Também é golpe!

Pra variar um pouco, hoje vim defender o Renan, o Sarney, o Romero Jucá e o Eduardo Cunha. É muito desagradável ter que defender uma corja de salafrários deste nível, mas, em momentos de ruptura institucional, defender a legalidade e a Constituição é a coisa mais revolucionária que se pode fazer em prol da Democracia.

 

Sobre o Eduardo Cunha, voltemos ao seu afastamento do mandato de Deputado Federal e da Presidência da Câmara pelo STF. Trata-se de decisão absolutamente inconstitucional. Qualquer estudante de Direito do 2º ano sabe que o mandato dos Deputados e Senadores é inviolável. O artigo 55 da Constituição Federal estabelece o rol taxativo das seis únicas hipóteses de perda do mandato, sendo que, destas, três situações dependem da decisão por maioria absoluta da respectiva casa (impedimento, quebra de decoro ou condenação criminal transitada em julgado), e nas outras mediante declaração da mesa da respectiva casa (deixar de comparecer a 1/3 das sessões, perda ou suspensão de direitos políticos ou decretação pela Justiça Eleitoral).

 

Não há, em qualquer das disposições da Constituição Federal, uma norma que autorize o STF a “suspender” o mandato parlamentar Assim, a decisão que “suspendeu” Eduardo Cunha do mandato de Deputado e da Presidência da Câmara é uma flagrante violação do Princípio da Separação dos Poderes (art. 2º, e art. 60, §4º, III, CF). O fundamento utilizado pelo Min. Teori Zavaksi foi a aplicação do artigo 319, inciso VI, do Código de Processo Penal, ou seja, a medida cautelar de “suspensão do exercício de função pública (…) quando houver justo receito de sua utilização para a prática de infrações penais”. Este dispositivo legal (art. 319, VI, CPP) tem hierarquia inferior à Constituição Federal, ou seja, não pode afastar a prerrogativa da inviolabilidade do mandato parlamentar, muito menos infringir o Princípio da Separação dos Poderes. A interpretação do artigo 319, inciso VI, do CPP, conforme a Constituição só aponta uma única alternativa: a inaplicabilidade de tal “medida cautelar” aos Deputados Federais e Senadores, pois, se Suas Excelências não podem ser presos (salvo em flagrante de crime inafiançável, conforme trataremos a seguir), então também não podem ser alvo de “medidas cautelares diversas da prisão” (seria uma total incongruência lógica).

 

Com relação ao pedido de prisão, vale para Renan, Romero Jucá e Eduardo Cunha o mesmo que DEVERIA TER VALIDO para Delcidio do Amaral, ou seja, a aplicação do artigo 53, Parágrafo Segundo, da Constituição Federal. De acordo com tal norma, os Deputados e Senadores NÃO PODEM SER PRESOS, exceto em “flagrante de crime inafiançável”.

 

Ocorre que nenhuma das gravações revela crime permanente (art. 303, CPP) e, considerando que as gravações ocorreram em março, não há que se falar em flagrante (a definição legal de flagrante pode ser conferida nos artigos 302, CPP). No caso do Delcidio do Amaral, o ex-Senador tenta comprar o silêncio de um dos delatores da Lava a Jato, o que não constitui crime inafiançável.

 

Vale observar que, diferente de Delcídio, as gravações de Romero Jucá, Renan e Sarney não revelam um crime em curso. No caso da gravação de Romero Jucá, quando muito, existe a “cogitação” de um crime, o que não é punível (tal como no caso das gravações em que interlocutores sugerem a Lula que tente interferir). No máximo, poderia se conceber uma conspiração para um Golpe de Estado (derrubar a Dilma, para o Temer assumir a Presidência e enterrar a Lava a Jato), mas a Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/83), de constitucionalidade bastante duvidosa, entende que estas ações somente constituiriam crime se com emprego de violência ou grave ameaça (arts. 17 e 18, LSN). Ou seja, Golpe de Estado sem violência ou grave ameaça não é considerado crime no sentido estritamente jurídico.

 

No caso de Renan e Sarney a acusação de crime é ainda mais fraca, pois a opinião destes dois sujeitos sobre a operação Lava a Jato não configura crime (similar ao caso do Mercadante). Mesmo que configurasse, não há flagrante e nem crime inafiançável.

 

Ressalto que esta análise foi feita com base nas informações da imprensa, sem acesso ao pedido de prisão emitido pelo Procurador Geral da República (que nem o advogado dos réus teve), sendo possível que o Procurador Janot tenha em seu poder outras informações, gravações ou documentos, que eventualmente poderiam justificar o pedido.

 

Em suma, com as informações divulgadas entendemos que as prisões são ilegais e inconstitucionais. Apenas para concluir, esta é uma avaliação estritamente jurídica, sendo que, em minha opinião pessoal, o lugar de Renan, Sarney, Jucá e Cunha é na cadeia, mas desde que sem atropelo ao devido processo legal, e sem violação de direitos e garantias constitucionais.

 

Redação

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