Reeleição: Relembrando A Farra Da Compra De Votos

 

 

A Verdade dos Falastrões.

A reeleição e o balcão onde se troca poucos votos por milhares de reais.

Revista Veja de 21/05/1997 pg. 24

 

 

…O problema de Sergio Motta é a saúde política. Entre um exame e outro, o Ministro atravessou na semana passada a sua pior jornada desde a posse do Presidente e amigo Fernando Henrique Cardoso no planalto. Em reportagens de Fernando Rodrigues da Folha de São Paulo, apareceram fitas gravadas em que dois deputados do Acre diziam que a votação da reeleição na Câmara, em Janeiro passado, havia se transformado num balcão de negócios – e aí surgiu o nome de Sergio Motta. Falando na primeira pessoa, os dois parlamentares contaram que negociaram por R$ 200.000,00 seu voto a favor da emenda da reeleição. Na terceira pessoa, disseram que mais quatro colegas participaram do mesmo esquema. Um dos deputados gravados usa o codinome eleitoral de Ronivon Santiago, porque na juventude tinha o cabelo meio loiro e um pouco comprido, lembrando — pelo menos no Acre — o cantor da jovem guarda Ronnie Von. O outro, um certo João Maia, é um político que já militou em nove partidos diferentes e, na fita, chega a reclamar do balcão de negócios da reeleição porque só recebeu a metade do combinado. Pelo acordo inicial, contou, deveria ter recebido 400 000 reais, mas levou 200 000. “Nessa brincadeira, a gente dançou com a metade”, diz Maia, indignado. 


A fita dos deputados seria um episódio de meia dúzia de nadas do mundo político, de parlamentares com nomes esdrúxulos, se, em determinado momento, eles não tivessem falado de nomes mais graúdos. Ambos disseram que negociaram a
“brincadeira” com um governador de Estado, Amazonino Mendes, do Amazonas. Já é estranho a bancada do Acre sair pelos gabinetes de Brasília para acertar o voto na reeleição com o governador do Amazonas, mas pode-se atribuir isso, talvez, a uma das muitas peculiaridades de uma região do Brasil, o Norte, onde a política obedece a regras e costumes, por assim dizer, especiais. Mas eles falaram também em Sergio Motta. E aí o caso muda de figura, pois Serjão, além de ministro das Comunicações, é amigo do presidente, seu sócio numa fazenda no interior de Minas Gerais, organizador da campanha presidencial de 1994, comandará, com a privatização das empresas estatais de telecomunicações, o maior negócio do governo na história da República. Sergio Motta é também o ministro mais ativo, mais influente e mais inquieto da Esplanada. Costuma entrar como um trator em toda disputa do governo — e exibiu a mesma postura na batalha da reeleição, na qual tomou a frente, recebendo dúzias de parlamentares, ouvindo e encaminhando seus pleitos. Foi ele quem avisou que o plano dos tucanos não era ficar no Planalto por um mandato ou dois, mas por trinta anos. 

Nenhum dos deputados gravados lhe fez uma acusação direta. Tampouco relatou circunstâncias precisas ou apresentou um fiapo de indício para sustentar o que se disse. Ronivon falou assim: “Quem deu o dinheiro foi o Sergio Motta ao Amazonino, parece”. João Maia não foi nem um pouco mais preciso. “Pelo que eu sei bem é o seguinte: eram os 200 do Serjão, via Amazonino, que era a cota federal aí do acordo”, disse. Ronivon e Maia descrevem um triângulo monetário: o ministro deu o dinheiro ao governador Amazonino, e este repassou a verba aos deputados. Mas é uma conversa entre o “parece” e o “pelo que sei”. Mas por que se acredita nisso? Por que não duvidar, não imaginar, por exemplo, que os dois deputados estejam mentindo e usando a fita para chantagear, para barganhar outros favores no submundo de Brasília? Por uma razão muito simples: a reeleição. Quando o presidente Fernando Henrique resolveu transformar a reeleição na prioridade número 1, colocou seu governo no mesmo mundo de sombras onde um antecessor, José Sarney, foi lutar pelo mandato de cinco anos, e outro, Fernando Collor, tentou barrar o impeachment. Sarney usou concessões de rádio e TV para vencer. Collor utilizou dinheiro e empréstimos do Banco do Brasil e perdeu. Fernando Henrique colocou Serjão na vanguarda da batalha pela reeleição, e o governo entrou numa nova fase, bem menos luminosa.
 
Antropologia política
 Os deputados Ronivon e João Maia citam as mesmas cifras para comentar que venderam o voto e falam dos mesmos envolvidos. As conversas, gravadas por um político do Acre que Ronivon identificou, também descrevem a mecânica dos negócios. É João Maia quem conta que, para viabilizar o dinheiro no bolso, o parlamentar devia conversar com o deputado Pauderney Avelino, que na época era filiado ao PPB do ex-prefeito Paulo Maluf mas hoje está de malas prontas para entrar no PFL do Amazonas. Avelino levava os pedintes ao deputado Luiz Eduardo Magalhães, então presidente da Câmara, que, segundo ele, se encarregava de marcar uma audiência com o ministro Sergio Motta. O ministro, por sua vez, faria contato com o governador Amazonino Mendes. No essencial, o balcão de trocas se resumia a esse esquema. Descendo aos detalhes, constata-se o interesse da bancada em obter verbas para as rodovias federais no Acre, a 364 e a 317. Santiago fala que obteve com o ministro Sergio Motta uma permissão para instalar uma repetidora de televisão no Acre. “Tu tá sabendo que eu tô levando uma televisão, o canal 40, né?”, diz o deputado na conversa. 

Pelo clima de descontração em que as fitas foram gravadas, já que os deputados ignoravam que o interlocutor escondia um gravador no bolso, as conversas resultam num riquíssimo manual de antropologia política. Ronivon Santiago fala dos 200.000 reais e da repetidora de televisão como provas de sua competência parlamentar. Diverte-se com sua esperteza de só ter saldado suas dívidas bancárias, de 196.000 reais, tempos depois de embolsar o dinheiro. “Sou leso? Não, isso foi tudo na semana passada”, diz. Ri ao comentar que, na hora em que o cheque foi trocado por dinheiro, encontrou um colega, Osmir Lima, também da bancada dos convertidos à reeleição, com a “sacola assim” de dinheiro. Na semana passada, Ronivon continuava a se divertir com o caso. Enquanto João Maia mandou dizer aos jornalistas que só prestaria esclarecimentos à Justiça, Ronivon parecia deliciado. Posou para fotos até mesmo de calção de banho e sem sapatos. Recebeu VEJA para uma conversa demorada e deixou aberta a porta do apartamento funcional. “Se aparecerem outros repórteres, eles podem ir entrando, sem tocar a campainha.” A quem perguntasse o motivo de tanta descontração, Ronivon dizia que iria beneficiar-se eleitoralmente saindo na imprensa  e na televisão. 

Ronivon tem fama de falastrão no Congresso, e o caso da televisão que diz ter recebido parece jactância de um estúpido, pois um exame das datas e procedimentos mostra que não pode ter relação com a votação da emenda da reeleição. A repetidora, que entrou em operação há pouco mais de um mês em Senador Guiomard, perto de Rio Branco, foi autorizada em maio do ano passado, no bolo de outras 2.000 permissões feitas pelo ministério até agora. Para conseguir uma repetidora, o critério básico é que se tenha um contrato com uma rede de televisão. O dono da TV em Senador Guiomard é um ex-taxista, Valcyu de Souza Campos, que vive da renda da mulher, uma manicure, de 160 reais. Tem uma vida modestíssima, mas tinha o fundamental: o contrato com uma rede de TV, no caso, a CNT.

“Ele esteve comigo em 1993, aqui no Paraná, querendo abrir no Acre uma repetidora da CNT”, confirma o dono da rede, José Carlos Martinez. Martinez, o mesmo que se envolveu até o pescoço com o PRN e sua turma collorida, diz que Campos apresentou o pedido em 1993, o estudo de viabilidade foi concluído no ano seguinte e o contrato assinado em 31 de julho de 1995, um ano e meio antes da votação da emenda da reeleição. Além disso, uma repetidora, que não gera programação própria, é um negócio barato. Campos vendeu carro e telefone e fez um empréstimo de 8.000 reais. Tem uma peça de 6 metros quadrados, com uma antena de recepção e transmissão, três aparelhos de TV e um videocassete. Retransmite a CNT numa cidade de 10.000 habitantes e conseguiu fechar recentemente o seu melhor negócio publicitário: 1.500 reais por mês da Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo.
 
Ar gravíssimo
 Ronivon confirma o tom geral das conversas gravadas. Só não confirma o ponto central: a compra de voto. “Claro que isso não houve, aqui se faz política”, diz, com ar gravíssimo de novela mexicana, cenho franzido em ponto máximo. Os outros deputados também negam. “Não recebi nenhum dinheiro, estou até endividado”, afirma Chicão Brígido. “Eu não tenho nada com isso, votei a favor da reeleição depois de falar com o presidente, que me prometeu criar uma área de livre comércio no Acre”, declara a neoliberal Zila Bezerra. Pauderney Avelino, apontado como o primeiro degrau para vender o voto, teve uma participação especial na batalha pela reeleição. Quase todos os dias recebia deputados indecisos e oferecia encontros com o ministro Sergio Motta e o presidente Fernando Henrique. Diz, também, que intermediou o encontro da bancada do Acre com o ministro. Só não confirma a existência de um mercado de votos. “Cumpri com minha obrigação como vice-líder do governo. Botei mesmo a faca no peito de quem estava indeciso”, salienta Pauderney. 

O deputado Luiz Eduardo Magalhães fez de seu gabinete uma trincheira na luta pela reeleição, mas faz a ressalva de que não marcou audiência para os deputados do Acre com o ministro Sergio Motta. “Nas conversas comigo, não se falou em dinheiro”, diz. Amazonino Mendes foi outro que suou a camisa reeleicionista. Garantiu os votos de seus deputados e do Acre. Às vésperas da votação, o governador chegou a ligar para o presidente Fernando Henrique e informou: “Eu ia dar dezesseis votos para a reeleição, mas vou dar dezenove”, disse, prestativo. “Ele fazia isso para se credenciar para pedir coisas”, dispara um ministro. 
 
“Atuação forte” — Ouvidos por VEJA, dois tucanos de alta plumagem afirmam estar convencidos de que o governador Amazonino, de fato, desembarcou em Brasília disposto a pagar por voto. “Ele entrou na reeleição com malas de dinheiro”, dizia um deles, uma semana antes de surgirem as fitas. Se isso é mesmo verdade, resta perguntar por que o governo não se interessou em investigar a situação, chamar Amazonino às falas. A resposta é que a reeleição falou mais alto. Tão alto que, na semana passada, Amazonino estava pronto para receber o troféu por sua ajuda, escalando um protegido para ocupar a Superintendência da Zona Franca de Manaus, órgão que movimenta bilhões de dólares por ano em licenças de importação. 

Sergio Motta recebeu João Maia no gabinete cinco dias antes da reeleição, para tratar de verbas para a Rodovia 364, no Acre. Maia foi encaminhado ao Ministério dos Transportes. No dia 20 de fevereiro, Motta recebeu o deputado Osmir Lima, que tratou do mesmo assunto. “Já pedi uma concessão de FM para um amigo, no ano passado, mas até hoje não tive resposta”, afirma Lima. Seis dias depois, Motta recebeu o governador Orleir Cameli, com um pedaço da bancada do Acre. Depois, abriu seu gabinete para o deputado Ronivon Santiago, que falou de estradas e aproveitou a chance para perguntar sobre os procedimentos para obter uma repetidora de televisão.

Sergio Motta sempre teve como tarefa receber deputados, senadores e governadores, aos quais não costuma perguntar, previamente, de que assunto pretendem tratar. Até hoje, já recebeu mais de 2 500 pessoas no ministério. Na quinta-feira passada, um dia comum, o ministro concedeu sete audiências para políticos. Para quem estranha que receba deputados do Acre interessados em verba para estrada, um tema que nem de longe se relaciona à sua Pasta, o ministro tem dado uma explicação política — que, aliás, faz todo o sentido. Diz que exerce um papel político no governo, onde tem peso e influência. Daí por que um parlamentar se interessa em, pelo menos, informá-lo de um pleito, mesmo que não tenha ligação com as telecomunicações. Nesses casos, o ministro tem dito que, no máximo, liga para o ministro da área pedindo que receba bem o parlamentar.
 
“Mais cara” — “Como ele tem uma atuação forte e foi, junto com Luiz Eduardo, o articulador da reeleição, é previsível que seja alvo de críticas e reparos, mas Sergio Motta não fez nada de moralmente errado nem atuou por própria conta”, lembra o senador paulista José Serra. “Tudo o que ele tem feito no governo, ou em nome do governo, tem como propósito colaborar com o presidente, nunca em benefício próprio. Ele não faz isso por ser intrometido, mas porque acaba sendo necessário.” Serra observa, ainda, um aspecto especial na atuação de Sergio Motta. “Se essa necessidade reflete distorções na estruturação do governo, é outra história.” Esse é o problema, na realidade. O Planalto tem um porta-voz oficial, o embaixador Sergio Amaral, mas quem fala em nome do presidente, nas horas que importam, é o outro Sergio, o Motta. Ele já foi até desmentido pelo presidente, mas nada que ferisse sua autoridade — sempre foi como a bronca de um professor para um aluno que estuda demais e não sabe brincar com os colegas no recreio. 

Fernando Henrique fez de Sergio Motta um primeiro-ministro de fato. Ele trata da articulação política, da delicadíssima área das comunicações e até da administração federal. Ultimamente, ele estava até cuidando do Fundo de Estabilização Fiscal, FEF, no Congresso. São setores que andam bem quando estão separados, como a Igreja e o Estado nas democracias modernas. Quando se misturam, é confusão na certa. Apesar do seu estilo agressivo, dos ataques a adversários que roçam o insulto, Sergio Motta é secundário nessa equação desastrada. O artífice do tumulto é o presidente Fernando Henrique Cardoso, que usou Sergio Motta tanto para tentar atemorizar adversários como para conseguir votos no Congresso — além de conceder concessões de rádio e TV.

Na semana passada, o governo dava sinais de que ficou exausto de sua batalha permanente pela conquista de três quintos dos votos no Congresso para aprovar as reformas — onde Sergio Motta sempre acaba numa posição de destaque. “O presidente está angustiado com isso, ninguém agüenta mais”, diz um auxiliar de Fernando Henrique. O problema em que o Planalto se meteu, no entanto, não está ligado apenas aos três quintos. O governo teve de negociar quando quebrou o monopólio da Petrobrás, e segue tendo de fazê-lo para mudar a Previdência, por exemplo. Ocorre que, quando colocou a reeleição na mesa, o governo sabia que estava acenando com um banquete de outra natureza — pois era uma iguaria que lhe interessava muito de perto. O próprio ministro Paulo Renato Souza, da Educação, avisou: “A reeleição não vai deixar de ser aprovada. Ela apenas vai ficar mais cara”.

Mal recuperados da ressaca da privatização da Vale do Rio Doce, já no domingo Fernando Henrique e Sergio Motta souberam que uma denúncia viria a público, mas preferiram esperar para ver o que era. Na terça-feira, acharam que a questão estava bem encaminhada pela Câmara dos Deputados, que montou uma comissão de sindicância e deu prazo de sete dias para cassar os deputados gravados. Ficaram mais felizes, ainda, quando a mobilização do Planalto conseguiu impedir, pelo menos até sexta-feira, que a oposição reunisse as assinaturas necessárias para formar uma CPI. Aconselhado por Fernando Henrique, Sergio Motta redigiu uma nota dando ênfase numa interpelação judicial contra os deputados. No dia seguinte, o ministro redigiu outra nota, dessa vez para explicar como funcionam permissões para repetidoras de televisão. Sergio Motta estava tranqüilo, na sexta-feira passada, mas nem por isso sua saúde política ficou 100%. Por sorte, em breve o ministro passará alguns dias longe de Brasília. Nesta quinta-feira, ele embarca para Lisboa. Fará palestras sobre telecomunicações e aproveitará para levar sua mãe, de 82 anos, para visitar o santuário de Fátima. Com FHC dando por encerrado o capítulo das reformas no Congresso, Serjão terá menos que fazer na frente política.

 

Um Tipo Que Joga Pesado.

O homem que, segundo o ínclito deputado Ronivon, gravou fitas revelando a compra de votos pela reeleição é moreno, alto, magro, usa bigode e tem a face marcada por espinhas. Amigo do ex-prefeito Paulo Maluf e inimigo do governador Orleir Cameli, Narciso Mendes, de 50 anos, é a eminência parda da política acreana. Defensor da pena de morte, o ex deputado da constituinte joga pesado. Há cinco anos, deu entrevista dizendo que só é possível fazer política sendo “corrupto ou corruptor”. Confessou ser as duas coisas. Em 1998, votou pelo mandato de cinco anos para Sarney e ganhou uma emissora de televisão, que retransmite o SBT no Acre. Tem o mais tradicional jornal do Estado, o Rio Branco.É dono de duas empreiteiras mas não possui um único trator.

“Ele ganha contratos e depois pega máquinas alugadas”, diz Orleir Cameli, que lhe deu contratos – a construção de um hospital e de uma estrada. Em 1994, candidato a Senador na chapa de Cameli colocou seus veículos de comunicação a favor do atual governador. Perdeu  eleição para o Senado mas no primeiro ano do governo do Acre fez de desfez. Brigou com Cameli porque, segundo o governador, “ele é guloso demais”. Nascido no Rio Grande do Norte, é casado com uma bela paraense, a deputada Célia Mendes do PFL-AC, cujos votos controla no cabresto. Narciso sofreu uma devassa da Receita Federal, e deve hoje a incrível soma de 25 milhões de reais em impostos atrasados e multas. O ex  deputado passou a semana desaparecido.

 

O político dos nove partidos.

 

O deputado João Maia, de 55, anos é um reputado oportunista. Com currículo escolar de fazer inveja a dez entre dez parlamentares – estudou Filosofia na Universidade de Montreal. Teologia na Universidade Católica de Washington, fez pós-graduação de Ciências Rurais na USP e Estudos Sociais na Universidade Sussex, na Inglaterra -, ele já mudou de partido nove vezes desde sua estréia na política, em 1980. Naquela época,Maia era tido como um delegado progressista do INCRA, identificado com a esquerda rural. Como Lula tinha sido enquadrado na Lei de Segurança Nacional. A partir de 1975, organizou sindicatos rurais, inclusive o de Xapurí, terra do líder seringueiro Chico Mendes, de quem foi bom amigo. Destacou-se tanto que foi convidado por Lula para fundar o PT no Acre, em 1980. Maia chegou a ser o mandachuva do partido em Rio Branco e disputou uma vaga na Câmara dos Deputados, Perdeu. Na eleição seguinte outra derrota.

Como não conseguisse se eleger pelo PT, Maia buscou a proximidade de gente mais graúda, os senadores Nabor Júnior e Flaviano Melo, ambos do PMDB. Valeu. Em 1990, já no PMDB, concorreu pela terceira eleição, ganhou. Em 1991, trocou de partido duas vezes – esteve no PNN e depois no PSC de Geraldo Bulhões, ex-governador de Alagoas que ficou conhecido por levar toalhadas da mulher. Nessa altura já era um sólido aliado de Fernando Collor de Melo, mesmo assim votou a favor do impeachment, em 1993 esteve em mais três partidos, o PP de Joaquim Roriz, o PTR e o PDC de Amazonino. Em 1995, passou pelo PSDB e em 1996, assinou a ficha do PFL.

 

Embaixatriz do baixo clero.

 

A deputada Zila Bezerra, 52 anos, movimenta-se tão a vontade entre o baixo clero parlamentar que nem parece estar apenas no seu segundo mandato. Nascida no Rio de Janeiro, professora e oficial de chancelaria do Itamaraty de Brasília. Zilá não é uma mulher com hábitos de fronteira. O sorriso é contido. Os gestos estudados. Sua cultura elástica. Fala fluentemente francês e inglês. Estudou Letras na Sorbonne e na Universidade de Brasília.

Zilá entrou na política pela mão do marido, o ex-senador Aluísio Bezerra de Oliveira, atual prefeito de Cruzeiro do Sul. Depois de participar das campanhas de Oliveira encantou-se. Em 1994, o maridão candidatou-se a senador e perdeu. Zilá reelegeu-se a deputada e passou a defender a criação de zonas especiais de exportação. Em 1995, aprovou uma lei criando áreas de livre comércio nas proximidades da fronteira.

Tudo indicava que a embaixatriz do baixo clero tinha pavimentado o caminho para uma reeleição tranqüila. Do PMDB ela ensaiava aderir ao PFL. Imaginava que assim estaria mais próxima do Planalto e do Governador Orleir Cameli. Estava tudo certo. Ela já tinha apoiado no passado o governo de Fernando Collor de Melo, nomeando apadrinhados do Acre para os cargos regionais do INCRA, IBAMA e Fundação Nacional da Saúde. Depois votou a favor do impeachment e dizia com orgulho aos colegas acreanos que Lafayete Coutinho, então presidente do Banco do Brasil, lhe tinha feito propostas indecorosas. “Ele me ofereceu dinheiro, mas não aceitei” garantia. Na semana passada diante da denúncia de ter recebido 200.000 reais em troca do apoio à tese da reeleição, a embaixatriz agiu diferentemente. Dessa vez, ela nega até a oferta.

 

Farmacêutico generoso

 

O deputado Chicão Brígido, do PMDB, tem um passado humilde. Filho de seringueiros nasceu na fronteira com a Bolívia. Migrou para Cruzeiro do Sul onde foi padeiro e depois para Rio Branco onde se empregou como balconista de farmácia. Mais tarde, com as economias que juntou, montou o próprio negócio, a farmácia Ouro Preto, no modesto bairro da Estação Experimental. Como conhecia bem os remédios que vendia comportava-se como o doutor da região, receitando medicamentos. Para cair mais ainda nas graças de seus clientes, vendia fiado e dava analgésicos e antibióticos aos mais pobres. Em 1992, elegeu-se vereador. Alinhado com a esquerda, foi sondado pelo PT para disputar o governo do Acre. Mas acabou se candidatando a deputado federal pelo PMDB. Teve 11.600 votos, a maior votação entre os candidatos do partido à Câmara.

No ano passado, elegeu-se vice prefeito de Rio Branco, seus adversários dizem que gastou 500.000 reais só em remédios que comprou para distribuir aos eleitores. Casado, pai de três filhos, Chicão é um dos craques do time de futebol do Congresso. Está sempre relacionado para as partidas na casa do deputado Wigberto Tartuce do PPB, parlamentar que como ele, decidiu votar a favor do direito de reeleição de Fernando Henrique Cardoso na véspera do projeto ir a plenário. Como também bate bola com a esquerda, tentou sem sucesso montar em Rio Branco uma sucursal do jornal Hora do Povo, do grupo que participou da luta armada, MR8, hoje fiel a Orestes Quércia. Chicão ainda mora no modesto bairro da Estação. Só que trocou de carro. Hoje ele dirige um Vectra do ano. Em Brasília matem uma pensão na cidade satélite, que serve de abrigo aos acreanos que vão à capital para tratamento médico. “Isso que aconteceu é um absurdo”, diz, a respeito das gravações.

 

Às pressas, FHC pede socorro ao PMDB.

 

Já fazia três meses que o presidente FHC adiava as indicações dos novos ministros da Justiça e dos Transportes. Na semana passada, ameaçado pela possibilidade de instalação de uma CPI para investigar a compra de votos para a reeleição, e querendo criar um fato novo para amenizar o impacto do escândalo no noticiário, o presidente finalmente decidiu: o deputado Eliseu Padilha, do PMDB gaúcho, 51 anos, vai para a pasta dos Transportes e o senador goiano, Iris Rezende, 63 anos, também peemedebista, para a Justiça. Embora a posse solene dos ministros deva ocorrer só nesta semana, os ungidos já pegaram no batente: Rezende foi ao senador do PMDB, Jader Barbalho do Pará para articular uma frente contra a CPI da Reeleição.

O deputado paulista Aloysio Nunes Ferreira passou todo o último mês como o queridinho de Fernando Henrique para a Justiça. Perdeu o cargo porque se deu ao luxo de ter crises de consciência quando o governo quis passar um rolo compressor na estabilidade do funcionalismo público, durante a votação da reforma administrativa. Aloysio considerou um “golpe” a estratégia do presidente da Câmara, Michel Temer, de tirar  a decisão sobre estabilidade do plenário da Câmara, jogando-a para a Comissão de Constituição e Justiça, em que os governistas tem larga vantagem. Era uma truculência, mas a recusa de Aloysio em apoiá-la custou-lhe o ministério.

Com a Justiça e os Transportes indo para o PMDB, Fernando Henrique quer debelar os focos de rebelião que se instalaram no partido desde a disputa pela presidência do Senado, quando se confrontaram Antonio Carlos Magalhães e o próprio Iris Rezende. O velho jogo do muro dos tucanos deixou os peemedebistas com a certeza que o presidente sussurrava apoio a Rezende, mas movimentava seus peões, para na prática, beneficiar ACM. Agora, o PMDB volta ao seio do governo, na expectativa de morder um naco dos cargos à disposição da coordenação. Ou seja, a indicação dos ministros tenta recompor a base de sustentação do governo no Congresso. Não tem nada a ver com competência para gerir tecnicamente os dois ministérios.

Nelson Jobim, o antecessor de Iris, por exemplo, era um político com cultura jurídica. Já o novo ministro da Justiça tem uma relação quase virtual com o Direito. Embora formado advogado pela Universidade Federal de Goiás, Iris, até 1969, quando foi cassado, nunca tinha exercido a profissão, desde a juventude dedicava exclusivamente à política. “Era advogado, mas não sabia advogar”, costuma contar aos amigos. Acabou abrindo um escritório de advocacia com alguns amigos em Goiânia. Impulsionada pelo prestígio político de Iris a banca rapidamente se transformou na principal da cidade. Através dela, continuou exercendo uma atividade política de oposição aos militares, até ser anistiado em 1979, e se lançar candidato a governador do Estado. Foi eleito exerceu o cargo, e depois disso foi ministro da Agricultura e da Reforma Agrária no governo Sarney. Voltou a ser governador e na última eleição para o Senado foi o mais votado proporcionalmente, conquistando 38% do eleitorado. Agora a justiça volta se encontrar com a política na vida de Iris Rezende. Apoiado pela liderança do PMDB e com forte influência sobre a bancada de seu estado no Senado e na Câmara, Iris poderá ser o elo que faltava na aliança do governo com o PMDB.

À Eliseu Padilha coube um ministério que rende grande prestígio eleitoral. A bancada do PMDB da Câmara dos Deputados, que tinha no Ministério dos Transportes o deputado Odacir Klein, não queria perder essa posição. E Fernando Henrique deu-lhes esse afago. O novo ministro, advogado e sócio de Nelson Jobim numa banca em Brasília, é um empreendedor imobiliário no balneário gaúcho de Tramandaí, cidade onde fez sua carreira política. Bem relacionado, ele conta ainda com a amizade do senador Pedro Simon, do governador Antônio Brito e do presidente da câmara, apoios decisivos à sua indicação.

 

O amigão do governador

 

O deputado Osmir Lima, 52 anos, é o amigo numero um do governador Orleir Cameli no Congresso. Foi chefe da Casa Civil do governo do Acre até o ano passado. Candidato a deputado federal, conseguiu 4.500 votos, o que lhe garantiu apenas a primeira suplência. Osmir deixou o governo depois de ser acusado de organizar um esquema clandestino de compra de deputados estaduais, que receberiam um por fora para apoiar o governador. Meses depois, virou deputado federal, graças a uma mãozinha do sempre amigo Cameli. O governador nomeou o deputado Francisco Diógenes para uma vaga de conselheiro no Tribunal de Contas do Estado. Dessa forma, abriu espaço para Osmir. No STF há um pedido da Justiça para processá-lo por irregularidades administrativas cometidas  na época em que foi presidente do banco do Estado, o Banacre, durante o governo Nabor Junior, atual senador. Quando assumiu o mandato de deputado, Osmir ganhou também imunidade parlamentar.

Técnico agrícola e funcionário aposentado do Banco Brasil onde chegou a gerente, Osmir está no seu segundo mandato. No primeiro como constituinte votou pelos cinco anos de Sarney. “Nunca ganhei radio, TV ou dinheiro” garante. Além dos 8.000 reais que recebe como deputado, embolsa 2.300 reais de aposentadoria do BB e mais 800 reais do INSS. Sua mulher possui uma loja de roupas. “Tenho uns imóveis alugados em Rio Branco”, explica ele. Seu hobby é jogar futebol na lateral direita. Osmir também é amigo de Ronivon Santiago, o dedo duro das gravações. Sua irmã é casada com um tio de Ronivon. Tudo em família.

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Redação

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