REDE GTA 8ª ASSEMBLEIA GERAL CARTA DE SANTARÉM – 2012

REDE GTA

8ª ASSEMBLEIA GERAL

CARTA DE SANTARÉM – 2012

 

 

O Grupo de Trabalho Amazônico – Rede GTA, reunido em sua VIII Assembleia Geral, no dia 31 de março de 2012, com a participação de lideranças, representações de suas entidades filiadas e de todas as vinte (20) Coordenações Regionais da Amazônia Legal, vem através deste manifesto externar seu desagravo ao cenário negativo atualmente em execução na região, representado pelo retrocesso nas políticas públicas socioambientais, e que torna a cada dia mais difícil a construção de um modelo de desenvolvimento realmente sustentável, que atenda de fato aos anseios e necessidades dos povos e comunidades tradicionais da floresta.

 

Nos seus 20 anos de jornada, a Rede GTA tem constantemente alertado o governo brasileiro, a sociedade nacional e internacional que o desenvolvimento almejado pelos povos da floresta, baseado no profundo conhecimento tradicional e experiências de vida adquiridas por gerações, aliados ao conhecimento técnico-científico dos espaços amazônicos, sua biodiversidade e seus incontáveis potenciais de utilização, é o único caminho para de fato garantirmos a continuidade da existência da Amazônia, como um local onde os recursos naturais e o seu povo possam ser respeitados e terem assegurados os meios de vida em sua plenitude.

 

Com muito pesar, e a custa de muitos sacrifícios, inclusive de vidas humanas de companheiros/as que tombaram buscando levar este alerta adiante, constatamos que a cada ano nos distanciamos da Amazônia que queremos e testemunhamos a perda irreversível de parte de nossas florestas e rios e consequentemente nossas formas de viver, resultado da ganância e irresponsabilidade de representações de um sistema político e econômico, cujo único fim é o enriquecimento de poucos.

 

Continuamos a assistir a centralização do poder em torno do desenvolvimento de uma política econômica nacional que direciona as ações na Amazônia para o fortalecimento de cadeias produtivas insustentáveis, voltadas à produção agropecuária e exploração madeireira ilegal que promove o desmatamento de extensas áreas de floresta, além da mineração, incluindo-se aí a exploração de gás e petróleo sem respeitar as salvaguardas socioambientais da legislação vigente. Ao mesmo tempo, novas frentes de degradação socioambiental são abertas por obras de abertura e asfaltamento de grandes eixos rodoviários sem a observância de medidas mitigadoras e compensatórias proporcionais aos impactos negativos causados e, por fim, a construção de hidroelétricas, além do crescimento desordenado das cidades amazônicas, consequência da falta de priorização do planejamento dos espaços urbanos para torná-los mais viáveis. Se existisse uma política que preservasse a harmonia entre o homem e a natureza, criando as condições adequadas para a sua convivência haveria a redução da pressão urbana. Não existem ações governamentais que permitam a permanência das populações nas florestas e no campo em suas terras, com dignidade e a possibilidade de acesso a um desenvolvimento sustentável, o que provoca o caos que se vive nas grandes cidades.

 

Esse modelo de desenvolvimento predatório reproduz os equívocos do passado e mantém a Amazônia e seus povos reféns de um sistema econômico baseado na rapina das riquezas e exploração da população da região. Temos então cidades cada vez mais inchadas e violentas, carência de serviços básicos e a ausência de direitos para a maioria das populações. Um grande número de famílias vive abaixo da linha da pobreza e sofre as consequências da degradação ambiental sobre outras regiões do país e do planeta.

 

Entendemos que avanços aconteceram, principalmente na última década, quando experimentamos alguns sucessos em políticas voltadas à conservação da biodiversidade e ao fortalecimento de iniciativas positivas locais voltadas ao uso sustentável dos recursos naturais, assim como o fortalecimento dos movimentos sociais ocorridos na Amazônia. A diminuição das taxas de desmatamento experimentada nos últimos anos e a constituição de bases legais e normativas são exemplos de que há avanços que precisamos potencializar e entendermos que estas conquistas só se viabilizaram graças à influência e mobilização dos movimentos sociais amazônicos.

 

Denunciamos a utilização das concessões públicas dos veículos de comunicação, especialmente das rádios comunitárias, por políticos que manipulam a história, a informação e prejudicam a efetiva construção da cidadania. Em uma região com área tão extensa somente a comunicação via rádios possibilitará a troca de experiências, o repasse de informações e a mobilização da sociedade.

 

Por outro lado, nos preocupam as ameaças crescentes aos avanços conquistados, advindas de setores oligárquicos e retrógrados da sociedade que insistem em impor à Amazônia e seus povos um modelo de desenvolvimento excludente e que promove a degradação socioambiental. O debate em torno do Código Florestal Brasileiro e a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215/2000 são exemplos disto e ameaçam desconstruir os pequenos avanços conquistados na luta contra o desmatamento das florestas na Amazônia.

 

A Rede GTA ainda acredita numa mudança deste cenário e vem propondo às esferas da gestão pública a abertura de diálogos para que as pequenas conquistas possam impulsionar a construção de um cenário mais positivo para a Amazônia.

 

Com essas premissas e baseados nestes 20 anos de lutas em prol da Amazônia e seus povos, entendemos que:

– Precisamos consolidar as Cadeias Produtivas Sustentáveis baseadas no manejo florestal de uso múltiplo, certificados pelo FSC e a comercialização dos produtos da sociobiodiversidade. Maior atenção dos governos ao fortalecimento das experiências locais voltadas ao uso múltiplo e sustentável da natureza e seus recursos, como a consolidação de uma ATER Agroextrativista e desenvolvimento de mercado baseado nos conceitos da Economia Solidária e Comércio Justo e etnodesenvolvimento.

 

– A falta de seriedade na aplicação da política de apoio aos pescadores tem sido um grande problema para o desenvolvimento do setor, o sistema de cadastro em vigência não é respeitado, assim como há uso político partidário deste instrumento, o que deve ser banido, assegurando o fortalecimento das lideranças políticas da categoria, com as representações legítimas dos/as pescadores/as. É necessária a regularização urgente de territórios de pesca e ordenamento da atividade.

 

– Precisamos fortalecer o Sistema de Áreas Protegidas da Amazônia através da implementação participativa dos instrumentos de gestão das Unidades de Conservação e apoio às comunidades tradicionais envolvidas na gestão destes espaços protegidos, considerando a aplicação das diretrizes constantes na Política Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais.

 

– Apoiamos os movimentos indígenas e quilombolas na luta pelo reconhecimento de seus territórios e reivindicamos que os processos atuais voltados ao reconhecimento de novas Terras Indígenas e Territórios Quilombolas sejam concluídos.

 

– Somos contrários às crescentes ameaças promovidas aos territórios protegidos por uma agenda voltada aos grandes projetos de infraestrutura e interesses econômicos. Desta forma requeremos veementemente que os processos de redelimitação e recategorização de UCs sejam discutidos e consensuados com as representações da sociedade civil e comunidades locais, assim como pelos seus conselhos gestores.

 

– Somos contrários às mudanças requeridas à legislação, como vem acontecendo em relação ao Código Florestal e aos processos de criação de unidades de conservação e reconhecimento de terras indígenas e quilombolas propostos pela atual PEC 215/2000, em tramitação no Congresso Nacional. Pedimos ao Congresso Nacional, assim como ao Governo Federal, que atendam aos inúmeros alertas dos movimentos sociais e da comunidade científica em torno das consequências negativas que mudanças propostas à legislação deverão gerar, e que seja aberto um diálogo com representações da sociedade civil organizada em torno da construção de bases legais voltadas a um desenvolvimento realmente sustentável.

 

– Compartilhamos da necessidade de modernização de instrumentos legais, como é o caso do Código Florestal. No entanto, esta modernização tem que priorizar a defesa de nossos bens naturais, como nossas florestas e rios, não provocar retrocessos como está ocorrendo. Desta forma propomos que a ideia em torno da construção de um Código da Natureza seja priorizada.

 

– Temos contribuído nos últimos anos nas intensas discussões em torno da viabilização de projetos que apóiem e fortaleçam iniciativas locais de conservação e uso sustentável dos recursos naturais da Amazônia e fomos co-partícipes da criação de inúmeros programas de apoio e fomento. No entanto, não vemos esforços acontecerem no sentido de melhorar a acessibilidade aos recursos financeiros disponibilizados para grupos sociais locais na Amazônia, como tem acontecido mais recentemente na implementação do Fundo Amazônia.

 

Desta forma e mais uma vez reivindicamos: a) que sejam redobrados os esforços no sentido de melhorar as vias de acesso aos recursos disponibilizados, como no caso do Fundo Amazônia; b) uma maior atenção à Educação voltada à melhorias necessárias na qualidade do ensino e de infraestrutura das escolas rurais e comunitárias, buscando fomentar e replicar iniciativas de metodologias que incluam temas regionais nas grades curriculares, e o fortalecimento da pedagogia da alternância; c) projetos realmente eficazes na construção de melhorias de infraestrutura em comunidades, envolvendo o atendimento e melhor acesso a fontes de energia, comunicação, transporte e a garantia da oferta dos serviços básicos de saúde.

 

– Com a criação dos princípios e critérios socioambientais de REDD, a Rede GTA promoveu uma série de iniciativas que culminaram na abertura de diversas frentes de diálogo, assim como instituiu o Observatório do REDD, a fim de monitorar a aplicação das salvaguardas nas iniciativas atualmente em curso. Reiteramos nossa preocupação com a real repartição de benefícios e que o pagamento por serviços ambientais sejam de fato aos povos e comunidades tradicionais.

 

– Preocupa-nos a forte agenda promovida pelos governos estaduais dos estados amazônicos com suporte do governo federal em torno do estabelecimento de políticas de desenvolvimento econômico regional e na exploração mineral. Diversos projetos de exploração em fase de implementação não têm sido discutidos de forma transparente com o movimento socioambiental e comunidades amazônicas e têm gerado fortes impactos que promovem a degradação ambiental e social. Propomos um maior controle social sobre a instalação de projetos desta natureza na Amazônia através da constituição de conselhos de acompanhamento e monitoramento das atividades minerarias. Além disso, que os processos envolvendo compensações ambientais de empreendimentos na Amazônia possam ser amplamente discutidos com as representações da sociedade civil nos estados.

 

– Somos contrários aos processos de instalação de grandes empreendimentos voltados à geração de energia nos moldes como vem sendo efetuados. Citamos principalmente os casos das Usinas Hidroelétricas de Belo Monte, no rio Xingu, Santo Antonio e Jirau, no Rio Madeira, além das UHEs projetadas para os Rios Tapajós e Branco. O atual estado em que se encontram a implementação destes projetos têm demonstrado a incapacidade das operadoras, assim como do próprio governo federal em atender as exigências legais na mitigação dos impactos gerados por estes empreendimentos. Propomos que o Governo Federal reavalie estes projetos e seja firme no sentido de buscar formas menos impactantes de geração de energia.

 

– O modelo de ocupação do espaço baseado na abertura de grandes frentes de expansão que promovem o desmatamento em larga escala, consequência da falta de um planejamento adequado do uso do solo e demora na construção do Zoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia, tem sido nas últimas décadas um dos principais vetores do desmatamento e de ocupações irregulares de terras na região. O Projeto BR – 163 promoveu um amplo debate em torno da busca de soluções para parte dos problemas existentes em torno dos grandes eixos rodoviários planejados para a região. Reiteramos nosso apoio à continuidade das ações previstas neste Projeto e propomos a replicação desta iniciativa nos demais eixos rodoviários consolidados ou projetados para a Amazônia. Além disso, exigimos que o Governo Federal promova a discussão com a sociedade sobre a melhoria de acessibilidade na Amazônia, por meio do desenvolvimento do atual sistema de transporte, atualmente sucateado. Ressaltamos que somente com a democratização do sistema de comunicação, com a implantação massiva de rádios comunitárias em toda a Amazônia, será possível a integração e efetivação dos legítimos direitos dos povos amazônidas.

 

Esperamos por fim que a sociedade nacional, assim como nossos governantes, se sensibilizem frente aos nossos alertas. Não podemos mais assistir a continuidade da destruição da Amazônia, suas culturas e sua biodiversidade e insistimos que se faz necessária uma mudança profunda nos paradigmas que direcionam o atual sistema voltado ao desenvolvimento em bases insustentáveis e promovem a desigualdade e o sofrimento dos povos amazônicos. Diante do exposto, reafirmamos que a Rede GTA continuará desenvolvendo atividades nos seguintes eixos temáticos: Produção Familiar Sustentável; Monitoramento de Conflitos Socioambientais; Sociobiodiversidade; Equidade de Gênero e Juventude; Cooperação Panamazônica; Comunicação Comunitária; Educação para a Sustentabilidade e Mudanças Climáticas.

 

 

Maíra G. Heinen

Assessora de Comunicação

Grupo de Trabalho Amazônico – GTA

SCLN 113 Bloco B Sala 101 Brasília/DF

+55 61-32024452 / +55 61-92239883

Site: www.gta.org.br

 

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