Uma imagem histórica, Pelé na Copa de 70

Mauro Ventura – O Globo

O sujeito que fez a foto de esportes mais reproduzida do mundo (abaixo) deveria estar milionário. Mas ele trabalhava na revista “Manchete”, que não cuidava bem do acervo. Também nunca se preocupou em guardar suas fotos. Um dos mais importantes fotojornalistas da história do Brasil, Orlando Abrunhosa, personagem desta semana da coluna Dois Cafés e a Conta, igualmente não se importava muito com a autoria das imagens.

– Na época em que comecei, nos anos 1960, publicavam as fotos sem o crédito do fotógrafo. Eu mesmo não ligava muito para o crédito – diz ele, autor de um sem número de capas de discos da MPB, de artistas como Chico Buarque, Elis Regina, Dorival Caymmi, Maria Bethânia, Gal Costa, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Alcione, Jair Rodrigues e Jorge Ben Jor.

Também não ajudou a aversão de Orlandinho, como é mais conhecido, aos holofotes.

– Se apontarem uma câmera e eu vir que estou dentro do quadro, saio fora. Quantas fotos minhas eu tenho com os artistas que fotografei? Nenhuma.

Ele só aceitou ser tema de filme – junto com sua foto mais famosa – porque o diretor é Zé José, de quem gosta e a quem admira. Na editora Bloch, Abrunhosa ajudou a revolucionar a linguagem fotográfica, com suas fotos pensadas e criativas, feitas com luz ambiente. Um exemplo foi uma reportagem sobre a China, nos anos 70. A ideia era retratar o país como o dragão do ano 2000. Ele viu uma moça punk com o cabelo colorido e conseguiu clicá-la na praça em frente à Cidade Proibida, com o retrato de Mao-Tsé-Tung ao fundo. A foto ocupou duas páginas da revista.

Ele vive há 52 dos seus 72 anos num casa modesta no Morro do Pinto, em Santo Cristo, no Centro do Rio. Em outras três casas ao lado, moram parentes.

– É tudo família. As portas e janelas ficam abertas, deixo o carro aberto, ninguém mexe. Todo mundo me conhece aqui.

Abaixo a reportagem com Mauro Ventura para a coluna “2 chás e a conta”.

Dois chás e a conta com Orlando Abrunhosa

Autor da foto símbolo do tricampeonato mundial de futebol vira filme, se lança na música e diz que pouco ganhou com a imagem

Orlando Abrunhosa Foto: Foto de Mauro Ventura

Orlando AbrunhosaFOTO DE MAURO VENTURA

A imagem entrou para a História. Pelé socando o ar, comemorando seu gol, seguido por Tostão e Jairzinho. Apelidada de “Três no tri”, ela simboliza a conquista do tricampeonato mundial de futebol, na Copa do México, em 1970. “É a foto esportiva mais publicada no mundo”, diz o jornalista e cineasta Eduardo Souza Lima, o Zé José, que exibe amanhã no Odeon, às 21h30m, “Três no tri”, no festival Curta Cinema. 

O curta, vencedor do IV CINEfoot, conta a história da foto e de seu autor, Orlando Abrunhosa, então na Bloch, onde brilhava na “Manchete” e na “Fatos & Fotos”.

 

Ele também reinava nas capas de disco: Chico (“Meus caros amigos”), Elza Soares, Elis, Caymmi, Jorge Ben Jor, Alcione, John Denver, Paul Mauriat, Gonzagão. “Na dos Doces Bárbaros, sugeri a Gil, Caetano, Gal e Bethânia se deitarem no chão e encostarem as cabeças. Fotografei de cima”, diz esse paraense de 72 anos, morador do Morro do Pinto, que sempre gostou de cantar, chegou a ter a música “Perigo” (dele e Tania Quintiliano) gravada por Evinha e há pouco lançou seu primeiro CD, o independente “Agora é minha vez”, de sambas, disponível em [email protected].

 

Como você virou fotógrafo?

– Eu era fã de Orlando Silva, Nelson Gonçalves, Angela Maria, Elizeth Cardoso. Vivia no auditório das rádios Nacional e Mayrink Veiga. Um dia, ao visitar meu irmão, que trabalhava no laboratório fotográfico da “Manchete”, encontrei meus ídolos no corredor. Quis fazer estágio para ficar perto deles. Comecei como faxineiro do laboratório, seis meses depois passei a aprendiz do laboratorista, com dois anos já era laboratorista e com três virei fotógrafo. Foi difícil, porque na época o que se valorizava era o flagrante. O grande fotógrafo era o paparazzo. E aí o superintendente via meu 1,60m e meus 48 quilos e dizia: “Se os outros fotógrafos entrarem na frente dele, como esse cara vai fotografar? Pulando?” Mas passei a fazer fotos pensadas, produzidas, com luz ambiente. Experimentei, usei efeitos e deu certo.

 

E o que você fazia antes de virar fotógrafo consagrado?

– Cheguei ao Rio aos 9 anos, sem saber ler nem escrever. Comecei a estudar e, ao sair da aula, ia para um ponto de lotação, limpar os veículos. Pegava uma escovinha e ficava varrendo de joelhos. Depois fui montar sapato numa fábrica. Saía de casa às 5h, chegava à fábrica às 7h30m e trabalhava até 17h. Ia para o curso supletivo e ficava até 22h. Chegava em casa após meia-noite e ainda estudava. Muitas vezes perdia o último ônibus para voltar para casa e tinha que dormir num coletivo parado no ponto.

 

Na hora da foto você percebeu que fizera algo histórico?

– Não. Ela foi publicada ainda durante a Copa, na capa da revista francesa “Paris Match”. Pensei: “Fiz uma foto igual. Mas essa é colorida, e fiz em PB.” Mas era mesmo a minha. A agência “Manchete Press” distribuiu a foto, a “Paris Match” coloriu e publicou. Ela passou a representar a conquista do Taça Jules Rimet. Ninguém lembra que é do primeiro jogo, contra a Tchecoslováquia.

 

Como foi fazer a foto, que foi capa da “Fatos & Fotos”?

– Dei sorte porque após o gol os três vieram na minha direção. Francamente? Gosto da foto, por causa da expressão de Pelé, mas outro fotógrafo poderia ter feito. Era só estar onde eu estava, dar a sorte que dei e ter a técnica. Mas é um flagrante, não tem criatividade. Não é o que eu planejei. Eu queria usar o zoom para sugerir movimento. Então, mirei na cara do Pelé, mas não deu certo, porque era muito difícil sincronizar a velocidade com a puxada de zoom. Se conseguisse, teria a explosão, o tchan, o impacto maior, com o efeito de Pelé vir em movimento para você.

 

Era para você ter ficado rico com esta foto…

– Quando saiu nas revistas “Time” e “L’Equipe”, ainda ganhei alguma coisa. Mas ela é reproduzida no mundo todo, sem que eu receba. Virou até selo. Estou brigando há 22 anos com a Embratur, que fez 800 mil pôsteres. Ela também é vendida na internet, por 350 euros. O arquivo da “Manchete” era uma bagunça. Se desde o início eu guardasse minhas fotos, viveria muito bem.

 

E-mail: [email protected]

 

 
Redação

3 Comentários

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  1. TRIO DE OURO

    Tostão, Pelé e Jairzinho. Um trio de atacantes de sonho. E ainda tinham como coadjuvantes, Gérson e Rivelino.  Um time que tinha esses  jogadores só podia ser campeão. Acho que jamais teremos um ataque como esse da seleção de 1970 em nossa seleção canarinho.

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