Um pesadelo eleitoral

Durante esta noite tive o primeiro pesadelo eleitoral do ano. Coisa estranha, pois não estamos num ano eleitoral.

Estou em minha casa, mas aquela casa é muito diferente daquela em que realmente vivo. Há várias pessoas na sala. Um operador de camera se prepara para filmar algo, o assistente dele me entrega vários pedacinhos de papel com frases que eu deveria dizer numa determinada ordem. Ele me pede para sorrir e parecer animado. Começo a ler o script pelo fim, não gosto do que li. Destaco aquele pedacinho de papel e o entrego ao assistente do operador de camera.

Desculpe-me, não posso ler isto aqui.

Como não. É fundamental que você siga o roteiro.

Não vou ler. Aqui diz que eu sou contra as feministas e não as receberia na minha casa. Eu não tenho absolutamente nada contra elas. Muito pelo contrário, acredito que as mulheres devem se organizar para exigir o que entenderem ser necessário.

Então tá. O rapaz toma o papel da minha mão e me pede para sair da sala para eles poderem filmar a propaganda eleitoral.

Sair da sala? A casa é minha. Se vocês querem filmar algo não vou impedir. Mas também não vou sair da minha sala. Quando a filmagem começar eu também falarei algo, pois tenho algumas coisas a dizer sobre as eleições e sobre este candidato.

Irritado o assistente vai até onde está o candidato e o camera. Os três confabulam, o candidato olha para mim demonstrando que está desapontado. O camera entrega algo ao assistente e o rapaz vem até mim com o objeto.

Segure isto aqui – diz me entretanto um boneco do tamanho de uma criança.

O que eu faço com isto?

Quando chegar sua vez você vai colocar o boneco bruço no colo e bater na bunda dele para ensinar aos eleitores como se deve educar uma criança.

Devolvo o boneco ao rapaz dizendo que sou contra a violência doméstica. Apanhando as crianças só aprendem uma coisa: a mentir.

Desanimado, o rapaz vai uma vez mais confabular com candidato e o operador de camera. As luzes já foram instaladas, mas a ação não pode começar. Devidamente maquiado para ficar parecendo um boneco, o candidato demonstra ansiedade. Ele briga com ambos e, depois, me lança um olhar cheio de ódio. Como não fico impressionado, ele me dá um sorriso amarelo. O rapaz volta até onde estou.

Então tá. Já vamos começar. Quando o operador de camera disser “ação” basta você ficar calado que tudo ficará bem.

Desculpe-me. Mas já disse que estou na minha casa e que não ficarei calado. Esta filmagem pode decidir o destino do país e eu tenho muita coisa a dizer sobre as eleições e sobre este candidato.

O que você vai dizer?

Isto não é da sua conta. Você ficará sabendo o que eu tenho a dizer quando a filmagem começar.

Não estamos mais na minha casa, mas na praça de alimentação de um Shopping. Não reconheço o local. Longe de mim, o candidato e seus assistentes se preparam para fazer a propaganda eleitoral, mas há algo que o incomoda. Ele quer que as plantas do canteiro atrás dele sejam limpas, folha por folha. Depois ele pede para que todos os insetos sejam removidos do canteiro. Ele detesta formigas. Diz que as formigas são tão incomodas quanto os eleitores.  

Aquela interminável encenação que antecede a filmagem da propaganda eleitoral não me interessa mais. Tenho certeza de que Bolsonaro – vá-de-retro-satã e não venha mais me dar pesadelos – será derrotado por causa de suas próprias obsessões. Encontro um amigo que não vejo a dezenas de anos e vou conversar tranquilamente com ele. O pesadelo acabou. Desperto tranquilo.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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