Rodrigo Maia e o transformismo do DEM

Do Valor

“O DEM fez um grande investimento em Kassab”, diz Maia

Ana Paula Grabois | De São Paulo
09/02/2011

Em meio à disputa interna com o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, o presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), diz que a legenda se tornaria “transexual” e “transformista” em caso de fusão com o PMDB. Maia defende a manutenção da aliança com o PSDB de olho no projeto presidencial de 2014 e cita o senador Aécio Neves (PSDB-MG) como um favorito.

Mais fortalecido depois da vitória de ACM Neto (BA) para a liderança do DEM da Câmara, vai trabalhar pelo lançamento de uma chapa única em torno do senador José Agripino Maia (RN) à presidência da legenda, na convenção de 15 de março. O grupo de Kassab, com apoio do ex-senador Jorge Bornhausen (SC), tenta lançar o ex-senador Marco Maciel (PE) – que não conseguiu a reeleição no ano passado – para ocupar o posto.

Filho de Cesar Maia, ex-prefeito do Rio que também não conseguiu se eleger ao Senado em 2010 pelo DEM, Maia reconhece os problemas do partido nas últimas eleições. A saída, diz, é manter-se na “centro-direita” e unificar o discurso à classe média. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida por telefone ao Valor 

Valor: Como o senhor vê o DEM, dividido em dois grupos?

RodrRodrigo Maia: Saímos das eleições com resultado aquém do que gostaríamos. Esse é o pano de fundo da briga. Mas saímos melhor do que imaginavam. Tivemos um resultado razoável naquilo que foi possível. Elegemos dois governadores com uma candidatura presidencial muito frágil no primeiro turno, principalmente nas regiões onde o Democratas é mais forte, no Nordeste. Tudo isso somado ao auge de popularidade do ex-presidente [Luiz Inácio] Lula [da Silva]. Nesses anos todos, fomos o principal contraponto dele.

Valor: Houve problemas em 2010?

Maia: Não. Trabalhamos juntos a eleição inteira em todos os Estados, inclusive em Santa Catarina, quando o PSDB quase declarou apoio a Angela Amin. Fomos eu e Jorge [Bornhausen] juntos ao Sérgio Guerra e conseguimos reverter uma situação quase irreversível. No Espírito Santo, trabalhamos da forma que o Serra queria, pedido pelo Kassab e pelo Jorge, apoiando o candidato do PSDB. A única questão que tinha ficado é que eu havia declarado em outubro de 2009 ser a favor da candidatura do Aécio para 2010. Não fiz nenhum movimento para que minha opinião prevalecesse, apenas dei uma entrevista.

Valor: O estopim foi a proposta de fusão?

Maia: No dia da apuração do segundo turno estive com o Kassab, que disse: ‘o DEM acabou, acho que a gente tem que caminhar com uma fusão para o PMDB, o PMDB só tem político mais velho, a gente toma o poder rapidamente’. Falei que não era bem assim. Muitos políticos nossos têm aliança com o PMDB, mas não podem ir para o PMDB porque não têm espaço, a fusão não faz nenhum sentido do ponto de vista ideológico ou do interesse local. Marcamos uma reunião com o Jorge para dois dias depois. Nesse período, dias 2 e 3 de novembro, o Kassab colocou seus interlocutores para falar a favor da fusão.

Valor: Houve reação?

Maia: Começou a haver reação de todos os lados, 80% do DEM não queria. Muitos querem manter aliança com o PMDB, caso do senador Agripino Maia. Outros por questões ideológicas ou locais. Por que vou abrir mão de ter o poder de comandar um partido e ser o segundo ou terceiro quadro do PMDB? Quando o Jorge voltou, resolveram mudar a estratégia, que era tomar o DEM e fazer a fusão.

Valor: O DEM se tornaria governista?

Maia: Na verdade, estamos numa questão inusitada. Na política, pela primeira vez, teríamos um partido transexual, seria fazer transformismo.

Valor: E vai apoiar o José Serra em São Paulo?

Maia: Não é o que o Kassab promete ao Temer. Entramos no processo de disputa pela liderança da Câmara, era o primeiro teste para o Kassab fazer o que ele entendia correto. Não o julgo, ele tem uma grande vantagem, pensa de uma maneira bem transparente, nunca escondeu sua posição. Passada a eleição do líder, o resultado é claro. Da nossa parte, vamos trabalhar de forma radical pelo consenso. Queremos chegar à convenção com chapa única. Em 8 de dezembro, fui ao limite para tentar um acordo. Infelizmente, não foi possível.

Valor: Só o Agripino?

Maia: Sim, é o melhor nome. O objetivo é tentar de forma bem firme um consenso que mantenha o DEM vivo como partido de oposição, que possa construir um projeto para 2014 desde já.

Valor: O DEM teria nome próprio para 2014?

Maia: Pode ser um projeto próprio como poder ser um projeto próximo ao PSDB. Os dois partidos precisam trabalhar unidos.

Valor: Pode ser o Aécio?

Maia: Certamente. Aécio seria um grande nome em 2010, será um dos principais protagonistas de 2014. Está na hora de parar de brigar para dentro e de debater com os nossos adversários, o governo está começando. 

Valor: O senhor quer a permanência de Kassab no DEM?

Maia: Sim, por que não? Não posso querer que fiquem no partido somente os meus aliados. O Kassab tem uma relação pessoal comigo muito correta. Do ponto de vista político, ele, de forma clara, comandou um processo do outro lado.

Valor: O DEM de São Paulo sem o Kassab ficaria enfraquecido?

Maia: Temos que trabalhar incansavelmente para Kassab continuar no DEM. Não porque o partido vai ficar mais fraco ou forte, mas porque é um quadro que teve muito investimento do partido. O Jorge, quando presidente, foi fundamental na decisão dele sair como vice [na chapa de José Serra à Prefeitura de São Paulo, em 2004]. Ele não queria. É importante que se tenha o entendimento que o DEM precisa ser valorizado com a permanência dele. Não sei como ele está pensando, me dá a impressão que pensa como oposição à política local. O vejo tentando independência em relação ao PSDB de São Paulo, principalmente ao Alckmin [Geraldo Alckmin, governador de São Paulo].

Valor: Com quem ele vai fechar?

Maia: Ele diz para o Serra que vai ficar no PMDB com o Serra, diz que vai ficar com o DEM e com o PMDB, diz também que se aproximou do palanque da Dilma. Em alguma hora ele vai ter que escolher. Mas é um dos grandes articulistas políticos que conheço. Saberá organizar e espero que permaneça no DEM.

Valor: Qual o argumento de Kassab à fusão com o PMDB?

Maia: De que o DEM acabou e não tem espaço. Ele diz que só vão sobrar dois partidos: PT e PSDB. E que o PMDB é um partido de centro que vai ficar e é um caminho.

Valor: Ele não discute posição ideológica?

Maia: Não. Nunca discutiu, nunca foi a forma dele atuar, sempre foi um bom articulador político. Quem trouxe o prefeito Cesar Maia de volta ao PFL foi o Kassab.

Valor: Se ele sair para o PMDB, o DEM vai reclamar o mandato dele?

Maia: Não quero discutir isso porque não quero que saia. Não vou entrar na discussão, tem uma lei e não é apenas o partido quem pode pedir o mandato. É importante que ele fique e não posso chantagear. Quero que fique pelas suas qualidades, pelo bom governo que faz em São Paulo e pela importância que tem ao partido. Não podemos querer reformar o partido fazendo uma operação de troca de sexo, o partido não pode ser transexual. A sociedade não vai entender troca de sexo.

Valor: Virar governo?

Maia: Não pode ser um transformismo em vez de um reformismo. Vamos reformar o partido, trabalhar em espaços que perdemos no Nordeste, na comunicação da imagem do partido em três ou quatro temas.

Valor: O DEM precisa mudar o discurso?

Maia: Não. O que deve e não foi feito é tentar fazer uma comunicação nacional única com três ou quatro temas e trabalhar com os diretórios regionais, porque demos em 2010 prioridade à questão regional. Em 2007, ficamos com a bandeira contra a CPMF. Para a classe média, temos a questão da carga tributária. Outro tema é a segurança pública.

Valor: Alguns do DEM defendem a fusão com um partido pequeno, uma brecha a quem migrar ao PMDB sem perder o mandato.

Maia: A vitória do ACM Neto mandou alguns sinais. O partido não quer fusão com ninguém nesse momento. A ótica dos que defendem esse tipo de fusão é a porta de saída. Essa equação foi derrotada com a vitória do ACM Neto, da tese de que o DEM é um partido de centro-direita, reformista, que deve existir no Brasil. Se já decidiram sair do partido, é mais fácil que se sentem na mesa para discutir uma saída. Não pode mostrar uma estratégia e ter outra por detrás. O jogo tem que ser mais claro.

Valor: O DEM poderia liberar o mandato do grupo de Kassab?

Maia: Ninguém aqui é criança nem se conheceu ontem. Se ele e alguns deputados decidirem sair, não estou dizendo que o partido vai liberar, tem que sentar na mesa.

Valor: Qual a importância dele para o DEM em São Paulo?

Maia: Talvez ele nem se considere assim, mas o vejo claramente um político de centro-direita. Se pensa em ir ao PMDB, aliado ao PT, deve pensar de outra forma. Para a sociedade paulista, quem vota no Kassab é o eleitor mais conservador, mais liberal na economia. É o eleitor que vota nos Democratas no Brasil inteiro. O Kassab representa não apenas a principal cidade do país, mas sinaliza ao eleitor de classe média do país. 

Luis Nassif

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