Pode o juiz falar?, por Conrado Hübner Mendes

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Jornal GGN – Conrado Hübner, doutor em direito e professor da USP, em sua coluna na Revista Época toca no ponto nevrálgico: a relação do Judiciário com os holofotes da mídia, e seus microfones. Magistrados externam opiniões sobre política, cozidas rapidamente para consumo externo. São opiniões que trazem o que não deveriam: pré-sentença, antecipando decisão final, demonstrando a inclinação do juiz. E esse feito se repete em todas as instâncias. E o colunista vai listando.
 
Mais do que criticar o dito é analisar o feito à luz das regras legais. Regras que estabelecem limites, mesmo que genéricos, aos senhores magistrados, que devem ‘ter decoro e discrição para preservar a confiabilidade e a independência judicial’. E o que fazem neste ruidoso atuar público? Os juízes invocam o direito à liberdade de expressão.

 
E finaliza: ‘A “liberdade de expressão do Estado” (e de seus agentes, como juízes, policiais ou promotores) não equivale à “liberdade de expressão contra o Estado”, atribuída a qualquer indivíduo. Por boas razões, a primeira carrega fardo mais pesado que a segunda. Se aceitamos a premissa, não basta ao juiz invocar sua liberdade de expressão quando se pronuncia em público’.
 
Leia a coluna a seguir.
 
da Época
 
 
por Conrado Hübner Mendes
 
Juízes representam uma instituição cuja autoridade depende de sua imagem de imparcialidade
 
O Judiciário brasileiro não é carente de juízes boquirrotos. Importa pouco se o veículo é o microfone de jornalista, a palestra para executivos ou a rede social. Magistrados das altas Cortes têm emitido comentários públicos sobre assuntos variados do país. Naturalizamos a opinião judicial instantânea: basta cozer por poucos minutos, e ela sai pronta para consumo externo. São opiniões pré-sentença, de bate-pronto, que fingem não antecipar a decisão final, mas revelam premissas e inclinações do juiz. Opiniões pré-sentença dispensam até mesmo a existência de um caso. O juiz opinioso não ouve argumentos ou contra-argumentos, não respeita o processo e seu tempo. Entrega-se à ansiedade do protagonismo, queima a largada e sai falando o que manda seu instinto, que pode ser de autoproteção ou de proteção de suas alianças de poder.
 
Há exemplos muito diversos por todas as instâncias. Para lembrar de alguns recentes, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, diante das gravações de Joesley Batista, afirmou que a “primeira providência que deveria ser tomada era prender eles” e sugeriu que “passassem do exílio nova-iorquino para o exílio da Papuda”; o ministro Gilmar Mendes, em prática serial de críticas à Operação Lava Jato, disse que “precisam de psiquiatras, não de corregedores”; o ministro Alexandre de Moraes não resistiu a comentar a recomendação do Comitê de Direitos Humanos da ONU sobre direitos eleitorais de Lula, reduziu o órgão a “subcomitê do comitê” e concluiu que “cada macaco no seu galho”.
 
Não é difícil intuir algo de errado nessas condutas, mas temos de investigar exatamente o quê. O caminho mais rápido é olhar para regras legais sobre comportamento judicial: a Constituição Federal (Art. 95, III), a Lei Orgânica da Magistratura (Art. 36, III), o Código de Ética da Magistratura ou o Provimento nº 71 do Conselho Nacional de Justiça. Essas regras estabelecem limites genéricos ao que o juiz pode dizer ou fazer: não podem desempenhar “atividade político-partidária”, antecipar julgamento sobre casos pendentes, nem criticar colegas de modo depreciativo. Devem também ter decoro e discrição para preservar a confiabilidade e a independência judicial. Em defesa de sua conduta pública ruidosa, por sua vez, juízes têm invocado o direito à liberdade de expressão.
 
Para entender o que está em jogo, há que fazer caminho mais longo e observar a filosofia por trás das regras. Uma forma de descrevê-la parte do conceito de estado de direito, o ambicioso projeto do “governo das leis, e não dos homens”.
 
Apesar da eloquência dessa máxima, que parece pedir juízes sobre-humanos, robôs desencarnados de sua subjetividade, ela quer dizer algo mais modesto: juízes representam uma instituição cuja autoridade depende de sua imagem de imparcialidade.
 
Ao escolherem a carreira, submetem-se a uma disciplina que não é só intelectual, mas também institucional; a uma ética que não é só a geral, aplicada a qualquer cidadão, mas a uma ética particular à função.
 
Quando o ministro Og Fernandes, do Superior Tribunal de Justiça, foi criticado por sua enquete no Twitter sobre a exótica figura da “intervenção militar constitucional”, respondeu que tem “liberdade de auscultar a sociedade”: “Posso assegurar a liberdade de expressão de mais de 200 milhões de brasileiros no meu exercício profissional, mas, paradoxalmente, não posso expressar a minha liberdade de querer entender o pensamento dos meus seguidores?”. O ministro Luiz Fux, ao sugerir “exílio na Papuda”, ressaltou fazê-lo “em meu nome pessoal”. Fernandes e Fux nos pedem que separemos suas opiniões como juiz de suas opiniões como cidadãos comuns. Essa separação, porém, é impraticável: um juiz não consegue se desvestir do papel de juiz quando vai ao espaço público. Sua fala vem com o carimbo da autoridade e à luz desse carimbo será interpretada.
 
A “liberdade de expressão do Estado” (e de seus agentes, como juízes, policiais ou promotores) não equivale à “liberdade de expressão contra o Estado”, atribuída a qualquer indivíduo. Por boas razões, a primeira carrega fardo mais pesado que a segunda. Se aceitamos a premissa, não basta ao juiz invocar sua liberdade de expressão quando se pronuncia em público.
 
Conrado Hübner Mendes* DOUTOR EM DIREITO E PROFESSOR DA USP
 

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

5 Comentários

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  1. É, infelizmente, o

    É, infelizmente, o “entendimento desses juízes”, (liberdade de expressão), não cabe para os funcionários da UFSC). Foram denunciados pelo mpf(arghhh).

  2. INVENTARIANDO OS FALASTRÕES

    Inventariando,  o que os excelsos gaiatos casuístas do STF já declararam sobre a questão, com  o Gilmar Mendes agora já “são” quatro votos a favor da liminar da ONU.

     

    ALEXANDRE DE MORAES:

    [video:https://youtu.be/4g-bvQnITQc%5D

     

    ROBERTO BARROSO:

    [video:https://youtu.be/eWc6pQfEgE%5D

     

    ROSA WEBER:

    [video:https://youtu.be/maFRcTqB3nM%5D

     

    GILMAR MENDES:

    [video:https://youtu.be/eLTJuz9S3q4%5D

  3. Francamente

    Sejamos francos, sem tergiversações. Assim como existem muitos padres pedófilos, devido à abstinência forçada somada ao fato de que a ocupação que exercem facilita a aproximação e a obtenção da confiança das crianças, o que, em parte, também acontece com alguns treinadores e professores de educação física, etc., não duvido que, se um dia alguma equipe séria de psicólogos estudar o perfil psicológico dos operadores do direito (juízes e promotores, notadamente), policiais e militares, encontrará em boa parte deles um alto índice de patologias relacionadas à perversão do sadismo. 

  4. Comentários

    O Doutor Professor Conrado disse, disse e não disse nada!!!

    Os Juizes podem ou não falar? Se sim ou não, porque? Simples assim… é só ser objetivo, o que normalmente doutores advogados não o são!!!

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