Supermercado Mundial: o menor direito trabalhista total, por Juliana Gonçalves

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Mobilização dos funcionários começou de forma espontânea – Foto: Divulgação – Sindicato dos Comerciários 

do The Intercept

Supermercado Mundial: o menor direito trabalhista total

por Juliana Gonçalves

POUCO MAIS DE um mês depois da sanção da Reforma Trabalhista, o presidente Michel Temer fez mais uma de suas maldades sem chamar muita atenção. Um decreto assinado no dia 16 de agosto tornou a atividade dos supermercados essencial. Na prática, isso abriu caminho para que funcionários sejam ainda mais explorados: desde então, as empresas não são mais obrigadas a pagar 100% de hora extra por domingos e feriados trabalhados. Agora, os efeitos começam a ser sentidos na prática. O que fez com que trabalhadores de uma das maiores redes de mercados do Rio, o Mundial, tivessem cortes de até R$700 no pagamento. Com isso, os funcionários cruzaram os braços:

“A gente está fazendo História, primeiro supermercado a parar”, afirmam.

Quando assinou o decreto, Temer afirmou que a legislação estava sendo atualizada “em favor dos empresários e do povo brasileiro que quer ir ao mercado no feriado e fim de semana”. Os trabalhadores foram esquecidos.

O movimento dos funcionários da rede, que emprega mais de 9 mil pessoas, nasceu de forma espontânea. Na segunda-feira (6), houve a primeira paralisação na Ilha do Governador, mas o supermercado não chegou a fechar. A notícia se espalhou em grupos de Whatsapp e chegou até a unidade da Praça da Bandeira, onde os colaboradores ocuparam a frente da loja, que acabou suspendendo o atendimento ao público. No dia seguinte, a onda de insatisfação chegou às unidades de Copacabana, Tijuca, Freguesia e Botafogo.

“Começou com duas meninas no caixa e quando o gerente anotou o nome de uma delas, as outras apoiaram e também pararam. Então, começou a vir o pessoal da peixaria, laticínio, mercearia. Veio todo mundo para a frente de loja porque doeu no bolso de todos. De início, a gente só queria 15 minutos de atenção para eles verem que a gente não estava dormindo. Não imaginávamos que teríamos toda essa repercussão. Vídeos começaram a circular no whatsapp e encorajaram colegas de outras unidades”, contam funcionárias que pediram para ter a identidade preservada.

O corte dos benefícios foi o estopim para o movimento, porém o descontentamento dos trabalhadores com a empresa não é novo. Além da denúncia de acúmulo e desvio de função e da retenção do espelho de ponto, que impossibilitaria o funcionário de conferir as horas registradas, funcionários de frente de loja (operadoras de caixa, empacotadoras e fiscais) relataram não ter direito à pausa para lanche – nem mesmo as grávidas. Algumas pessoas conseguem a autorização para comer após apresentarem atestado médico. As caixas dizem também ter que esperar até uma hora pela rendição para ir ao banheiro.

Algumas pessoas conseguem a autorização para comer com atestado médico.

O pagamento na rede é feito da seguinte forma: 40% no início do mês e o restante no fim, quando se somavam as horas extras dos dias da semana, os domingos e os feriados. Quem dependia desse dinheiro levou um susto ao receber o contracheque no fim do mês de outubro.

“Primeiro eles cortaram as horas extras pela metade, disseram que era para a gente se adaptar. Mas em seguida cortaram tudo. Depois, os domingos e em seguida os feriados. Tudo em um período de dois meses. E a gente já contava com esse dinheiro. Quem ganha menos acabou sentindo ainda mais”, afirmam funcionários.

O decreto de Temer dá segurança jurídica aos empresários para alocar funcionários para o trabalho nos domingos e feriados e a negociar com os sindicatos. No mês passado, na Convenção Coletiva de Trabalho (CCT), o Sindicato dos Comerciários do Rio de Janeiro assinou um acordo com os supermercados em que o adicional dos feriados foi substituído por ajuda de custo fixa de R$30 em espécie ou vale-compras – o que foi sentido pelos trabalhadores neste mês. No caso do Mundial, o pagamento é feito em um vale-refeição, apelidado pelos funcionários de “vale-biscoito”, que só pode ser usado na própria rede.

Em assembleia realizada na sede do sindicato, que assumiu as negociações para que o movimento não seja declarado ilegal, os funcionários votaram pelo estado de greve e incluíram reivindicações a pauta. A mobilização que começou por conta das horas extras agora também pede o fim do acúmulo de função e o reenquadramento das caixas como operadoras de caixa ao invés de atendentes.

De acordo com os funcionários, após as paralisações, o Mundial voltou atrás em relação aos domingos e realizou o pagamento nas lojas. Porém, a questão dos feriados continua em aberto. Os trabalhadores acreditam que a pressão possa reverter a situação.

“Eu, sinceramente, acredito que vamos conseguir, mas não vamos desfrutar. A empresa já ‘visa’ a gente como pessoas demitidas”, afirma uma das funcionárias.

Para Mundial, a “situação já foi resolvida”

Questionado sobre o corte nas horas extras, o estado de greve dos funcionários e possíveis perseguições aos trabalhadores envolvidos na mobilização, o Mundial informou que a situação já está resolvida:

O Supermercados Mundial esclarece que a situação envolvendo os funcionários foi desencadeada em função de uma alteração na política de benefícios da rede, mas que já foi resolvida junto aos colaboradores.

Com 74 anos de atuação no mercado do Rio de Janeiro, a rede sempre investiu no bem- estar de seus funcionários, oferecendo plano de benefícios completo, incluindo: assistência médica e odontológica, alimentação no local, auxílio-creche, seguro de vida e funeral, cartão farmácia, prêmio por assiduidade, assistência social, assessoria jurídica, entre outros.

O Mundial afirma ter resolvido a questão por ter pago os domingos trabalhados aos funcionários. Porém, a rede ainda não se posicionou sobre as demais reivindicações. A primeira reunião de negociações entre o sindicato e os advogados da empresa aconteceu nesta quinta-feira (16) na Superintendência Regional do Ministério do Trabalho e Emprego (SRTE) no Rio. A empresa pediu mais tempo para analisar a pauta e um novo encontro foi marcado para o próximo dia 22. O estado de greve continua.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

12 Comentários

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  1. Supermercado mundial
    Parabéns aos corajosos funcionários e às valentes funcionárias do supermercado mundial! Permaneçam unidos, pois há muitas batalhas para lutar.

  2. Comunicação …

    … Até que ponto a comunicação através de celulares e aplicativos de celulares poderão criar coesão entre trabalhadores ? Até que ponto as empresas que tanto criticam os sindicatos começarão a entender que os sindicatos são pontes para resolução de conflitos !? Alguns dizem que o momento dos trabalhadores é de descenso devido ao grande desemprego, mais que nunca é o momento dos trabalhadores estarem na condição de ascenso e entender o que é conflito de classes, cada qual que entenda o seu papel e lute pelo recurso que compete a cada classe lutar e quem tiver mais coesão e força que requeira o seu recurso.

    1. Após um descenso sempre vem um assenso!

      A frase é lógica, se há somente duas situações possíveis, o descenso e o assenso, só é possível haver uma delas por vez, o problema é mais das lideranças do que das bases. Alguns “líderes populares” se acovardam perante as iniciativas da direita e não fazem o que até uma criança ou um adolescente faz com maestria, testar permanentemente os limites.

      Uma criança ou um adolescente normal, passa estas duas fazes da vida fazendo o teste de sua autonomia perante os pais permanentemente, é através de uma enchessão de saco diária que eles vão conquistando os seus direitos contra os seus pais, digo contra os seus pais, pois acho que as fronteiras da emancipação devem ser obtidas não pelo consentimento sem reivindicação dos interessados, pois na própria forma de reivindicar que é mostrada a própria maturidade de se obter.

      Mas voltando ao caso do descenso ou assenso dos movimentos dos assalariados, se os mesmos nunca tentarem nada certamente o patrão vai no sentido inverso, logo não é possível se dizer em que fase estamos, pois a prática que indicará isto.

  3. Os ricos donos de empresas no Brasil querem estadunizar tudo

    Vivem em Miami, compram imóveis lá, ajudam a economia de lá a manter melhores salários que os de seus empregados.

    Parece inevitável este processo mundial de diminuição de direitos trabalhistas e a sua decorrente precarização. Mas que não sejam tão hipócritas e comecem a pagar salários compatíveis.

    Parabéns à coragem dos funcionários. Não espere-se que a mídia golpista e conivente com as diretrizes do golpe divulgue estes eventos, mas que outros copiem para não perder tanto e depois chorarem

  4. Só acho…

    ..que a população tá pouco se lixando para as condições de trabalho dos funcionários de supermercado. Se estiver funcionando, tudo bem.

    Um pouco de compaixão cairia bem.

    Que tal boicotar o Mundial?

    E todas empresas, bancos, lojas que diminuam os direitos de seus funcionários?

    Chega desta mentalidade escravocrata no Brasil!!!

    1. Eu de minha parte vou
      Eu de minha parte vou boicotar o Mundial, mas desconfio que essa indecência vá se espalhar para os outros supermercados. Aí só nos restará comprar na feira.

  5. Interessante isso acontecer
    Interessante isso acontecer só no Rio…. aqui em São Paulo não fiquei sabendo de nenhum supermercado onde tenha acontecido isso.

  6. “Uma vergonha vocês cortarem
    “Uma vergonha vocês cortarem direitos de seus funcionários, o maior patrimônio da empresa! Querer que alguém trabalhe sábados, domingos e feriados ganhando um valor/hora de trabalho sem aumento é exploração! Uma empresa vive de sua imagem, vocês estão destruindo a de vocês com essa exploração, é vergonhoso! A persistir esse conceito de tratarem dessa forma seus empregados, não só deixarei de ser cliente (há mais de 20 anos!), mas o que eu puder fazer para espalhar essa campanha nas redes sociais, eu o farei.”
    .
    Mensagem que enviei à rede de supermercados Mundial pelo “SAC” que eles mantêm em seu site. De dois em dois dias vou postar essa mensagem, espero colaborar o pouco que eu puder para que outros façam o mesmo. Cortar as horas extras dos funcionários que trabalharem nos domingos e feriados e vários outros direitos, é uma coisa covarde, perversa, uma exploração de uma mão de obra que já é barata. Fico indignado com essa mesquinharia!

  7. Uma vergonha!
    Devem estar cortando o direito dos funcionários para economizar, em vista que tem que pagar o cachê de artista famoso para fazer o comercial das promoções.

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