Um caso típico de planilha para justificar aumento de tarifas de ônibus

A análise que reproduzo abaixo, colhi na página do Movimento Não Pago, de Aracaju, que encaminha a luta na cidade por um serviço PÚBLICO de transporte coletivo decente, no interesse da cidadania. Mostra algumas típicas irregularidades – existem muitos outros truques – que aparecem nas planilhas de cálculo que servem, para o cálculo de tarifas de ônibus nos municípios deste país, em benefício das empresas concessionárias e prejuízo da população. São empresas de grande lucro operacional  e contabilidade “criativa” para escondê-lo.

É necessário discutir a forma de estatizar o setor, como acontece nas economias mais liberais do planeta. Do ponto de vista do capital, as concessionárias de transporte público no Brasil são muito eficientes, pois dão lucros extraordinários aos seu donos, mas do ponto de vista social são totalmente falidas, são sofrimento cotidiano para os usuários, encargos pesados para trabalhadores de baixos salários e pequenas empresas. São empresas anacrônicas, um atraso com custos elevados e desnecessários para o país.

Movimento Não Pago encontra irregularidades na planilha do Setransp e propõe redução da tarifa de ônibus

Análise da Planilha de Custos do Transporte Coletivo de Aracaju 2013

Por: Movimento Não Pago

Nas últimas décadas a população da Grande Aracaju vem sofrendo com as péssimas condições do transporte coletivo. Além de sermos transportados em ônibus quebrados, sujos e superlotados, pagamos uma passagem extremamente elevada (a 2ª tarifa mais cara do nordeste), que não condiz com a qualidade do serviço oferecido, tampouco com os aspectos geográficos locais (cidade plana, de pequena extensão territorial).

O Sistema de Transporte Coletivo de Aracaju é custeado integralmente pelos próprios usuários do sistema, sendo que o valor da tarifa deve refletir o custo operacional das empresas de ônibus (combustível, lubrificantes, pneus, peças e acessórios, salários, despesas administrativas, depreciação, lucro empresarial, pró-labore dos diretores das empresas, etc.), tudo isso dividido pelo número total de passageiros.

No entanto, a atual forma de cálculo da tarifa atribui um custo muito maior que o custo real, fazendo com que os usuários paguem muito mais que o valor necessário para a manutenção total do serviço.

Três fatores contribuem diretamente para essa falha:

I – A não utilização do menor preço do mercado atacadista para o valor unitário dos insumos utilizados nos veículos por parte do Setransp (preço de combustíveis, óleos, lubrificantes, pneus, etc., acima do menor preço de mercado), bem como a atribuição de custos de insumos que não existem (o Setransp inclui custo com câmara de ar, quando toda a frota de ônibus se utiliza de pneus com tecnologia Tubless, sem câmara de ar. Além disso, incluem nos custos, os salários de cobrador e motorista correspondente à frota de Midi e Micro-ônibus, onde existe apenas um funcionário realizando as duas funções);

II – Forma de cálculo generalizada que considera todos os veículos da frota como sendo Convencionais, omitindo a existência de Midi e Micro-ônibus, que possuem custos operacionais muito menores que os veículos convencionais; e

III – A defasagem dos coeficientes de consumo – os coeficientes utilizados para o cálculo são baseados em pesquisas da década de 80, que não observam o aumento da eficiência, dada a evolução tecnológica ocorrida no setor de transportes nos últimos anos.

A nossa análise é feita sobre a Planilha de Custos pela qual o Setransp fez o pedido de reajuste à SMTT (29/01/2013).
Resta informar que todo esse custo que não existe, mas que é cobrado na tarifa, se transforma em receita para as empresas de ônibus, que além do lucro legal (3,9% da tarifa), acumulam mais essa remuneração indevida, que onera excessivamente os usuários.

Esse problema já foi apontado pelo Movimento Não Pago em janeiro de 2012, quando levou uma representação ao Ministério Público Estadual, pedindo a realização de uma auditoria dos custos e lucros das empresas de ônibus, com participação da sociedade civil. Contudo, o MPE ainda não deu uma manifestação sobre o pedido.

Ressalte-se que a planilha tarifária que orienta o cálculo da tarifa do transporte coletivo de Aracaju, estabelecida pela Lei Municipal 1765 de 1991, segue o modelo de cálculo do extinto GEIPOT (Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes) vinculado ao Ministério dos Transportes. Nesse sentido, a planilha vem se orientando por coeficientes de consumo de combustível, óleos, lubrificantes, pneus, pessoal, etc. estabelecidos ainda na década de 80, portanto, bastante defasados. O próprio GEIPOT, antes da sua extinção, em 1994[1], atualizou os coeficientes, tendo em vista o aumento da eficiência do setor de transporte.

Para manter a coerência do cálculo tarifário algumas cidades realizam estudos com a própria frota de ônibus, com intuito de verificar o real coeficiente de consumo dos veículos. Destaquem-se os estudos realizados pela UFRJ acerca dos coeficientes de consumo do Sistema de transporte Urbano de Petrópolis (2004)[2], e a pesquisa realizada pela Empresa Pública de Transportes e Circulação – EPTC, que propõe uma revisão dos coeficientes de consumo e índices de uso da planilha tarifária de Porto Alegre (2003)[3].

Por sua vez, em Aracaju, o Setransp e a SMTT continuam se utilizando dos índices mais defasados, fato que torna a tarifa de ônibus de Aracaju muito acima dos custos reais do sistema, o que se revela na sua amarga posição no ranking das passagens de ônibus (2ª tarifa mais cara do nordeste).

Não bastasse tal defasagem, a elaboração do cálculo da planilha não conta com a devida especificação dos tipos de veículos que compõem a frota do transporte coletivo urbano local. Assim, o índice de consumo de um Midibus ou Micro-ônibus (que compõem 15% da frota segundo a SMTT) é igualado ao de um ônibus Convencional.
Além disso, não são apresentados os custos específicos de cada empresa, mas apenas uma análise generalizada de toda a frota do sistema, fato que omite visualizar quais empresas são menos eficientes, e, por isso, contribuem para o aumento dos custos do sistema, e do preço da tarifa.

Outro ponto bastante questionável é a ausência de comprovação do preço dos insumos e dos veículos informados pelo Setransp. É de fundamental importância para o cálculo do custo real das empresas que os valores sejam estabelecidos a partir de notas fiscais das empresas de ônibus, tendo em vista que elas gozam de grandes descontos, sobretudo na compra de combustível e pneus.

A análise que segue realizará uma revisão dos preços dos insumos e dos coeficientes de consumo dos três principais componentes da tarifa (combustível, rodagem, e pessoal), apontando também como a especificidade de cada tipo de veículo (ônibus Convencional, Midi e Micro-ônibus) reflete em custos menores e mais próximos à realidade, logo, refletindo na necessidade de reduzir a tarifa atualmente cobrada na Grande Aracaju.

1. Revisão do preço do combustível e do seu coeficiente de consumo

Segundo o Setransp, o item Combustíveis representa 20,11% do valor da tarifa, sendo que o preço atribuído ao litro do óleo Diesel é R$ 2,1446, e o coeficiente de consumo do combustível do veículo corresponde a 0,41 Litros/Km. Como o percurso médio mensal é de 7.615,10 Km/veículo, o gasto total mensal da frota operante (522 ônibus) com óleo diesel é de R$ 3.495.233,06.

Em pesquisa de mercado realizada na Grande Aracaju, entre os dias 28/02 e 04/03, constatou-se que o menor preço do diesel no atacado varia entre R$ 2,07 (Diesel BS 50) e R$ 2,10 (Diesel S 10), sendo o valor mínimo, portanto, R$ 0,07 menor do que o alegado pelo Setransp.

Em relação ao índice de consumo, o Setransp não especifica o consumo dos diferentes tipos de veículos, alegando que o consumo de um midi ou micro-ônibus é igual ao dos ônibus convencionais, atribuindo o coeficiente defasado do GEIPOT de 0,41 Litros/Km. Contudo, é flagrante que dada a diferença de potência entre tais veículos, o consumo de diesel dos midi e micro-ônibus sejam menores que o dos ônibus convencionais. É o que nos informa a pesquisa da UFRJ (2004), que aponta um coeficiente de 0,232 Litros/Km para os micro-ônibus. Para os veículos leves, onde se encaixam os ônibus convencionais, a pesquisa aponta um coeficiente de 0,331 Litros/Km, apontando uma melhoria na eficiência em relação á última atualização feita pelo GEIPOT, que indica um índice de 0,35 Litros/Km para tais veículos.

Utilizando o valor mínimo do mercado atacadista encontrado para o litro do diesel (R$ 2,07), bem como os coeficientes de consumo mais atualizados e específicos para cada tipo de veículos, propomos uma revisão do custo mensal com combustíveis para R$ 2.601.825,66, reduzindo em 25,57% o valor alegado pelo Setransp.

2. Revisão do preço dos pneus e da sua vida útil

Segundo o Setransp, o item Rodagem (pneus, câmara de ar, protetor, e recapagem), representa 6,61% do valor da tarifa, sendo que o preço atribuído ao pneu é R$ 1.418,33 (unidade), ao serviço de recapagem R$ 380,00, à câmara de ar R$ 71,83 (unidade), e ao protetor (para câmara de ar) R$ 38,93 (unidade). Além disso, o Setransp atribui aos pneus uma vida útil de 30.000 Km, considerando ainda que a cada recapagem são acrescidos 10.000 Km de vida útil. Como são utilizadas 3 recapagens em cada pneu, a quilometragem total média  por pneu é 60.000 km.

De início, segundo avaliação dos pneus utilizados pela frota do transporte coletivo da Grande Aracaju, constatou-se que a frota, em quase sua totalidade, se utiliza de pneus com tecnologia Tubless, que não necessitam de câmara de ar nem de protetor, portanto os valores atribuídos a estes insumos devem ser excluídos do cálculo da tarifa. Isso, por si só, já reduz o valor da rodagem em 11,5%.

O Setransp alega um preço de R$ 1.418,33 para um pneu, porém não especifica o tipo nem a marca dos pneus utilizados. Na nossa pesquisa constatamos que o pneu mais caro utilizado pela frota é o Good Year G665 Plus para ônibus convencional, sendo utilizados também pneus de outras marcas menos conhecidas e com preços bem menores, e também pneus aro 17,5 para micro-ônibus, que são em média 50% mais baratos que os pneus de ônibus convencionais. Em pesquisa de mercado realizada na Grande Aracaju, entre os dias 28/02 e 04/03, constatou-se que o menor preço para o pneu Good Year G665 Plus no varejo é R$ 1.375,00, sendo o preço do mesmo modelo para rodas aro 17,5 igual a R$ 785,00. Para o atacado, a depender do tamanho da compra, o valor se reduz em até 15%, configurando-se então o menor preço do mercado atacadista para os pneus G665 Plus aro 22 e 17,5 respectivamente em R$ 1.168,75, e R$ 667,25. Isso reduz o preço médio do pneu para R$ 1.093,50, 23% menos que o preço unitário informado pelo Setransp.

 
 
Além disso, o cálculo de vida útil do pneu feito pelo Setransp é bastante defasado, baseado nos estudos do GEIPOT dos anos 80. A atual tecnologia de rodagens, conforme pesquisa da EPTC (2003), permite ao pneu sem câmara, com duas recapagens, uma vida útil de 172.197,19 km, um aumento de 187% à vida útil dos pneus atribuída pelo Setransp.
Todas essas revisões sobre o custo total da rodagem impacta numa redução de 77,66% ao valor original atribuído pelo Setransp.

3. Revisão das despesas com pessoal e do Fator de Utilização de pessoal por veículo

Segundo o Setransp, o item Despesas com Pessoal representa 44,72% do valor da tarifa, sendo o salário de cada categoria definido por convenção coletiva de trabalho, exceto o de Pessoal Administrativo. Para calcular a despesa total com pessoal, o salário, encargos sociais e ticket de cada categoria é multiplicado pelo seu Fator de Utilização, que corresponde ao número de trabalhadores de cada categoria por ônibus da frota operante. São esses os valores informados pelo Setransp:

                                          Fator de Util.  Salários            Encargos Sociais   Ticket     
Motoristas                           2,6                  R$  1.395,34    R$ 877,25               R$   330,00
Cobradores                         2,6                  R$    777,07     R$ 488,54               R$   330,00
Fiscais / Despachantes       0,36                 R$  1.248,39    R$ 784,86               R$   330,00
Pessoal de Manutenção      0,8                  R$    877,52     R$ 551,70               R$   330,00
Pessoal Administrativo       0,13                 R$ 11.074,68         –                        R$ 2.098,80

Ocorre que o Setransp não observa as especificidades de cada tipo de veículo, omitindo que Mini e Micro-ônibus não possuem cobradores, uma vez que o motorista realiza as duas funções, recebendo remuneração apenas de motorista. Logo o fator de utilização de Cobradores deve ser reduzido para 2,2%.

O fator de utilização de fiscais e despachantes (0,36) indica que existem em todo o sistema cerca de 188 trabalhadores dessa categoria. No entanto, nos últimos anos, com a implantação da bilhetagem e do sistema de GPS, houve uma grande redução no número de fiscais e despachantes, portanto o índice estabelecido em 1991 não deve ser adequado à nova realidade do sistema de transporte coletivo. Deve ser feita uma avaliação se as empresas estão pagando salários para o número alegado de fiscais e despachantes.

Já em relação ao fator de utilização do Pessoal de Manutenção, destaque-se que na última atualização do GEIPOT, definiu-se como índice máximo para o fator de utilização dessa categoria 15%. O coeficiente alegado pelo Setransp é muito superior (80%). A adequação ao índice do GEIPOT (15%) refletirá numa grande redução do gasto com pessoal.

Por fim, o Setransp alega que o fator de utilização do Pessoal Administrativo é 13%, ou seja, 68 trabalhadores. Mas na verdade, por não haverem encargos sociais, supõe-se que trata-se de cargos de direção, que recebem pró-labore e não salário. É necessário investigar essa questão mais a fundo, pois é bastante questionável que possam existir 68 cargos de direção no Sistema de transporte Coletivo da Grande Aracaju. Além disso, o valor salarial para esses cargos fica a mercê da definição dos próprios empresários, que podem se auto premiar com altos salários, jogando a conta para o usuário que paga a tarifa. Não a toa, o salário (ou pró-labore) dos cargos de direção é tão acima da média das outras categorias R$ 11.074,68, bem como o ticket R$ 2098,80. Uma redução do pró-labore para uma faixa aceitável (redução de 50%) também contribuiria bastante para a redução do custo total do sistema, e da tarifa de ônibus.

Considerações finais

A revisão aqui proposta dos três principais componentes da tarifa de ônibus garante de imediato uma redução da tarifa na ordem de 19,39%, chegando ao valor de R$ 1,8137. Ressalte-se que a análise, que se centrou apenas sobre os itens combustível, rodagem e pessoal, pode ser feita para os demais elementos que compõem a tarifa.

A análise do cálculo de depreciação e remuneração da frota, por exemplo, apresenta, a priori, falhas que podem garantir uma redução ainda maior dos custos do sistema. Ocorre que é atribuído um único valor, na ordem de R$ 243.126,67 para todos os veículos. Quando na verdade, existem veículos bastante diferenciados, e com valores muito menores do que esse alegado, sobretudo os Midi e Microônibus. Contudo, para a realização dessa análise, é necessária a avaliação dos documentos de todos os veículos da frota.
Por essa razão, reforçamos o pedido de realização de uma auditoria com participação popular dos custos e lucros das empresas. Apenas dessa maneira será possível conhecer na essência o custo real do sistema de transporte coletivo da Grande Aracaju.
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[1] GEIPOT/MT (1994) “Cálculo de Tarifas de ônibus Urbanos. Instruções Práticas Atualizadas”, 2ª ed. Brasília, DF, Brasil.

[2] OLIVEIRA, Gilmar S. de (2004) Análise do Consumo de Combustível de Ônibus Urbano. Tese de Mestrado COPPE/UFRJ – Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

[3] EPTC – Empresa Pública de Transporte e Circulação (2003). Revisão dos coeficientes de consumo e índices de uso da planilha tarifária de porto alegre. Porto Alegre, RS, Brasil.

Postado por às 00:11

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