Na manhã desta quarta-feira, 17, dois dos mais importantes colaboradores do Papa Francisco anunciaram em coletiva de imprensa o documento Oeconomicae et pecuniariae quaestiones. Considerações para um discernimento ético sobre alguns aspectos do atual sistema econômico-financeiro. A igreja pede finanças ao serviço da “economia real” e condena especulação. O Vaticano propõe ainda a criação de um imposto mínimo sobre as transações offshore e de comitês éticos nos bancos para controlarem a emissão de produtos financeiros “imorais”.
Para prefeito do Dicastério para o Serviço de Desenvolvimento Humano Integral, o Cardeal ganês Peter Kodwo Appiah Turkson, “algumas pessoas ainda pensam que economia ou finanças é algo distante da missão da Igreja. No entanto, como o documento que apresentamos enfatiza, a Igreja está preocupada com todas as atividades humanas que podem impedir ou ajudar o florescimento humano, e as atividades econômicas não são exceção”.
O novo documento da Santa Sé condena uma “cultura profundamente amoral” que permite comportamentos ilícitos e egoístas, especialmente praticados por agentes financeiros. “Tal comportamento polui gravemente a saúde de todo sistema econômico-social. Isso põe em perigo a funcionalidade e prejudica seriamente a efetiva realização desse bem comum, sobre o qual necessariamente se fundam todas as formas de instituições sociais ”, diz o “Oeconomicae et pecuniariae quaestiones”.
Segundo advertiu o Arcebispo espanhol Luis Ladaria Ferrer, principal autoridade doutrinal do Vaticano, tal discernimento não pode ser adiado “a menos que queiramos escorregar em direção a um colapso social em nível global, com conseqüências devastadoras”.
Arcebispo Ladaria – Foto: Daniel Ibanez / Catholic News Agency Romano
Redigido em conjunto pela Congregação para a Doutrina da Fé e o Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral, o tratado da Igreja sobre a economia mundial teve a aprovação e a assinatura do próprio Papa Francisco. Nele, mesmo em palavras típicas da diplomacia vaticana, o tom foi duro. “A manipulação fiscal dos principais atores do mercado, em especial dos grandes intermediários financeiros, representa uma injusta subtração de recursos da economia real, é um dano para toda a sociedade civil”, registra.
Offshores deveriam ser tributadas
As chamadas offshores ganharam destaque nas críticas por “em muitas ocasiões” terem se tornado lugares habituais para a lavagem de dinheiro, “resultados de receitas ilícitas (furtos, fraudes, corrupção, associações para delinquir, máfia, saque de guerra…)”. Em especial, O Reino Unido foi citado como um criador de tendências em termos de contas no exterior. A Igreja também condenou o “comportamento imoral” responsável pelo escândalo das hipotecas subprime nos Estados Unidos.
Para a Igreja “bastaria uma mínima taxa sobre as transações realizadas ‘offshore’ para resolver boa parte do problema da fome no mundo”. o “Oeconomicae et pecuniariae quaestiones” lançou o desafio aos estados: “porque não tomar com coragem a direção de uma semelhante iniciativa?”.
Regulação para uma economia real
A declaração ainda afirma que os mercados não são capazes de “regular-se por si mesmos” e insiste na vocação de “serviço à economia real” que deve marcar a atividade financeira. “O lucro do capital coloca fortemente em risco, e corre o risco de suplantar, o rendimento do trabalho”, alertam os dicastérios que subscrevem o texto.
Para os autores do documento, “a manipulação fiscal dos principais atores do mercado, em especial dos grandes intermediários financeiros, representa uma injusta subtração de recursos da economia real e é um dano para toda a sociedade”.
“Nenhum ganho é realmente legítimo quando diminui o horizonte da promoção integral da pessoa humana, da destinação universal dos bens e da opção preferencial pelos pobres”, sustenta a reflexão.
O Vaticano assinala que “a liberdade de que gozam os atores econômicos, se compreendida de modo absoluto e distante da sua intrínseca referência à verdade e ao bem, tende a gerar centros de supremacia e a pender para formas de oligarquias, que acabam por prejudicar a própria eficiência do sistema econômico”. Como contrapeso, é proposto a criação fe comités éticos nos bancos para evitar a emissão de produtos financeiros “imorais”.
O amor pelo bem integral é a chave para o desenvolvimento
Referindo-se à encíclica “Laudato Si” de Francisco, o documento assinala que “o amor para a sociedade e compromisso com o bem comum é uma forma de caridade eminente, que diz respeito não só as relações entre os indivíduos, mas também “macro-relações, relações sociais, econômicas e políticas”. No texto, a chave para o desenvolvimento autêntico é “o amor pelo bem integral, inseparavelmente do amor à verdade”. “O discernimento ético” é crucial para promover esse desenvolvimento.
A nova posição pública da Santa Sé diz que a Igreja “reconhece entre suas tarefas primárias também a de recordar a todos, com humilde certeza, alguns princípios éticos claros” e aponta o dedo aos responsáveis pelo sistema financeiro mundial: “O objetivo do mero lucro cria facilmente uma lógica perversa e seletiva que favorece o avanço às cúpulas empresariais de sujeitos capazes, mas gananciosos e sem escrúpulos, cuja ação social é impulsionada sobretudo por uma vantagem pessoal egoísta”, pontua.
Críticas de Francisco dão o tom
Desde que assumiu o governo da Igreja Católica, Francisco tem feito várias críticas à excessiva atenção dada ao sistema financeiro pelos responsáveis internacionais. Para o Papa “salvar os bancos” do que em salvar “a dignidade dos homens e mulheres de hoje” é a preocupação maior de uma sociedade que considera doente. Em 2013, meses após ser eleito, indignado Francisco disse “Na cultura do desperdício, se morrem homens e crianças não é notícia; se a bolsa cai é uma tragédia”, comentou indignado.
De lá pra cá, as críticas do Papa só aumentaram, culminando hoje com a apresentação do “Oeconomicae et pecuniariae quaestiones” por dois importantes organismos da Cúria Romana. Frases dos Papa como “Uma fraqueza da economia é a transformação gradual de empresários em especuladores. Um especulador não ama o seu trabalho, não ama os trabalhadores e apenas vê os negócios e os trabalhadores como meio para fazer lucro”, certamente influenciaram a apresentação do Cardeal Peter Turkson e de Dom Luis Ladaria Ferrer, que tiveram ao seus lados os economistas Leonardo Becchetti, professor de economia política na Universidade Tor Vergata e Lorenzo Caprio, professor de finanças corporativas da Universidade Católica de Roma.
Economista apontou em 2017 a Era do Capital Improdutivo
Em entrevista ao Extra Classe em outubro de 2017 o economista e professor da PUSSP, Ladislau Dowbor, falou do seu livro A Era do Capital Imporodutivo. Veja aqui as coincidências da sua análise com o novo tratado da Igreja Católica sobre a economia mundial.
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Sei, sei, sei.
E o Instituto per le Opere di Religione está fechado?
Qual é a posição dos ativos do banco papal? Investe em quê o banco?
Continuam lavando dinheiro da Cosa Nostra?
Fazem “censo ético” dos investidores, antes de aceitar o dinheiro deles????
Por que, raios nos partam, uma igreja é dona de um banco?????
Amiguinho, vc conhece a
Amiguinho, vc conhece a Igreja Católica? Sabe o que ela faz nos países mais miseráveis? Se não, aprenda, depois critique…
Amiguinha…mui amiguinha!
É legal, eu ajudo a construir um mundo dividido entre miseráveis e ricos, depois vou ajudar a “salvar” os miséráveis…
É mui amiguinha essa igreja, não?
Não são posições meramente sociais, mas do juízo da fé da Igreja
“Em segundo lugar, a redação do Documento não foi do Dicastério do Desenvolvimento Humano, mas da Congregação para a Doutrina para a Fé, e as “Considerações” foram decididas na Sessão Ordinária desse dicastério, e isso enfatiza que não se trata de posições meramente sociais, mas que elas estão ancoradas no juízo da fé da Igreja”.
Do IHU
Não ao offshore. Papa Francisco contra o sistema mundial offshore e as assimetrias que beneficiam poucos e descartam a maioria
É o que se chamaria de um documento ‘maior’ vaticano, preparado pelas duas mais importantes Congregações do Vaticano, a da Doutrina para a Fé e a do Desenvolvimento Humano Integral, sobre a economia e os mercados financeiros.
A reportagem é de Maria Antonietta Calabró, publicada por Huffington Post, 17-05-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
O título é em latim (“Oeconomicae et pecuniariae questione“), mas o conteúdo é extremamente atual. Trata das necessárias correções para os mercados financeiros e para as dinâmicas da economia globalizada que colocaram em destaque, já a partir de 2007, uma fragilidade intrínseca e até mesmo disfuncional do ponto de vista estritamente econômico, pelas quais se criam assimetrias que beneficiam poucos cada vez mais ricos e descartam a maioria da população mundial. Com a criação de um mecanismo de crises recorrentes e cada vez mais devastadoras.
O dedo aponta especialmente contra o sistema global offshore que é a alavanca desse sistema econômico-financeiro doente, ao qual são dedicados três capítulos do documento. Depois, há um apelo às Business Schools das mais prestigiadas universidades onde se formam os operadores que são chamados a participar do sistema, pedindo que seja parte do currículo também a formação ética dos estudantes, ao passo que agora toda instância ética é, de fato, percebida como extrínseca e contraposta à ação empreendedora.
Existem três peculiaridades do Documento dos dois dicastérios vaticanos.
A primeira é que “essas considerações” foram aprovadas – e isso é expressamente ressaltado no final – pelo papa Francisco na Audiência concedida ao Secretário da Congregação para a Fé.
Em segundo lugar, a redação do Documento não foi do Dicastério do Desenvolvimento Humano, mas da Congregação para a Doutrina para a Fé, e as “Considerações” foram decididas na Sessão Ordinária desse dicastério, e isso enfatiza que não se trata de posições meramente sociais, mas que elas estão ancoradas no juízo da fé da Igreja.
A terceira é que o documento foi “concluído” em 6 de janeiro, Epifania do Senhor, ou seja, já há quatro meses estava escrito e pronto, mas só foi divulgado nesta quinta-feira, e foi apresentado durante a manhã em uma conferência de imprensa na Sala de Imprensa do Vaticano. Aguardamos para saber se o motivo para esse intervalo de tempo será esclarecido.
Aqui, então, os principais conteúdos do texto. Segue => www.ihu.unisinos.br/78-noticias/579112-nao-ao-offshore-papa-francisco-contra-o-sistema-mundial-offshore-e-as-assimetrias-que-beneficiam-poucos-e-descartam-a-maioria
Caro, concordo com a sua
Caro, concordo com a sua opinião sobre a força do documento, mas ele foi redigido pelos dois organismos da Igreja. Respectivamente pela Congregação para a Doutrina da Fé e o Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano. E na matéria, está claro que o documengto não só foi aprovado por Francisco, como também assinado por ele
Tascar um Aristóteles nesse pessoal, e o papa concorda com ele
Pg. 22: Tendo a moeda sido inventada, portanto, para as necessidades de comércio, originou-se dela uma nova maneira de comerciar e adquirir. A princípio, era bastante simples; depois, com o tempo, passou a ser mais refinada, quando se soube de onde e de que maneira se podia tirar dela o maior lucro possível. É este lucro pecuniário que ela postula; ela só se ocupa em procurar de onde vem mais dinheiro: é a mãe das grandes fortunas. De fato, comumente se faz consistir a riqueza na grande quantidade de dinheiro.
No entanto, o dinheiro é somente uma ficção e todo seu valor é o que a lei lhe dá (destaque meu). Mudando a opinião dos que fazem uso dele, não terá mais nenhuma utilidade e não proporcionará mais a menor das coisas necessárias à vida. Mesmo se se tiver uma enorme quantidade de dinheiro, não se encontrarão, por meio dele, os mais indispensáveis alimentos. Ora, é absurdo chamar “riquezas” um metal cuja abundância não impede de se morrer de fome; prova disso é o Midas da fábula, a quem o céu, para puni-lo de sua insaciável avareza, concedera o dom de transformar em ouro tudo o que tocasse. As pessoas sensatas, portanto, colocam em outra parte as riquezas e preferem (e nisto estão certas) outro gênero de aquisição. As verdadeiras riquezas são as da natureza; apenas elas são objeto da ciência econômica.
A outra maneira de enriquecer pertence ao comércio, profissão voltada inteiramente para o dinheiro, que sonha com ele, que não tem outro elemento nem outro fim, que não tem limite onde possa deter-se a cupidez
Pg. 25: Assim, das duas maneiras de adquirir e de se enriquecer, uma pela economia e pelos trabalhos rústicos, outra pelo comércio, a primeira é indispensável e merece elogios; a segunda, em contrapartida, merece algumas censuras: nada recebe da natureza, mas tudo da convenção. O que há de mais odioso, sobretudo, do que o tráfico de dinheiro, que consiste em dar para ter mais e com isso desvia a moeda de sua destinação primitiva? Ela foi inventada para facilitar as trocas; a usura, pelo contrário, faz com que o dinheiro sirva para aumentar-se a si mesmo; assim, em grego, lhe demos o nome de tokos, que significa progenitura, porque as coisas geradas se parecem com as que as geraram. Ora, neste caso, é a moeda que torna a trazer moeda, gênero de ganho totalmente contrário à natureza.
Para quem gosta pouco de ler, essa história de usura vem de mais tempo do que se gostaria. Os trechos acima está no livro virtual A Política de Aristóteles.