Trump – depois do candidato, o governante

Uma rápida e superficial passagens por uns jornais americanos mostra algumas coisas meio estranhas. Alguns chegam a falar numa espécie de “New Deal a la Trump”? Fala-se na sua intenção de repatriar lucros das empresas que hoje estão escondidos em paraisos fiscais? Esse é um problema que cresceu muitssimo nos últimos 15 anos – empresas estão abandonando a “cidadnia” americana e esvaziando sua contribuição ao fisco. Empresas símbolo dos EUA, como Apple e HP, entre muitas, são juridicamente sedidas nas Ilhas Caymã ou coisa parecida. Fastfood como Burger King e Subway são “suíços”. E simplesmente deixam de pagar impostos. Ficam com suas sedes reais e centros de criação em planejamento nos Estados Unidos, beneficiando-se de sua infra de comunicação, educação, pesquisa. Mas não botam um centavo na sua sustentação e reparo. Em parte por isso, o que se vê é uma deterioração dessa infraestrutura essencial ao desenvolvimento. O repasse de estados a escolas, por exemplo, caiu verticalmente, levando à queda da qualidade e à subida das taxas cobradas aos estudantes, que subiram tremendamente.

Alguns acham, também, que além de agradar seus eleitores das zonas operárias empobrecidas, com empregos das obras públicas, a jogada de Trump poderia atrair o apoio de segmentos do Partido Democrata. Insinua-se a criação de um “BNDES” americano ou algo assim. O que é curioso quando aqui os americanizantes de turno querem desmanchar o BNDES existente.

Sabe-se lá o que de fato vai ocorrer a partir de Trump e sua trupe. De qualquer modo, acho que posso fazer meu merchandising e recomendar meu livrinho de 2013 – O Peso do Estado na Pátria do Mercado – Estados Unidos como país em desenvolvimento (editora Unesp).  Ali procuro indicar que, apesar da visão difundida de que os Estados Unidos são o país do mercado e do não-estado, há uma tradição de envolvimento do governo federal no bombeamento da economia. Antes mesmo do New Deal. A expansão para o oeste, com o estimulo a ferrovias e escolas, com doação de terras é um exemplo claro. O New Deal transformou isso numa política assumida – Roosevel federalizou a política e a economia e criou um novo caldo de cultura, em que tudo isso foi aceito e admitido como se fora parte da paisagem. Depois da guerra, outro fator decisivo, o keynesianismo militar praticamente construiu uma nova indústria e uma tremanda máquina de pesquisa e desenvolvimento. É verdade que, muitas vezes, a intervenção estatal é vendida como um subproduto de outra política, a de segurança. Com a indústria de guerra (e seus derivados civis) foi assim. Também com a pesquisa (acadêmica ou não). A construção das estradas federais foi justificada como uma necessidade da defesa. Idem para a lei de reforma da educação, depois do Sputnik foi importa sob esse chapéu – aliás, com esse nome, National Defense Education Act. E há muitos outros exemplos – os Estados Unidos do século XX é inteiramente filho da política federal para a guerra, quente ou fria. No campo da manufatura, aliás, alguns analistas se referem à “politica industrial à moda americana”. Como politica industrial é palavrão, ela precisa ser introduzida meio que clandestinamente, travestida, como se fosse outra coisa. Mas era e é poderosa.

O que parece estranho, na atual situação, não é, portanto, a o envolvimento do estado como ator relevante na promoção do desenvolvimento. A situação de crise pode até facilitar a aceitação desse “estatismo”. O que ainda é difícil de saber é o que isso vai provocar no mundo dos políticos. Talvez alguém saiba melhor, eu não sei. Vários democratas balançaram diante dessas ideias de Trump e sua turma. Provavelmente republicanos também irão balançar (na direção contrária). Se isso ocorrer, Trump poderá dizer, a la Cristo, que veio para dividir e não para unir, ou unir redividindo. A la Chacrinha, poderá dizer que veio para confundir e não para explicar.

Redação

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