Solidariedade e (in)justiça – de Betinho a Protógenes

Por Maria Silzi Mossato – do blog LaVemMaria

Betinho, o irmão do HenfilSolidariedade é a palavra que define o grande Betinho, um dos irmãos do Henfil, ativista dos direitos humanos, que contraiu o virus HIV em transfusões de sangue necessárias ao controle da hemofilia e que doou os últimos anos de sua vida ao combate da miséria e da fome

Betinho, um brasileiro que dá orgulho de ter a mesma nacionalidade que ele, desencadeou na década de 90, não uma campanha, mas um movimento nacional de respeito e compaixão. Mas Betinho era humano e frente as dificuldades enfrentadas pela organização que dirigia cometeu um deslize: aceitou doação do jogo do bicho. O mesmo jogo do bicho que antes era feito a mão, num pequeno papel, com uma esferográfica qualquer, nos botecos da maioria das cidades brasileiras e que acompanhando a evolução tecnológica passou a ser registrado em maquinas similares as dos cartões de crédito, que emitem um recibo, também similar as últimas.

Para o Betinho a doação foi fatal. A grande mídia que antes tinha inflado o balão do movimento, não deu trégua. O sociólogo admitiu o que seria um erro, não fosse o jogo do bicho a ilegalidade mais legal do Brasil. Assumir a culpa não foi suficiente e a mídia continuou a crucifica-lo. Especulo que com uma eleição presidencial à frente, o possível apoio de Betinho ao PT significava um risco para o setor.

Não foi a primeira nem a última vez que o jogo do bicho ganhou destaque na mídia. Em outras ocasiões ocupou espaço no chamado “jornalismo”. Na minha opinião, o tema voltada às manchetes sempre que era de interesse dos senhores da imprensa.

Mudando de vida real para a ficção, encontramos o mesmo tema em duas novelas: Mandala e Senhora do Destino.

O herói da novela Mandala foi o bom bicheiro cheio de cacoetes Tony Carraro, interpretado por Nuno Leal Maia. Apaixonado pela bela Jocasta, interpretada por Vera Fischer, teve suas boa conduta premiada com o amor de sua deusa.

Dezessete anos depois,  quando  o jogo do bicho tinha sumido dos noticiários, a novela Senhora do Destino trouxe o bicheiro aposentado Giovanni Improta. Repetindo o perfil do rico sem bom gosto e fala cheia de maneirismos, o personagem era, além de mantenedor de uma escola de samba, o benfeitor a quem todos da comunidade podiam recorrer, especialmente sua amada, Maria do Carmo. Nem é preciso lembrar que numa reviravolta inverossímil, Giovanni também foi premiado com o amor da musa inspiradora do samba-enredo da escola.

Giovanni era ex bicheiro, mas mantinha o pé na contravenção e para situações de emergência recorria ao parceiro de outros tempos. Essas relações renderam cenas de intrepidez e coragem quando a personagem Duda, interpretada por Débora Falabella, foi raptada. Com aparato e habilidades de dar inveja a SWAT, os amigos do ex bicheiro não só resgataram a mocinha desamparada como desqualificaram, em rede nacional, a policia do Rio de Janeiro.

A partir dos fatos ficam uma série de considerações. Receber doações de bicheiros para um movimento de combate a fome significa receber ajuda de contraventores. Fato largamente usado para penalizar e desmoralizar um admirável brasileiro. Mas nas novelas formadoras de padrões relacionais e de valores, que atingem todo país, sem restrição de faixa etária, o bicheiro pode ser herói, merecedor de destaque, apreço e amor. Isto não só é permitido como propagandeado e aplaudido. Conotar como heróico um grupo contraventor, com  armas e treinamento melhores que da polícia não é enquadrado como ilícito. Dizer ao país que para estar protegido é melhor ter amigos na contravenção que recorrer as instituições legais, é aceito sem protesto.

Durante algum tempo teci considerações a respeito dos dois personagens. Cogitei a hipótese de uma construção com finalidade de propaganda paga, similar àquelas de produtos de beleza ou de uso doméstico, que são inseridas em determinados capítulos, geralmente associados aos personagens bem amados. Sem dados que favorecessem uma conclusão, desisti de pensar a respeito.

Betinho não foi a primeira vitima da mídia. Nem a última. A destruição moral de cidadãos públicos em beneficio da grande mídia ou de segmentos aliados tornou-se prática recorrente, Vimos esse tipo de ação repetidas vezes e suas consequências ganham maior gravidade com a isenção ou conivência da justiça. As vezes, além de não coibir a destruição moral, a justiça também a fortalece, inviabilizando retratações, como ocorreu com o direito do PT em relação a revista Veja                                                                                                                                                                                                                                          ProtógenesLembrando que o caso de Protógenes começou com reportagens e terminou com sua condenação por fornecer dados de investigação sigilosa, no caso do banqueiro Daniel Dantas. Condenação que ocorreu no julgamento do recurso, dias após o delegado licenciado denunciar possível fraude nas eleições e em período aos inúmeros vazamentos seletivos de uma delação premiada que deveria correr em segredo. Vazamentos seletivos cuidadosamente articulados para acontecer no período eleitoral, enfatizado no inicio do segundo turno e que comprometia uma das candidaturas. Vazamentos seletivos que até o momento não resultaram em nenhum indiciamento, seja do agente dos vazamentos ou dos veículos que abusaram das informações.

A ação da revista Veja no final do segundo turno demonstra a certeza na impunidade.

A imprensa instalada no país se coloca acima da lei, acima da nação, acima do estado de direito.

Redação

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