“Se caio, hermano, te levo comigo”: Por que a Argentina tira o sono de Bolsonaro

Em operação temerária, deflagrada a pedido de Trump, FMI torra US$ 57 bilhões na Argentina, para tentar salvar Macri. Fracasso é provável – e exporá miséria do projeto neoliberal. Por isso, Buenos Aires tira o sono de Bolsonaro

Foto: Agência Brasil

Por Hector R. Torres

Em Outras Palavras

Em 1958, a Argentina teve de pedir, pela primeira vez, um empréstimo ao Fundo Monetário Internacional. Nas seis décadas seguintes, o país assinou 22 acordos com o Fundo. A maioria descarrilhou mais tarde, ou terminou em fracasso.

As credenciais pró-mercado do atual presidente da Argentina, Mauricio Macri, não o impediram de se somar a este desfile de decepções. Em pouco mais de três anos, seu governo firmou dois acordos com o FMI. E os acontecimentos recentes sugerem que a problemática história da Argentina com o Fundo pode estar a ponto de se repetir.

O último capítulo começou em junho de 2018, quando o país tinha déficits fiscais e de conta corrente [externo] que, somados, equivaliam a cerca de 11% do PIB. Os investidores desconfiaram dos bônus da dívida argentina, o que obrigou o governo Macri a bater às portas do FMI em busca de ajuda.

Com forte respaldo dos Estados Unidos, o Fundo concedeu à Argentina, rapidamente, um empréstimo de 50 bilhões de dólares, que deveria ser usado em três anos. O governo fingiu que era apenas um programa “preventivo”: a Argentina não necessitava do dinhiero, o importante era que os investidores privados soubessem que este estava à disposição.

No entanto, apenas dois meses depois, Macri admitiu que a Arcentina precisava até mais que os 50 bilhões, e de imediato. Na gíria do FMI, o acordo tinha de ser “pago à vista” [charged up front”].

Neste ponto, a amizade de Macri com o presidente norte-americano, Donald Trump (conheceram-se no mundo imobilário), deu frutos. O FMI concordou, ainda que rangendo os dentes, em engordar o empréstimo com 7 bilhões adicionais, o que o elevou a US$ 57 bi. Além disso, 90% do valor total, ou US$ 51,2 bilhões, serão desembolsados antes da próxima eleição presidencial da Argentina, marcada para 27 de outubro.

É o maior empréstimo já concedido pelo FMI a um país, e a economia da Argentina, em crise, depende muito deste apoio financeiro. Em 15 de abril, o Fundo enviou uma quotra de US$ 9,6 bi. Mas, em vez de usar este dinheiro para acumular reservas de divisas ou recomprar dívida em dólares, o governo Macri vai usá-lo para comprar pesos argentinos [Trata-se de uma jogada protelatória, quase idêntica à de Fernando Henrique Cardoso, na crise cambial brasileira de 1998. O Brasil estava quebrado. Mas o dinheiro das reservas internacionais, e o do FMI, foi usado para vender dólares aos especuladores (ou seja, para “comprar reais”). Estes puderam “fugir” da moeda brasileira, evitando a mega-desvalorização que se seguiria às eleições. Mas durante meses, com a cotação do real em queda vagarosa, foi possível fingir certa “estabilidade” (Nota do Tradutor)].

Como era de esperar, as taxas de risco da Argentina dispararam. Os investidores estão inquietos, e não apenas porque a ex-presidente Cristina Fernández de Kirchner lidera as pesquisas. Sabem que, ao concentrar praticamente todo o apoio financeiro do FMI em seu atual mandato, Macri também concentrou os vencimentos das obrigações de reembolso da Argentina com o Fundo. Como o FMI tem status de credor preferencial, será o primeiro da fila dos credores e, por isso, o primeiro a cobrar. Em outras palavras, se depois de 2020 a Argentina não tiver dólares suficientes para pagar todos os seus credores, os inversores privados podem ver-se obrigados a reestruturar seus créditos, com perdas. Eles sabem disso e também sabem que têm oportunidade limitada para sair da Argentina. É provável que a usem rápido

O governo argumenta que o Tesouro precisa vender os US$ 9,6 bilhões no mercado interno, para cobrir os gastos orçamentários em pesos. Que o governo use empréstimos do Fundo para comprar pesos argentinas parece alarmante, mas o FMI aceitou. No entanto, o governo só poderá comprar pesos argentinos em doses homeopáticas, de até US$ 60 milhões por dia, através do Banco Central e em leilões públicos.

Isso não tem sentido. Em virtude de seu acordo com o FMI, o governo comprometeu-se a executar o Orçamento de 2019 sem déficit primário (ou seja, excluído o pagamento de juros) e também a refinanciar pelo menos 70% dos vencimentos da dívida em pesos e de seus juros. O governo está cumprindo ambas condições. Mais ainda: está refinanciando mais de 100% da dívida que vence, superando a meta deste ano.

Portanto, o governo não tem necessidade orçamentária de utilizar os dólares do FMI para comprar pesos. Ainda assim, as autoridades, com o respaldo do Fundo, utilizarão o dinheiro para manter estáveis as cotações do dólar, até as eleições deste ano, aumentando as possibilidades de reeleição de Macri.

O FMI não poderia apoiar esta manobra, por várias razões. Para começar, o disparate de se endividar com o FMI para comprar pesos colocará os esforços para normalizar as relações entra a Argentina e o Fundo. Em segundo lugar, os dólares que o governo se propõe a vender agora, para comprar pesos, serão muito necessários para que o próximo governo possa fazer frente aos pagamentos da dívida e dos juros que vencem em 2020.

Além disso, ter US$ 9,6 bilhões, em vez da quantidade equivalente de pesos depreciados, colocaria o próximo governo em posição um pouco mais cômoda — já que, como parece inevitável, precisará renegociar o atual acordo com o FMI. Vale notar, que Macri pode inclusive fracassar, em seu objetivo de assegurar um peso estável até as eleições. Um leilão diário de US$ 60 milhões não dará ao governo munição suficiente para evitar picos de volatilidade no mercado cambial.

Por fim, quanto mais dinheir a Argentina dever a um credor privilegiado, como o FMI, mais difícil será convencer os investidores privados, “não privilegiados”, a retornar seus capitais e continuar financiando o país em 2020 e depois.

Lamentavelmente, a história pode estar a ponto de se repetir. Em outubro de 2001, uns 60 dias antes de interromper o pagamento de suas dívidas, a Argentina solicitou um empréstimo de US$ 8 bilhões ao Fundo. A maior parte do dinheiro foi usada para comprar pesos de investidores institucionais que abandonavam o país . O FMI está a ponto de cometer o mesmo erro. Não se deve esperar, agora, um resultado diferente.

Hector Torres é membro do Programa de Investigação de Direito Internacional, do Centro para Inovação em Governança Internacional da Argentina. Foi representante do país no FMI e membro da Organização Mundial do Comércio (governos Nestor e Christina Kirchner)

Redação

10 Comentários

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  1. O FMI não comete erros, ele lucra com os erros que ajuda cometer.
    Quem vive de juros torce pela ruína do outro.
    Se ela não vier, causa-se.

    1. Verdade! Muito ficam dizendo que Macri é incompetente, que Paulo Guedes está fazendo tudo errado.
      Não, eles sabem EXATAMENTE o resultado de suas medidas: banqueiros e rentistas mais ricos e Tio Sam mais poderoso. E é isso que eles querem.

  2. KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK
    Os próximos somos nós!!!
    kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

  3. Nassif…não só pela questão economica que o impresentavel Bolsonaro deve estar procupado com Argentina….sujiro o Sr. (se enterar melhor) investigar o casso D’Alessio – Gate…..(= Lava – Jato do Brasil) “Causa que esta deixando ao descoberto” toda la jogada gionada pelos Estados Unidos…Politico – Juridica – Mediatica -…em inumeros paises de Sudamerica, e pela qual LULA esta preso, seria só seguir o rastro da $$$$ que o Dr. Zucolotto pidiu para o Dr. Tacla Duran…fato que aqui “Nenhum Jornalista” quiz (curiosamente ?) investigar….
    Alias…é esta uma critica que faço permanentemente a os Blogeros…falam..falam….mas ninguém investiga nada…
    Att: Marcelo

  4. Existe um problema de fundo nessas ingerências provocadas pelos falcões do Norte: ainda que tenham logrado êxito em desfazer-se de governos populares utilizando-se de todas as armas sujas disponíveis em seu arsenal,parece que será difícil a manutenção dessas posições. Os governos por eles investidos de poder não tem tido o menor sucesso na manutenção deste poder e,principalmente,na melhoria da qualidade de vida da população e,sequer,na contenção das dívidas públicas onde,sempre fazem questão de enaltecer,seriam mestres no assunto.
    Ainda que esta bagunça perpetrada pelos falcões do norte tenha como objetivo central conter o avanço chinês,quando muito provocará um pequeno atraso. Essa gente já sabe que a sua fase de dominação unipolar está no fim e que aproveitar até as migalhas.

  5. Mais uma vez o bonitinho, branco, limpinho, riquinhos é incompetente. Assim vivemos na america latina. Até quando viveremos assim, isso é uma sina.

  6. “Eu sou você amanhã”.
    ESSE É OEFEITO ORLOF.
    o ministro da fazenda foi literalmente pra rua
    (Ruas sem kkk porque kkk é bolsominico idiota.)
    em 2001/2002.
    lula foi eleito no brasil….
    será que a cristina volta?

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