Salve-se quem souber

 “Salve-se quem souber, porque poder não poderemos mais …” – a instigante frase de Walter Smetak me vem à memória com certa frequência. O tempo todo tento testar a verdade da sentença … afirmo, inquiro, duvido – mas talvez o principal seja perceber o poder desconcertante e conectivo do saber … salva-se quem souber, ainda que o forte tenha unhas, garras, balas, drones; a sabedoria do pequeno que se torna grande – o poder do saber. Mais ainda: poder do saber fazer – este será o mais capaz de salvar a quem quer que seja, imagino.

Vivemos tempos assustadores, afirmam intérpretes lúcidos da vida contemporânea. De fato, o turbo-capitalismo, embalado pela música do tempo infinito, alimenta a guerra – talvez ainda o campo econômico mais poderoso do planeta – e também as máfias, como demonstra o jornalista/ escritor Roberto Saviano em ZeroZeroZero (Cia. Das Letras, 2014) com base nas principais investigações policiais das últimas décadas, que jogam luz sobre o funcionamento do tráfico internacional de cocaína e todo o seu entorno em todos os continentes: altas finanças e violência assustadora.

De cara percebo sinto o quanto estou partido, doído nestes tempos difíceis. Meu escritor preferido, Marcus Gusmão, trouxe, de novo, hoje cedo um petardo:

 

Somos todos Paris ou Periperi? Sim, Marcus acertou em cheio, como sempre. O Haiti é aqui. Carandiru é aqui. Paris é aqui. No mundo árabe são milhares de mortes em guerras sem fim patrocinadas pelo Ocidente cristão, judeu, alemão, francês, anglo-saxão e por aí. É verdade, Paris está sentindo na carne mais funda o que sente diariamente milhares de pessoas atingidas pelas balas certeiras dos drones e toda a traquitana bélica do Ocidente no Iraque, Afeganistão, Palestina, Libano,  todo o Oriente e toda a violência consentida na África.

Dizendo assim legitimo as mortes no Charlie Hebdo? Jamais. Nenhuma guerra é o que defendo. São abomináveis a violência, a intolerância, a suposta Justiça com as próprias mãos. Em todo lugar deve prevalecer o respeito pelas diferenças e pela Igualdade de direitos. Se os dez por cento de franceses-muçulmanos são rejeitados isto tem que ser combatido.Contudo, responder ao chamado Império do Caos com as mesmas armas do Império equivale a reproduzir a sua essência. Os pós-modernistas dizem que não há mais essência, essenciais foram para o lixo. A historia talvez seja outra coisa. Ainda o nosso Glauber Rocha, sempre presente no meu imaginário, dizia que para haver Revolução seria necessário a arte/ a linguagem revolucionária.

Desejo de sociedade nova, de arte nova, de Homem Novo. Ele buscou. Nas décadas de 1950s e 1960s, na esteira da Revolução Cubana, dos movimentos de libertação na África, a violência política “combinava” bem com a Guerra Fria, ou seja, era estratégia certeira se se pudesse organizar um forte e numeroso exército revoluconário; que começou a produzir resultados e mudar a geopolítica mundial, o que levou, em seguida, à duríssima repressão do Ocidente sobre a América Latina e África. Cada vez mais produzir guerras para garantir o usufruto desembaraçado dos mercados e das riquezas minerais do mundo é a ordem do dia no centro do Império do Caos. O poder bélico e midiático do capitalismo é tremendo que desacredito na violência como estratégia política para vencê-lo. O massacre dos 12 na Charlie Hebdo alimenta o fascismo. Inclusive contra o Islã. Joga gasolina na fogueira do Império. A violência é boa para destruir, porém para construir são necessárias outras fontes de energia – capazes de gerar a “violência revolucionária” de que falava Glauber.

Hoje acredito que a violência como estratégia política deve ser repelida sob pena de alimentarmos caldeirão fervente em que seremos dissolvidos … como fazem as gangues mafiosas com seus adversários e inimigos. A violência como bandeira política está presente em todo o mundo e, por óbvio, igualmente no Brasil. Ainda concordando com Glauber Rocha sobre a necessidade da “violência revolucionária” para acabar com a submissão do Terceiro Mundo ao Primeiro, de alguma maneira isto continua válido no Brasil, onde o poder do dinheiro e dos privilégios fazem leis e interferem em todos os poderes constituídos em favor do poder. E isto precisa ser afrontado e, mais importante, derrotado, transformado. O tempo tríbio de Gilberto Freyre. O devir vem do passado e nasce aqui e agora.

Estou certamente dividido. Tentado a fazer conjecturas sobre o que seria hoje a “violência revolucionária” e o receio de cair em depressiva desconexão com o poder conectivo do saber. Tempos assustadores. Ainda cabe viver sonhando com sociedade mais justa e igualitária. Mas como derrotar o poder das sombras?

 

 

 

Redação

1 Comentário

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  1. Salve,

    Salve, Josias, 

    Esse “Império do Caos” e seus asseclas (fundados na carência de informação/formação) querem destruir o mundo sob o signo das armas…

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