Thomas Mann no Brasil (II), por Walnice Nogueira Galvão

Thomas Mann no Brasil  (II)

por Walnice Nogueira Galvão

A propósito da reedição de Thomas Mann pela Companhia das Letras, nunca é demais enfatizar a contribuição de Herbert Caro para a elevação do nível das traduções feitas no Brasil.

Já entre os críticos que mediaram a recepção do grande romancista alemão, destacam-se Otto Maria Carpeaux e Anatol H. Rosenfeld, ambos aqui chegados nos anos 30.

O eruditíssimo Carpeaux  inicialmente não manifestava muita afinidade com Thomas Mann, mas é bom lembrar que isso se deu quando essa obra ainda estava em andamento. Trinta anos depois, à medida que suas leituras acompanhavam o que Mann ia escrevendo, e culminando em Doutor Fausto, já tinha passado a admirador.  Afirmou várias vezes que Thomas Mann era ímpar na posição de maior autor alemão do séc. XX.

Carpeaux garantiria sua subsistência com os muitos artigos que iria publicando em periódicos, bem como com o ofício de bibliotecário em várias instituições. Poucos anos depois de sua chegada estaria publicando no Correio da Manhã, onde seria editor, no Suplemento Artes e Letras de A Manhã, na Revista do Brasil, em O Jornal, e mais tarde no Diário de São Paulo e no Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo.  Espanta vê-lo tão rapidamente aprender português, que desconhecia totalmente. A essa altura, já era uma voz com autoridade, conforme escrevia para esses jornais. Paulatinamente, iria publicando seleções de seus artigos jornalísticos em volumes, aos quais acrescentaria alguns livros sobre temas valiosos, afora a monumental História da Literatura Ocidental em sete volumes que passaria muitos anos na gaveta antes de encontrar um editor corajoso.

Quanto a Anatol H. Rosenfeld, sempre foi fã incondicional. Ministrou cursos sobre o escritor – inclusive informais, em casa de amigos -; dava a entender que um dia haveria de escrever um livro a respeito; e produziu muitos textos avulsos, mais tarde reunidos pela dedicação fraterna de Jacó Ginsburg no volume póstumo Thomas Mann. Publicado pela Perspectiva, seria um dentre os muitos que o editor passou anos trazendo à luz, a partir da organização dos arquivos de Rosenfeld efetuada por Nanci Fernandes. Titular da seção de Letras Germânicas no prestigioso Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, Rosenfeld deu vazas a sua missão em prol da divulgação do autor que tanto admirava através das páginas desse veículo, e de outros como a revista Anhembi de Paulo Duarte, o Correio Paulistano, o Jornal São Paulo. Seu saber encontrou destinação também nas atividades didáticas formais, pois foi por muitos anos professor na Escola de Arte Dramática e na Escola de Comunicações e Artes da USP.

As traduções de Thomas Mann entre nós nunca tinham sido sistemáticas: privilegiava-se um ou outro livro, sobretudo os menos volumosos. Os leitores mais avisados liam as obras completas em inglês, pois era voz corrente ser essa a melhor das traduções. Para nossa língua, as de alto nível surgiram como empreitada coletiva da admirável Editora Globo, de Porto Alegre. A essa editora devemos a divulgação de literatura internacional de altíssimo nível aqui traduzida, de que os dois florões são o Balzac (1945-1955) e o Proust (1948-1957).

No caso do Balzac, a coordenação coube a outro grande intelectual centroeuropeu, este nascido na Hungria,  Paulo Rónai, autor dos prefácios de todos os 17 volumes contendo 89 romances e contos, bem como de todas as 12 mil notas de rodapé, tarefa que lhe tomaria 15 anos. Rónai  constituiu com Carpeaux e Rosenfeld por muito tempo a santíssima trindade dos críticos literários vindos da Europa tangidos pelo vórtice nazista.  Foram exemplo de cultura enciclopédia e de rigor ético. E sempre interessa ler o que Paulo Rónai tem a dizer sobre essa missão sobrehumana e sobre outras a que se entregou no campo da tradução e da escrita, sempre com muita graça, tanto em Como aprendi o português e outras aventuras quanto em A tradução vivida.

 

Walnice Nogueira Galvão

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