Rolê: do shoping à BN, pelo reconhecimento e o conhecimento

Para sociólogos, jovens de “rolezinhos” buscam reconhecimento

Especialistas explicam que ações da Polícia, shoppings e classes altas expõem preconceito cruel

Jornal do Brasil

Gabriella Azevedo*

A fama dos “rolezinhos” tomou conta de São Paulo a partir do fim de 2013, quando jovens começaram a marcar encontros através das redes sociais em shoppings centers. A juventude da periferia, em sua maior parte negra, passou a frequentar esses espaços, antes vistos como exclusivos das classes média e alta. O colorido dos calçados e blusas de grife contrastaram com o ambiente de cores neutras dos shoppings e despertaram o olhar, da mesma forma que a presença incomum desses jovens saltou aos olhos das classes média e alta paulistanas. 

Ao explicitar desigualdades e incomodar clientes, os rolezinhos mobilizaram Estado e segurança privada em ações para coibir a presença dos jovens nesses locais. Para especialistas, as medidas repressivas expõem uma quadro crônico de preconceitos e, ao mesmo tempo, medo por parte da classe média, que, em parte, encara com incômodo a quebra de paradigma.

O sociólogo Marcus Ianoni, professor do departamento de ciências políticas da Universidade Federal Fluminense (UFF) e doutor em ciência social, enxerga os rolezinhos como um ato político e social, mesmo que inconsciente por parte desses jovens. Para ele, a necessidade de afirmação, tão cobrada na sociedade contemporânea, gera uma busca incessante por bens que reiterem a ideia de pertencimento. A ocorrência desses eventos em shopping centers, espaços consumistas, explicam esse fenômeno.

“Não necessariamente eles se reúnem para protestar, ao menos conscientemente, mas simplesmente para se fazer vistos. A sociedade de massas massifica e a massificação gera demanda por reconhecimento e por afirmação da individualidade. Além disso, o acesso a certos recursos induz à necessidade de novos recursos. Em linguagem técnica, pode-se dizer que a satisfação de uma necessidade gera outras necessidades. O desejo é um móvel da ação. A propaganda estimula o desejo, estimula o acesso a novos bens de consumo. Não à toa os eventos ocorrem em shoppings centers, espaços consumistas. Se um bem de consumo é adquirido, outro bem passa a ser desejado, além do que há bens simbólicos em questão, o bem simbólico do reconhecimento da especificidade individual ou grupal em um contexto de massificação”, desenvolve Ianoni.

Para o sociólogo e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Luis Carlos Fridman, os jovens pertencentes à periferia de São Paulo clamam por reconhecimento de seu lugar e relevância na sociedade. Fridman identifica o fenômeno como uma busca por pertencimento e que a suposta ameaça representada pelo grupo de jovens se configura simplesmente pela presença de pessoas da periferia em locais simbolicamente exclusivos, destinados às classes altas consumidoras. A quebra de paradigmas desperta incômodo, afirma o sociólogo.

“São jovens da periferia de São Paulo. É um protesto, eles pedem reconhecimento de um lugar social. São pobres, se vestem de maneira diferente, vão ao shopping, mas a presença deles se torna ameaçadora simplesmente por estarem lá. É como se fosse uma manifestação pacífica: sou visto, mas não sou aceito, não apresento os sinais de consumo desejados. A própria aparência deles não é coincidente com a aparência dos consumidores dos shoppings. São maneiras de vestir e comportar diferentes da particularidade da classe média. E isso é ameaçador, como se houvesse a suspeita de que são criminosos, porque apresentam a simbologia das pessoas pobres”, explica.

Agora, os principais shoppings de São Paulo conseguiram na Justiça uma liminar para impedir a realização dos rolezinhos, marcados pelo Facebook com intuito de se divertirem em grupo. O que era uma opção de lazer virou ilegal. E os reflexos já podem ser vistos. No último sábado (11), a Polícia Militar fez uso de bombas de gás lacrimogêneo, bombas de efeito moral e balas para reprimir um “rolezinho” que acontecia no shopping Itaquera, na zona leste de São Paulo, com a presença de mais de mil pessoas. Um dos shoppings mais luxuosos da cidade paulista, o shopping JK Iguatemi blindou suas portas e incluiu seguranças pautados por uma liminar, que garante pagamento de multa de R$ 10 mil a quem estiver promovendo um rolezinho no shopping.

Sobre as liminares, Marcus Ianoni aponta que os lojistas se preocupam com seu direito à propriedade e os consumidores não envolvidos nos rolezinhos têm o seu direito de ir e vir dentro dos shoppings, ao mesmo tempo em que os jovens que praticam os rolezinhos devem ter seu direito de manifestação garantido. O sociólogo ainda aponta que as medidas autoritárias da Polícia podem provocar confrontos indesejáveis e que o tratamento dado a esses jovens é o retrato do preconceito cotidiano ao qual estão sujeitos.

“Esse [manifestar-se] é um direito civil fundamental. Ações repressivas da polícia podem provocar confrontos indesejáveis e atentar contra a liberdade de manifestação. […] Os jovens dos rolezinhos têm sido identificados com o tradicional preconceito que parcelas das elites brasileiras atribuem aos pobres, vistos como pessoas de segunda classe, como ralé etc. O país está passando por transformações estruturais e essas manifestações são novos processos vinculados às mudanças estruturais em curso”, elabora Ianoni.

Luis Fridman explica o “rolezinho” como um processo de quebra de barreiras unilateral: a periferia indo além de onde a sociedade impõe que ela deve ir. O incômodo que isso desperta expõe uma classe média que, em parte, ainda quer e busca se manter isolada. “O shopping é um templo de consumo da contemporaneidade. Eles, na verdade, entram nesse templo de consumo da contemporaneidade e querem dizer que existem e que, até mesmo, há uma interdição geográfica para eles se movimentarem. Eles simbolizam a exclusão social”, define.

Questionado se os rolezinhos e a repercussão dos mesmos podem culminar em um retorno das frequentes manifestações do ano passado, Fridman acredita que o fenômeno não é uma porta de entrada, mas sim uma “reverberação” desses protestos. No Rio, o fenômeno já apresenta reflexos e um rolezinho foi agendado no Facebook para o próximo domingo (19), no Shopping Leblon, na Zona Sul do Rio.

A convocação para o ato no Shopping Leblon já conta com mais de 5 mil confirmações. “Em apoio à galera de São Paulo, contra toda forma de opressão e discriminação aos pobres e negros, em especial contra a brutal e covarde ação diária da polícia militar no Brasil, seja nos shoppings, nas praias ou nas periferias”, diz o texto de convocação na página “Rolezinho no Shopping Leblon”.

Também no Facebook, outros ‘rolezinhos’ estão sendo marcados para sábado. Os shoppings Plaza Niterói e Ilha Plaza estão entre os citados. No dia 20, está sendo marcado um rolezinho na Biblioteca Nacional. “Porque o estudo e a leitura abrem portas, portas de shoppings, portas de carros e de casas. Você pode ser rico ou pobre, negro ou branco, as portas se abriram na mesmo, pois o conhecimento é a única forma de acabar com essas diferenças”, diz o texto de convocação no Facebook. 

*Do programa de estágio do Jornal do Brasil

http://www.jb.com.br/pais/noticias/2014/01/14/para-sociologos-jovens-de-rolezinhos-buscam-reconhecimento/

P.S. Os estagiários do JB têm feito ótimas reportagens. Dá a esperança de que, apesar dos jornalões, o bom jornalismo não morrerá.

Redação

1 Comentário

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  1. Rolezinho fora de lugar

    LN, 

     

    segue meu palpite sobre os “rolezinhos”. Pensei menos na evidente questão do preconceito e do abuso policial.

    Optei mais pela perspectiva da classe média que se refugiou nos shoppings centers ao abrir mão de sua cidadania. Veja o que acha.

     

    Abraço.

     

     

    Sergio de Moraes Paulo, opalpiteiro  

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