Irritado com a nomeação de Lula para um Ministério, FHC afirmou que país não pode ser governado por um analfabeto. Não é a primeira vez que FHC hostiliza Lula. A afirmação dele diz mais pelo que omite do que pelo que foi dito.
Ao atacar ferozmente Lula chamando-o de analfabeto, FHC ostentou seu preconceito senhorial contra o ex-presidente petista. Apesar de não ter educação universitária, Lula é alfabetizado. FHC também parece ser totalmente incapaz de fazer uma autocrítica serena e sincera do seu próprio governo. Não chega a ser um segredo guardado a sete chaves que FHC conseguiu provar, na prática, que é possível um professor universitário quebrar o Brasil três vezes produzindo milhares de mortes por inanição no nordeste.
O legado de FHC não será o plano real. Será o ódio que ele sente por Lula e o desprezo e o esquecimento que o governo dele evoca nos eleitores brasileiros com mais de 30 anos de idade. Mas não é disto o que eu quero falar.
A fala de FHC me fez lembrar algo que li há muito tempo e que quero compartilhar com vocês:
“Três séculos após o aparecimento da escrita alfabética na Grécia, os gregos clássicos (século V-IV a.C.) foram capazes de deixar por escrito um corpus substancial de literatura, e as cidades-estados usavam documentos, inscrições, e até mesmo arquivos, em graus variados, para fins governamentais. Assim à primeira vista, a Grécia antiga parece claramente uma sociedade extensivamente apoiada na palavra escrita, que incluía um número muito grande de letrados entre sua população, a qual, em suma, poderia ser considerada uma ‘sociedade letrada’. Afinal, são essas realizações literárias da civilização grega que a sociedade ocidental herdou. Não obstante, a Grécia antiga era, em muitos aspectos, uma sociedade oral, na qual a palavra escrita vinha em segundo plano em relação à palavra falada. Ouvia-se e falava-se – em vez de se escrever e ler – muito mais do que podemos imaginar.” (Letramento e Oralidade na Grécia Antiga, Rosalind Thomas, editora Odysseus, 2005, p. 3 e 4)
A predominância da oralidade entre os gregos clássicos explica, por exemplo, porque Sócrates – considerado o maior de todos os filósofos gregos – não deixou nada escrito. Também explica a verdadeira devoção que Sócrates foi capaz de despertar nos discípulos que registraram por escrito, com maior ou menor profundidade e beleza estilística, as idéias dele.
Quando surgiu no cenário político brasileiro Lula demonstrou ser um grande comunicador. Ele começou falando a pequenos grupos de operários na sede de seu Sindicato. E em 1977 enfrentou abertamente a Ditadura ao discursar para milhares de grevistas no Estádio de Vila Euclides. Nem mesmo a ausência de equipamento de som o impediu de transmitir sua mensagem.
Após ganhar destaque nacional, Lula passou a se comunicar regularmente com jornalistas, intelectuais, professores universitários e políticos. Foram as conversas realizadas entre Lula e as outras lideranças de esquerda que possibilitaram a criação do PT. Desde então, o partido se encarregou de colocar Lula em contato com empresários de outros setores e com os principais políticos e intelectuais do país.
O próprio FHC, que agora ofende Lula chamando-o de analfabeto, conversou muito com o petista quando ambos foram Deputados Federais constituintes. Ao atacar seu ex-colega de trabalho e parceiro de conversações parlamentares, FHC certamente desmoralizou a si mesmo. Se o fundador do PSDB considera o analfabetismo de Lula um defeito imperdoável, ele mesmo não merece perdão. Afinal, sendo um intelectual requintado, FHC travou conversações amistosas, cordiais e produtivas com um analfabeto barbudo.
A carreira de Lula como político é realmente impressionante. Ele foi e é admirado por vários líderes mundiais. Barack Obama, advogado refinado e presidente dos EUA, não disse “Lula é um analfabeto inútil e sem valor” e sim “This is my man, right here. I love this guy.” http://www.huffingtonpost.com/2009/04/02/obama-lula-is-most-popula_n_182433.html. Este elogio público e notório feito a Lula por Obama certamente deve ter provocado uma fisgada em FHC, intelectual que foi aparteado de maneira grosseira pelo então presidente Bill Clinton http://www.conversaafiada.com.br/video/2011/02/04/video-vergonhoso-clinton-desmoraliza-fhc-em-publico-3/.
O ataque recente feito por FHC a Lula é realmente deplorável. Uma prova consistente de que FHC está decadente. O que dizer de um intelectual que é incapaz de reconhecer a importância da oralidade na política? Que age como se não soubesse (e se ele não souber tanto pior) que a na Grécia clássica as conversas eram mais importantes do que os textos escritos que nós estudamos e amamos.
Tudo bem pesado, o ataque pessoal de FHC a Lula não reduziu a estatura do petista. Mas certamente conseguiu miniaturizar o próprio FHC. Se tivesse ficado calado, o ex-presidente tucano certamente teria preservado sua imagem de intelectual respeitável (a qual tem sido destruída por ele mesmo).
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