Dublin: um chute na cara dos brasileiros

O enriquecimento do povo brasileiro pode ser medido e comprovado de várias formas: pelo aumento do consumo de bens duráveis, pelo acesso à educação universitária das camadas mais pobres da população, etc… Mas também pode ser medido e comprovado pelas tragédias envolvendo brasileiros no exterior.

 

Viajar para o exterior era um privilégio da elite brasileira. Até o século XIX, apenas os poderosos homens de negócios e os “donos do Estado” brasileiro iam ao exterior. Os filhos deles geralmente completavam seus estudos na Europa. José Bonifácio de Andrada e Silva, por exemplo, estudou na Universidade de Coimbra e estava na França fazendo uma excursão científica às custas da fazenda real durante a primeira fase da revolução francesa. Antonio Francisco de Paula Souza, tio avô da minha mãe, estudou em Zurique (Suiça) e em Karlsruhe (Alemanha) antes de retornar ao Brasil em 1871 para se dedicar ao desenvolvimento ferroviário e iniciar a carreira pública que o possibilitou criar a Escola Politécnica de São Paulo. Até o século XIX brasileiros pobres somente iam ao exterior em caso de guerra (Guerra do Paraguai) ou de conquista mais ou menos pacífica imensas áreas territoriais (o Acre pertencia a Bolívia até o final do século XIX, Roraima foi objeto de disputas diplomáticas e militares entre portugueses, espanhóis e ingleses nos séculos XVIII e XIX).

 

Na década de 1970, quando eu era garoto, muitos brasileiros moravam no exterior. Mas eles não eram turistas, nem milionários. Eram exilados políticos da Ditadura militar.

 

“O exílio dos anos 1960 e 1970 foi uma experiência vivida por duas gerações, a de 1964 e a de 1968. Para os exilados de 1964, o golpe foi o marco; para os exilados de 1968, o golpe que depôs o presidente S. Allende, em 1973, no Chile, é a principal referência. Esteve longe de ser uma experiência homogênea. As vivências foram as mais variadas, a começar pelo tipo de exilado: os atingidos pelo banimento; quem decidiu partir, não raramente com documentação legal por rejeitar a atmosfera na qual vivia; quem,diretamente, não era alvo da polícia política, mas se exilou ao acompanhar o cônjuge ou os pais; os diretamente perseguidos, envolvidos, uns mais outros menos no confronto com o regime; quem foi morar no exterior por outras razões que não políticas e através do contato com exilados, integrou-se às campanhas de denúncia da ditadura e já não podia voltar com tanta facilidade. Diferentes situações. Neste universo tão diverso todos são exilados.”

http://www.memoriasreveladas.arquivonacional.gov.br/campanha/exilados-e-banidos-da-vida-publica/index.htm

 

Dos exilados se falava bem pouco naquela época de repressão e censura. Não lembro de nenhuma notícia sobre um exilado brasileiro que tenha sido assassinado ou agredido no exterior. O suicídio do frei Tito de Alencar Lima na França em 10 agosto de 1974 somente se tornou um fato amplamente divulgado e comentado no Brasil após a anistia, quando os exilados retornaram e começaram a livremente contar suas histórias. Esta morte teve e tem grande significado político, pois foi motivada pela depressão em que naufragou o religioso após ser submetido a brutais torturas pelos agentes da Ditadura brasileira.

 

Na última década, porém, os brasileiros ganharam o mundo. E alguns deles se tornaram célebres em razão de situações bastante desagradáveis.

 

Em setembro de 2000 Cafu e Marcos Assunção, jogadores da Roma, foram apedrejados e agredidos por torcedores do clube inconformados com a má fase do time.  Em 22 de julho de 2005 Jean Charles de Menezes foi assassinado em Londres com um tiro na cabeça por ser confundindo com um árabe suspeito de terrorismo. Em 2004 Marco Archer Cardoso Moreira e Rodrigo Muxfeldt Gularte foram condenados a morte na Indonésia sob acusação de tráfico de drogas.  Marcio Toso foi brutalmente agredido por uma gang de racistas em Bristol, Inglaterra, em março de 2009.  Em julho de 2011 o zagueiro Hilton Vitorino, do Olympique de Marselha, foi assaltado e agredido no balneário francês onde morava; a casa dele foi invadida por seis homens armados e mascarados. O músico Israel França foi agredido por policiais na cidade de Granada, Espanha, em dezembro de 2012,  por estar bêbado e portar uma arma branca.   Roberto Laudisio Curti foi morto por policiais com disparos de armas de choques elétricos em março de 2012 em Sydney, Australia. Um ex-zagueiro do São Paulo, Breno Vinícius Rodrigues Borges, foi condenado e preso na Alemanha por incendiar a casa onde morava; o fato ocorreu em julho de 2012 e na época Breno era jogador do Bayern de Munique. Em dezembro de 2013  o casal Marcio Ferras do Amaral (45 anos) e Cledione Ferraz do Amaral (34) anos foram encontrados mortos juntos com a filha deles dentro do carro na garagem da casa onde moravam em Orlando, Flórida, EUA. Também foi em dezembro de 2013 que a brasileira Bruna Bovino foi agredida e morta na cidade italiana de Mola di Bari, região da Puglia. Iago Bezerra Santos Martins, estudante de inglês e estagiário numa estação de esqui, foi encontrado morto  em São Francisco, Califórnia, em fevereiro de 2014.  Neste mesmo mês (fevereiro de 2014), Henrique Pizzolato, um dos condenados no processo do Mensalão, foi preso na Itália, país para onde ele havia fugido antes de ser pego pelas autoridades brasileiras. Há dois dias (20/03/2014), durante a festa de São Patrício, um brasileiro foi brutalmente agredido a chutes em Dublin, Irlanda, em razão de ser estrangeiro.

 

O aumento da violência contra brasileiros (ou praticada por brasileiros) no exterior está associada ao enriquecimento do nosso povo, ao aumento da quantidade de brasileiros que viajam para o exterior a passeio, a trabalho ou para estudar. Muitos deles somente atraíram a atenção da imprensa nacional em razão de terem sido transformados em vítimas.

 

O Itamaraty tem honrado sua missão e se destacado na defesa dos interesses dos brasileiros vitimados no exterior. Mas a sua ação também conseguiu expor uma imensa contradição existente em nosso país:  a face externa do Estado brasileiro é bem melhor do que sua face interna. Dentro do Brasil milhares de pessoas tem sido espancadas e mortas pelas PMs sem que um órgão público as defenda com o mesmo denodo e eficiência que o Ministério das Relações Exteriores apresenta fora do país.

 

Esta foi a razão pela qual não relacionei aqui os brasileiros que se deram bem no exterior e que lá não foram vitimados. Eles são muitos e tem feito bonito fora do país, realçando a imagem positiva do Brasil em diversos países. Muito embora eles também atraiam a atenção da imprensa, o que ocorre com eles é incapaz de expor a contradição básica acima apontada. Afinal, o Estado brasileiro é capaz de tratar bem todos os brasileiros no exterior, também é capaz de dar um bom tratamento aos brasileiros que se dão bem dentro do Brasil. As vítimas da brutalidade policial, entretanto, parecem não merecer o mesmo tratamento.

 

Qual a origem desta nossa incapacidade de reconhecer a qualidade humana dos brasileiros brutalizadas pelas PMs? Porque ficamos emocionados quando vemos um brasileiro agredido no exterior e toleramos a brutalidade policial dentro do país ou até exigimos mais repressão, pena de morte, redução da maioridade penal, etc…? Estas meus caros, são as verdadeiras perguntas. Mas para dar as respostas temos que olhar fundo dentro de nós mesmos, coisa que geralmente não gostamos de fazer.

Fábio de Oliveira Ribeiro

2 Comentários

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  1.     Olá Fabio
     
       Bem, achei

        Olá Fabio

     

       Bem, achei interessante a matéria e a abordagem , no entanto creio que há equívocos na linha de pensamento.

    A questão de agressões a brasileiros no exterior realmente é fruto da proporcionalidade que vem aumentando a cada ano

    com a migração de jovens seja para estudo ou aventurar fazer um caixinha e ter uma experiência internacional. Porém não acredito que seja em decorrência da melhora nas condições dos brasileiros e sim , notei pelos meus 5 anos vividos na europa, por quê o brasileiro em sua maioria e mal educado e faz cagada onde vai, e isto por incrível que pareça não se define a uma classe social diretamente.

       Outra questão e que europeus so gostam de europeus e o resto é resto. Inglês detesta Francês e vice versa , espanhol se acha o top da europa e são os mais racista em meu ponto de vista, alemães são indiferentes a todos os outros.

    Ou seja até mesmo entre eles existe intolerância , imagina com o ” submundo” . 

        Abrazzz

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