É preciso uma dose cavalar de “wishful thinking” para dizer que o papel da mídia na demissão do ministro foi de escassa importância. O noticiário destes últimos meses se esmerou em bombardear Lupi. Até aí, tudo bem, não fosse exatamente a relevância dada ao assunto. Como receptor atencioso das informações, gostaria que o espaço dedicado a elas fosse proporcional à sua importância.
Um breve retrospecto, com abuso do “modo ironia”. Tudo começou com denúncias de propinas pagas para restabelecer o fluxo de recursos a ONGs que sofreram bloqueio de verbas por não cumprimento de suas obrigações. O secretário supostamente envolvido foi afastado, mas isso não se mostrou suficiente. Surgiu, então, a história do jatinho, que inicialmente havia sido pago por um proprietário de ONG e, em seguida, passou a ser tido como providenciado pelo mesmo, e até agora ninguém sabe quem pagou. Naturalmente, o frete de um jatinho envolve cifras milionárias. A citação à bala (quanta arrogância do ministro) transformou-se em busca frenética pela bala de prata. Veio o acúmulo no exercício de cargos comissionados e o parecer da comissão de ética. Situação política insustentável, o ministro caiu. Foi uma queda necessária, espero que venha um bom substituto, quem sabe este substituto seja o excelente Brizola Neto. A praxe tem revelado auspiciosas trocas de ministros.
Voltando à questão da relevância, à questão central das proporções: se todos os R$ 230 mi em convênios do Ministério do Trabalho forem fraudes absolutas, eu disse todos, mesmo assim representariam apenas uma parcela de dois pequenos (pequenos pela relevância na mídia) escândalos recentes no governo de São Paulo.
Primeiro escândalo, a Justiça pediu o afastamento do presidente do Metrô de SP por indícios de fraudes em processo licitatório. Prejuízo ao cofres públicos: a bagatela de R$ 326 milhões. O homem foi mantido no cargo, o julgamento transcorre na Justiça, neste caso não existe julgamento político, tudo na mídia se passa como um fragmento de tapioca. Fragmento irrelevante, pois a roubalheira em SP é probleminha local, de escassa importância diante das cifras astronômicas desviadas no âmbito da União. Desculpem-me pelo exagero nas figuras de linguagem.
Segundo escândalo, o Ministério Público de SP pediu afastamento e bloqueio de bens do prefeito Kassab por irregularidades relacionadas à contratação de empresa para inspeção veicular. Forçou a barra em concorrências vencidas e nulas, perdoou a inabilitação técnica e financeira, acolheu tolerantemente alterações fajutas no controle acionário da hoje poderosa Controlar. Prejuízo aos cofres públicos: outra bagatela de R$ 1 bilhão. Um bilhãozinho, quase o preço de um jatinho. Irrelevante, a notícia frequenta as manchetes por um ou dois dias.
Está bem, são probleminhas locais, não dediquemos a eles a mesma publicidade que merece uma safadeza no ministério. Sobre o jatinho, dois meses repisando o escândalo são até pouco, é preciso fixar bem na memória de todos a existência de um problema tão grave. Enquanto a mídia repisa o jatinho-tapioca, o dinheiro público em cifras graúdas vai sendo desviado e quase não se percebe. Os paulistanos passeiam felizes a bordo de seus carrinhos. A poluição por monóxido foi banida da cidade graças ao nossos prestimosos governantes locais. O metrô, então, é uma maravilha, foi planejado em perfeita consonância com o crescimento de nossa cidadezinha. Probleminhas locais? Deixa pra lá.
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