PODER: DEFESA EFICAZ OU DEPENDENCIA EFICAZ

Wikileaks expõe diplomacia dos EUA e chamusca Jobim

Novos documentos divulgados pelo site Wikileaks mostram críticas feitas pelo ex-embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Clifford Sobel, ao Plano Nacional de Defesa anunciado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em dezembro de 2008. Em telegrama enviado a Washington, Sobel critica a ênfase dada pelo governo brasileiro à “independência no controle de armamentos” e à busca de alianças e acordos militares com nações dispostas a transferir tecnologia. Em outro documento, embaixada dos EUA em Paris alerta para aproximação entre Brasil e França. Comentários do ministro da Defesa, Nelson Jobim, irritam diplomacia brasileira.

O site Wikileaks divulgou novos documentos nesta quarta-feira (1°), expondo críticas feitas pelo ex-embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Clifford Sobel, ao Plano Nacional de Defesa anunciado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em dezembro de 2008. Em telegrama enviado a Washington, em janeiro de 2009, Sobel critica a ênfase dada pelo governo brasileiro “à independência no controle de armamentos” e à busca de alianças e acordos militares com nações dispostas a transferir tecnologia. A correspondência manifesta desagrado com essas orientações da política de Defesa anunciada pelo presidente Lula. O ex-embaixador chega a atribuir tais problemas à “formação socialista” de Lula:

“A formação socialista do PT do presidente Lula é evidente nos esforços de engenharia social através de serviço militar obrigatório, em prejuízo de uma defesa mais eficaz.”

A defesa mais eficaz, no caso, é aquela que atenda aos interesses dos EUA, conforme manifesta explicitamente o diplomata ao falar sobre a necessidade de modernização das forças armadas brasileiras. Sobel chama o projeto de construção de um submarino nuclear de “elefante branco” e resume assim a vontade dos EUA para o Brasil:

“Uma força militar mais capaz e com maior empregabilidade pode apoiar os interesses dos EUA ao exportar estabilidade à América Latina e estar disponível para operações de manutenção de paz em outros lugares.”

O jornal “El País”, da Espanha, destacou outro documento publicado pelo WikiLeaks que reforça a preocupação dos EUA com os rumos da política externa brasileira. Segundo o El País, no final de 2009, a embaixada dos EUA em Paris “alertou” Washington para a frequência dos encontros entre os presidentes da França, Nicolas Sarkozy, e Lula, do Brasil (nove vezes em dois anos). O incremento das relações diplomáticas, políticas, econômicas e militares entre Brasil e França é motivo de “preocupação” para a diplomacia norte-americana. Essas preocupações são expostas em uma mensagem intitulada “França e Brasil: o começo de uma história de amor”.

França e Estados Unidos disputam, cabe lembrar, a venda de aviões caças ao Brasil. A tendência brasileira no momento aponta para o francês Rafale, em um negócio estimado em aproximadamente R$ 10 bilhões para a compra de 36 aviões. Uma das vantagens da proposta francesa, segundo a avaliação do governo brasileiro, é a possibilidade de transferência de tecnologia sem restrições, o que não ocorre no caso dos aviões dos EUA, os F/A 18 Super Nornet, fabricados pela Boeing.

Nelson Jobim, “um dos mais confiáveis líderes no Brasil”?
O ministro da Defesa, Nelson Jobim, saiu chamuscado com a revelação do Wikileaks sobre os comentários as informações que teria repassado ao governo norte-americano. Os comentários negativos a respeito do Itamaraty e do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães que, segundo Jobim, odiaria os EUA, foram contornados com declarações diplomáticas das partes envolvidas dizendo que não é bem assim, veja bem, etc… Mas a transmissão de informações sigilosas irritou a diplomacia brasileira, afirma matéria do jornal Valor Econômico nesta quarta-feira. Uma informação em especial: Jobim teria confirmado a Washington o diagnóstico de câncer no presidente da Bolívia, Evo Morales. O embaixador Clifford Sobel teria enviado um telegrama a Washington em 2009, repassando a informação que teria sido dada por Jobim, após um encontro entre Lula e Evo Morales, na Bolívia. “A transmissão, a outro governo, de um suposto segredo de Estado de um aliado do Brasil é uma falta grave”, disse um graduado diplomata brasileiro ao Valor.

O governo, oficialmente, pôs panos quentes no episódio dizendo que não vai abrir um conflito por conta de “telegramas de embaixador”. Mas os telegramas arranharam a imagem do ministro, ao mostrarem uma proximidade incomum com o embaixador dos EUA, considerando que ele é o ministro da Defesa do país que lidera um processo de integração em um continente historicamente subjugado aos interesses políticos e econômicos norte-americanos. Para o jornalista Leandro Fortes, “não por outra razão, Nelson Jobim é classificado pelo embaixador Clifford Sobel como talvez um dos mais confiáveis líderes no Brasil”. Não é difícil compreender tamanha admiração, ironiza. “Resta saber se, depois da divulgação desses telegramas, a presidente eleita Dilma Rousseff ainda terá argumentos para manter Jobim na pasta da Defesa, mesmo que por indicação de Lula”, escreve Leandro Fortes.

Celso Amorim e Lula minimizam valor dos documentos
O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, minimizou o valor das informações e dos documentos divulgados pelo WikiLeaks. “Devo dizer que não estou tão emocionado como a maioria de vocês” sobre os milhares de documentos diplomáticos dos EUA revelados pelo site, disse Amorim à Agência France Press durante um evento em Washington. “A maior parte do que li eu já conhecia ou é pouco relevante”, acrescentou Amorim, que foi reconhecido nesta quarta-feira pela revista Foreign Policy como um dos 100 “pensadores globais” de 2010.

Na avaliação do chanceler brasileiro, as percepções privadas de diplomatas não devem ser confundidas com posições de Estado: “Não vou discutir percepções de agentes diplomáticos americanos. Sinceramente, o tom que um agente diplomático americano utiliza para fazer suas avaliações é algo que não me interessa. Você acredita em tudo o que dizem nos telegramas”? – indagou.

O presidente Lula também considerou “insignificante” o conteúdo dos documentos. “De vez em quando aparecem essas coisas. Eu acho que as coisas que vi são tão insignificantes que não merecem ser levadas a sério”, disse Lula a jornalistas após visitar, terça-feira as obras de uma hidrelétrica no Maranhão. “Se fossem importantes (os documentos) não teriam sido vazados”, acrescentou.

Declarações diplomáticas a parte, o fato é que a ação do Wikileaks está incomodando muita gente, em especial o governo dos EUA, que teve expostas as entranhas de sua diplomacia. A Interpol emitiu, dia 30 de novembro, um mandado de busca para a prisão de Julian Assange, o jornalista australiano criador do site. O alerta vermelho publicado no site da agência internacional de polícia atende a um pedido da Justiça da Suécia, que processa Assange por “crimes sexuais”. O jornalista e cyberativista nega as acusações, diz que são uma tentativa de acabar com o seu trabalho e vem lutando para não ser preso. O cerco contra ele está apertando.

Redação

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