sistema de água.

André Castro, presidente do ITB, estima que para alcançar a universalização desses serviços, até 2025, o país necessitará alocar R$ 15 bilhões/ano.  Desde 2007 o governo federal tem disponibilizado R$ 10 bilhões/ano no âmbito do PAC-Saneamento para obras no setor, ou R$ 40 bilhões para o período 2007-2010.

Dados da própria União revelam que, desse total alocado para obras em saneamento, foram aportados até o momento R$ 34 bilhões em projetos. Em contrapartida, dos 101 projetos contemplados pelo PAC Saneamento em municípios com mais de 200 mil habitantes, apenas 3 foram concluídos, apesar de todas as obras já terem sido iniciadas.

O andamento das obras do programa federal encontrou barreiras ao longo desses anos em função de quatro pontos, em particular:

– Projetos mal estruturados pelos municípios – a correção dos mesmos postergou o início de inúmeras obras;
– Irregularidades em relação às áreas dos empreendimentos – muitas vezes o titular do terreno não é identificado, impossibilitando o início das obras;
– Burocratização do sistema de repasse dos recursos do PAC ao empreendedor dos projetos;
– E déficit de engenheiros – responsáveis pela análise dos projetos para liberação de valores da Caixa Econômica Federal (CEF) – agente gestor dos recursos.

Todos esses gargalos foram aprofundados na matéria “PAC Saneamento: o que pode ameaçar as metas?” (acesse)

A diferença entre aporte de recursos e projetos concluídos mostra que a universalização dos serviços de saneamento no país não depende apenas do aumento de investimentos. A articulação entre União, Estados e Municípios, esteve entre os problemas do setor levantados durante encontro de coordenadores de campanha dos candidatos José Serra, Dilma Rousseff e Marina Silva, promovido pelo Instituto Trata Brasil, em São Paulo, na última segunda-feira (26). Nenhum dos representantes apresentou um programa concreto de governo para o setor, mas pontos em comum de gargalos foram identificados por todos:

– Aumento da participação da iniciativa privada, como colaboradora da expansão dos serviços;
– Desoneração tributária para melhorar as condições financeiras das Companhias de Saneamento Estaduais – das 27 empresas, apenas 7 (MG, SP, PR, RG, BA, GO, ES) têm condições de tomar empréstimos bancários – estuda-se a redução ou isenção do FIS/CONFINS para solucionar o déficit em conta das companhias;
– União, Estados e Municípios necessitam melhorar articulação;
– A gestão das autarquias responsáveis pelo saneamento no país deve melhorar, tendo em vista a dificuldade de muitas delas desenvolvem bons projetos na área;
– Conclusão do Plano Nacional de Saneamento – a formalização desse documento está prevista na Lei nº 11.445/2007, mas até hoje o Plano não foi apresentado à população.

Para Engholm, a União deu “o ponta-pé inicial” na expansão de saneamento no país quando o Ministério das Cidades passou a consolidar indicadores e rankings dos serviços municipais. Esses mecanismos foram necessários para que o país pudesse acompanhar as Metas do Milênio – acordo que 191 países membros das Nações Unidas realizaram para reduzir pela metade o déficit em setores diretamente ligados a qualidade de vida da população. Na visão de Engholm, a criação de organizações privadas de caráter não-governamental também está colaborando para criar “uma concorrência saudável entre os municípios”.

Redação

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