Um roubo discreto do povo por trás de uma imbecilidade televisiva

Um roubo discreto do povo por trás de uma imbecilidade televisiva

O professor Galileu mais uma vez se distraía soltando pipa na Praia do Flamengo quando Angeline e Simplício, que estavam de férias no Rio, aproveitaram um encontro com ele para levantar uma questão de alto interesse público: “Por que a Globo, observou Angeline, que faz tantos programas inteligentes com o seriado Amores Roubados, insiste em manter no ar esse monumento à imbecilidade televisiva que é o Big Brother?”

– Deve ser porque tem audiência, disse Simplício.

– Você está enganado, contestou Angeline. Tem audiência porque é exibido num horário conveniente.

– É pelos dois motivos, ponderou o professor Galileu. 

– Como assim?, perguntou Simplício.

– Não se pode negar que uma grande parte do público tem idade mental de dez anos. Para estes o programa é ótimo. A outra parte da audiência se deve ao horário e à falta de alternativa. Infelizmente, as outras televisões oferecem poucas opções.

– De qualquer forma, argumentou Angeline, é espantoso que milhões de pessoas não apenas acompanhem um programa tão idiota na tevê como pagam por isso.

– Pagam como?, disse Simplício.

– Telefonando para votar nas decisões dos chamados paredões. Isso é um grande caça-níquel nacional, observou Galileu. Nem as igrejas evangélicas faturam tanto dinheiro. Aliás, as igrejas evangélicas têm o mérito de prometer venturas no céu ou na terra, pouco prováveis mas que ninguém pode garantir que são impossíveis, enquanto o caça-níquel Big Brother não oferece nada em contrapartida.

– Como é isso?, perguntou Simplício.

– Então você não sabia, disse Angeline, que cada ligação telefônica com o voto é devidamente paga, e a receita rachada entre a Globo e a operadora de tevê?

– E enquanto milhões de pessoas estão votando pelo telefone, continuou Galileu, os usuários normais enfrentam gigantescos engarrafamentos de linhas, como se tornou rotina depois da ganância privatista dos últimos anos.

– Desculpe-me, professor, esses engarrafamentos não têm muito a ver com o Big Brother, ponderou Simplício.

– Têm a ver com o aumento gigantesco da venda de celulares sem ser acompanhado por aumento da infraestrutura. Além disso, algum consultor inteligente deve ter dito às operadoras que uma das formas que elas têm de dobrar o faturamento é interromper cada ligação por motivos técnicos, como vem ocorrendo sistematicamente em todo o país, de forma a fazer o sujeito ligar de novo e pagar em dobro.

Simplício escreveu na agenda vermelha: Confúcio poderia ter dito: o sistema telefônico no Brasil, com as agências reguladoras capturadas pelas operadoras, tornou-se a casa da mãe Joana.

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