Tem Terremoto no Brasil

Terremoto.

Prezado(a)s Colegas,

Eu não poderia me omitir em relação ao momento político grave que atravessamos e, nesse contexto, decidi escrever a presente carta aberta aos(às) Colegas.

Minha iniciativa se justifica enquanto motivadora de reflexão, pois a eleição de um candidato proto-fascista significará a aniquilação definitiva do Brasil enquanto projeto e/ou esboço (pois jamais passou disso) de uma Nação socialmente justa, politicamente soberana, economicamente avançada e tecnologicamente desenvolvida.

Entretanto, estou consciente de que o(a)s destinatário(a)s da carta aberta que agora escrevo são, em sua imensa maioria, filho(a)s da classe média paulista, tais como eu. Para esse segmento social, em termos majoritários, pouco ou nada interessa qualquer assunto que transcenda o horizonte estreito de seu cotidiano relativamente confortável, ainda que mediocremente gerido pelos limites dos cartões de crédito que porta na carteira.

Diante de tais circunstâncias, acredito que seria mais eficaz delinear cenários que tangenciem esse cotidiano. Dentre estes, um dos mais sensíveis consiste na descrição do destino mais provável do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN) em caso da ascensão de um governo proto-fascista. Para tanto, não considero necessário dispor de bola de cristal, mas apenas de bom-senso elementar.

O referido cenário será marcado inicialmente por um grande número de aposentadorias de quem já desfruta legalmente da condição de “aposentável”. Tal avalanche previdenciária será desencadeada, logo no primeiro trimestre do ano que vem, pela consecução da reforma da previdência supressora de direitos. Consequentemente, o esvaziamento progressivo da instituição na qual trabalhamos – quando aqui ingressei, em 1995, o IPEN possuía aproximadamente 1200 servidore(a)s – acelerar-se-á dramaticamente, reduzindo o número dos atuais 635 servidores para algo em torno da metade, circunstância que acabará por inviabilizar de vez o funcionamento adequado de diversas áreas.

Por outro lado, não haverá realização de concursos públicos para repor – mesmo que parcialmente – os quadros aposentados. Servidore(a)s remanescentes regido(a)s pelo Regime Jurídico Único (RJU) serão considerado(a)s, em termos trabalhistas, categoria em extinção. Reajustes salariais, mesmo para mera reposição de perdas inflacionárias, não serão concedidos para servidore(a)s público(a)s, pois este(a)s são considerado(a)s genericamente como inimigo(a)s (quando não como simples parasitas) pelas forças políticas hegemônicas em um governo proto-fascista.

Atingido pelo desalento, um número cada vez maior desse(a)s servidore(a)s remanescentes decidirá – por via judicial – pela adoção do infame regime das 24 horas semanais, agravando ainda mais a falta de pessoal até um nível crítico.

A única atividade minimamente rentável do IPEN, ligada à produção e comercialização de radiofármacos, passará por um rápido processo de readequação visando privatizá-la, logo após concretizada a revogação do atual monopólio constitucional da União na área nuclear. Esse processo será concluído com a aquisição de toda a infraestrutura ligada à atual Diretoria de Radiofarmácia do IPEN por alguma empresa multinacional cujos negócios estejam centrados na área da medicina.

O setor nuclear brasileiro como um todo – não obstante eventuais afirmações meramente retóricas em contrário – abandonará na prática projetos estruturantes, por causa de uma combinação perversa do chamado “teto de gastos” com pressões diplomáticas de potências estrangeiras às quais os proto-fascistas devem obediência.

Simultaneamente, a criação de uma agência reguladora nuclear sem o devido planejamento, cuja etapa inicial pressupõe a autonomia da Diretoria de Radioproteção e Segurança Nuclear (DRS), deixará o “setor restante” da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), relacionado com atividades de pesquisa e desenvolvimento e ao qual o IPEN é ligado, extremamente fragilizado, não apenas em termos operacionais, mas também em termos reivindicatórios.

Diante desse quadro dantesco marcado por desmantelamento e desestruturação, a Marinha conduzirá uma espécie de “operação cata tudo” em meio ao que sobrou do IPEN, colocando o que conseguir amealhar sob sua administração e tutela direta. O IPEN passará então a funcionar como uma espécie de organização militar (popularmente conhecida como quartel), semelhante ao Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP), nosso vizinho de cerca.

A partir de então, no âmbito do IPEN, eleições diretas para gerentes e representantes de funcionário(a)s serão abolidas e proibidas. Manifestações sindicais, reivindicatórias e opinativas serão proscritas. A Superintendência do IPEN será ocupada por um Almirante. Passaremos a trabalhar atrás do arame farpado.

Em tais circunstâncias, só nos restará torcer pelo advento de um déspota esclarecido que torne nosso jugo um pouco menos penoso. Isso é até possível, pois as teses proto-fascistas encontram hoje menor acolhimento em meio ao oficialato na Marinha do que no Exército e na Aeronáutica. Entretanto, ainda assim um interventor benevolente é o cenário menos provável.

Por fim, cabe perguntar aos(às) Colegas se é esse o futuro que efetivamente desejam para si. Caso a resposta seja sim, nada resta a fazer por aquele(a)s que voluntaria e conscientemente escolhem a escravidão. Caso a resposta seja não, solicito apenas que, por gentileza, não esqueçam que eu o(a)s avisei.

Cordialmente,

Luís Antônio Albiac Terremoto

Redação

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