Trabalho após a morte, por Janderson Lacerda

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Trabalho após a morte

por Janderson Lacerda

Edgar morreu aos 81 anos, enquanto operava um torno de CNC, vítima de um infarto fulminante. Apesar de ser “Católico Apostólico Romano” (como gostava de dizer) seu funeral não foi realizado por um padre. Isso porque, a Igreja Católica terceirizou o serviço das missas de corpo presente. Por conta disto, um pastor neopentecostal foi enviado; e apesar das diversas recomendações e preces do sacerdote, Edgar acordou no purgatório com o barulho ensurdecedor de uma sirene. Confuso e transpirando muito, viu um homem baixo, barrigudo, de capacete, segurando com a mão direita uma prancheta, aproximar-se rapidamente.

— Levante-se, levante-se! Está pensando que aqui é um SPA?

— Em que lugar eu estou? (Questionou Edgar).

— Você morreu e está no purgatório.

— Eu?

Não, minha mãe! É claro que é você! E olha se quiser ir para o descanso eterno, já vou lhe avisar: terá que trabalhar muito!

—Descanso eterno?

—É seu burro: o céu! Ou você prefere ficar aqui no purgatório?

—Não, não!

—Então trate de se levantar; coloque o uniforme e vá trabalhar. Há muito serviço na carvoaria…

—Sim, senhor…

Edgar trabalhou duro, sem um dia, sequer, de descanso. E depois de 144 anos, 11 meses, 15 dias e 2h45 minutos foi chamado, novamente, por seu encarregado:

— O negócio é o seguinte: tire seu uniforme, pois, finalmente, você irá para o descanso eterno.

—Deus seja louvado! (Bradou Edgar).

O homem, então, retirou o uniforme e foi conduzido ao céu. Chegando ao paraíso, viu diversas pessoas: mulheres e homens, jovens e crianças; todos descansando à beira de um lago celestial, repleto de belas flores e pedras preciosas que ornamentavam todo lugar.

Edgar sentou-se; tocou com a ponta dos dedos na água e quando pensou que poderia desfrutar do sono dos justos, ouviu, novamente, o barulho da sirene… Uma confusão generalizada tomou conta do paraíso. Até que uma voz forte ecoou e estremeceu todo o céu:

— Atenção, Edgar Francisco Oliveira da Silva compareça à gerência. Edgar Francisco Oliveira da Silva compareça, imediatamente, à gerência!

Sem saber ao certo o que acontecia, Edgar caminhou apressado, ao lado de dezenas de anjos…

— O senhor é o Edgar Francisco Oliveira da Silva?

— Sim, sou eu!

— Muito prazer sou seu encarregado. Só quero dizer que o senhor irá reencarnar hoje: é hora de retornar à terra.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

2 Comentários

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  1. O purgatorio é aqui mesmo

    Cai na tolice de comentar com uma gangue de coxinhas (me atacaram!) as reformas da CLT e a precarização no trabalho. Essa classe média que pensa que é “elite”, patrão/patroa, é a mais terrivel. Ouvi que ja era tempo de reforma, que a terceirização é uma benção (sic), que ninguém esta isento da precarização, que não ha garantias no meio do trabalho etc etc. Pois é, né, ninguém esta isento de precarização, porém “uns” mais que os “outros”.

  2. Gostei!

    Rir fica inevitável, ri mesmo!

    Há mistura de cristianismo com espiritismo. No cristianismo a “alma” só retornará no dia do Juízo Final – no Credo se dizia Creio na Ressurreição da Carne e na Vida Eterna, Amém. Ou seja, quem tá no céu fica no céu, quem tá no inferno fica no inferno até o fim dos tempos – mas quem tá no Purgatório vai para o Céu depois.

    Já no espiritismo kardecista é diferente –  com a morte o espírito fica, digamos, à disposição de Deus para ser incorporado a um bebê  e com este vai sofrer mais ou sofrer menos, na medida do que andou aprontando no passado aqui na terra enquanto esteve no corpo de outra pessoa.

    Por exemplo se Temer vier a morrer algum dia, (políticos brasileiros não morrem, observem que coisa mais esquisita!) a próxima pessoa a quem for grudada a alma que habitou Temer vai sofrer como o cão, para poder pagar os pecados cometidos por Temer.

    Mas, repito, gostei do  texto.  

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