Teoria da complexidade, a ciência do novo mundo, por Luís Nassif

É estreitamente ligada ao avanço dos grandes bancos de dados e das ferramentas de tratamento estatístico, permitindo correlacionar séries das mais diversas.

Nos últimos anos começou a ganhar corpo a chamada teoria da complexidade. Isto é, a capacidade de se analisar um fenômeno sob múltiplos aspectos valendo-se da interação entre várias formas de conhecimento.

Foi através dos físicos que os economistas conseguiram entender fenômenos como a teoria do caos, os momentos de ruptura, em que o passado não mais serve de parâmetro para prever o futuro.

No Brasil, em dois momentos os economistas naufragaram estrondosamente por essa incapacidade de entender momentos de ruptura, da falta de acuidade de tirar conclusões das observações empíricas: no Plano Real e no pós-Dilma (incluindo o período Joaquim Levy).

Nos dois momentos, houve um crescimento da economia e um aumento do endividamento das empresas e das famílias – no caso do Real, pelo fim da inflação. Quando se percebeu que aquele período se esgotara, produzindo constrangimentos econômicos, o caminho correto seria permitir uma volta controlada de famílias e empresas aos níveis de endividamento anteriores, abrindo possibilidade e tempo para negociar com bancos e credores.

Em vez disso, tomaram-se medidas radicais.Nos  dois casos, do Real e do Plano Levy, choque de juros e trancamento do crédito, criando o efeito-engavetamento – quem estava mais acelerado batia na parede e a cadeia produtiva vinha atrás, gerando um endividamento circular que travou toda a economia.

Tudo isso se deve a uma mediocrização recorrente da análise, de economistas, cientistas políticos e sociais, que consiste em prever o futuro com base no passado.

É o chamado método cartesiano, de analisar realidades complexas a partir do estudo do passado de uma das partes, perdendo a visão de conjunto.  Limitam-se a pegar as séries históricas e projetar para a frente, com total incapacidade de uma analise empírica da realidade, o que os leva a não perceber fatores aleatórios e momentos de ruptura.

Por exemplo, nas últimas eleições, baseado no histórico anterior, analistas políticos traçaram o seguinte cenário:

  1. Em toda eleição, até o horário gratuito há espaço para os outsiders.
  2. Depois que começa o horário gratuito, vai para o segundo turno quem tem mais tempo de TV. Foi o que aconteceu em todas as eleições pós-ditadura.
  3. Logo, o segundo turno será entre Fernando Haddad e Geraldo Alckmin.

Minimizaram Bolsonaro até o último momento.

Outro exemplo foi a surpresa de muitos analistas com o comportamento dos novos incluídos sociais, que não apenas não se mostraram gratos às políticas sociais do período petista, como, muitos deles, tornaram-se antipetistas fervorosos, e defensores da meritocracia.

Assim como a modificação de uma molécula altera o corpo, a inclusão moldou um novo cidadão, que nada tinha a ver os o anterior à inclusão.Os casos de gratidão e reconhecimento pelas oportunidades recebidas se situam mais no campo do caráter do que do fenômeno social da inclusão.

As análises planas

No caso das políticas econômicas, há uma incapacidade ampla de analisar as chamadas externalidades – positivas ou negativas.

Apenas o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico) trabalha com esses conceitos em cima das empresas financiadas mostrando os resultados fiscais e de emprego, depois que elas entram em operação.

Anos atrás, com base na Pesquisa Nacional de Amostras de Domicílio, do IBNGE, o IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) preparou um trabalho mostrando que em 55% dos lares que tinham aposentados ou pensionistas, eles eram o arrimo da família. Esses fato permitia às crianças  estudar por mais tempo, certamente havia ganhos em saude, segurança.,

Os ganhos de cidadania eram óbvios. Uma pesquisa mais aprofundada poderia estimar os ganhos fiscais, decorrentes de economia nos gastos futuros de saude, educação, segurança.

Na época, discutia-se apenas o gasto direto representado pelo aumento do salário mínimo. Nenhuma dessas externalidades foi levada em conta, nem na época nem depois.

É isso que permite aos cabeções tratar todo gasto público como se fosse desperdício. Ou montar essa campanha desinformada contra o Fundeb (Fundo de Desenvolvimento da Educação), peça básica da educação pública.

A teoria da complexidade

É por aí que se insere a ciência dos tempos modernos, a chamada teoria da complexidade, estreitamente ligada ao avanço dos grandes bancos de dados e das ferramentas de tratamento estatístico, permitindo correlacionar séries das mais diversas.

Esse casamento que tem permitido a comprovação de inúmeras verdades econômicas, às quais se chegava pela observação empírica, mas que eram rechaçadas pelos cabeções que conhecem tudo de metodologia estatística e nada do objeto a ser analisado.

Como o fato de que economias só são desenvolvidas quando envolvem bases econômicas complexas. Isto é, estruturas produtivas industriais sofisticadas, incorporando avanços tecnológicos e adensamento de cadeias produtivas.

O jogo está apenas compensando, mas guarde essas palavras, teoria da complexidade, pois serão cada vez mais mencionadas daqui para frente.

Luis Nassif

4 Comentários

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  1. Caro Nassif, não creio que as teorias da complexidade deem conta da crise atual por que o país e o mundo estão passando. Coma indústria 4.0 e a normatização do desemprego estrutural (na forma de precarização, informalidade, terceirização, desemprego etc) creio ser preciso repensar nosso próprio modo de existência, ou seja, questionar os pressupostos tácitos (pois são tabus) de nossa sociedade. A teoria da complexidade, uma espécie de neokeinesianismo interdisciplinar informatizado, ainda pensa dentro dos pressupostos de nossa sociedade (como dinheiro, trabalho, mercadoria, estado nacional, direito etc). E são estes pressupostos que estão em crise insolúvel, por isso é preciso questioná-los.
    Sugiro ler e publicar o texto de Herbert Böttcher ” Temos de fazer alguma coisa! Fetichismo da ação numa sociedade sem reflexão.” (publicado no meu blog do GGN) a respeito da nossa atual incapacidade reflexiva, justo quando mais precisamos dela.

    1. Mas é porque pelo texto dá a impressão de que a complexidade é somente uma nova forma de relacionar dados, tornada possível /viável pelos avanços computacionais. Mas não é isso, aliás é totalmente possível tratar a complexidade com pesquisas puramente qualitativas. Vide Edgard Morin. É realmente uma mudança ontológica. Acho que o texto, ao focar no big data, contribui pra esse viés. De fato, muitas aplicações usando big data não conseguem sair do mundinho positivista/funcionalista.

  2. Truque dos truques…
    enfiar na cabeça das pessoas que a verdade é sempre o certo……………………………..

    para depois sugerir que procurem por ela na bíblia, nos pais, no jornal nacional e nas fake news que mais bombam na Internet

    tão simples e eficiente, por funcionar desde o berço

  3. Prezados

    Permitam-me dizer que a teoria da complexidade não está relacionada com os grandes bancos de dados e sua interrelação estatística. Ela foi desenvolvida por Ilya Prigogine, que recebeu o Nobel de química em 1977. Ela pode ser aplicada a todas as áreas científicas. Trata fundamentalmente de concentração. Quanto maior a concentração em um sistema, maior sua imprevisibilidade. A complexidade decorrente faz com que não seja possível qualquer previsibilidade. Tratam-se de sistemas termodinâmicos distantes do equilíbrio. O Edgar Morin surfa esta onda. É respeitável, mas só. A emergência climática, a concentração de riqueza, a concentração de poder, a concentração de recursos naturais, a destruição de florestas, tornam o sistema Mundo um sistema termodinâmico distante do equilíbrio. Um sistema complexo. Previsibilidade zero. Este é o novo normal. Melhor voltar aos cenários e a apostar em futuros desejáveis, o que o Nassif é mestre em fazer.

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