UMA LEITURA SEMPRE NECESSÁRIA

Como ler o capital – Louis Althusser

O Capital foi publicado há um século(1867). Continua sempre novo, mais do que nunca atual e de uma atualidade queimante.

Os ideólogos burgueses, mesmo se são “economistas”, “historiadores”, ou “filósofos” passaram seu tempo, há cerca de um século tentando “refutá-lo”.

Declararam que as teorias do valor trabalho, da mais-valia, e da lei do valor são teses “metafísicas” que nada têm a ver com a economia “política”. Efetivamente, elas nada têm a ver com a economia “política” deles. O último destes ideólogos é Raymond Aron. Literialmente, ele repete velharias quando, acredita inventar novidades.

Aqueles entre os proletários que lêem O Capital podem compreendê-lo mais facilmente do que todos os especialistas burgueses, por mais “cultos” que sejam.

Porque?
Porque o Capital fala pura e simplesmente da exploração capitalista da qual eles são as vítimas. O Capital desmonta e demonstra os mecanismos desta exploração que os operários sofrem todos os dias, sob todas as formas que a burguesia põe em ação: aumento da jornada de trabalho, intensificação da produtividade, das cadências, diminuição dos salários, desemprego, etc. “O Capital” é de fato seu livro de classe.

Além dos proletários outros leitores levam O Capital a sério: trabalhadores assalariados, empregados, quadros, etc e de uma maneira geral alguns dos que chamamos “trabalhadores intelectuais” (professores, pesquisadores, engenheiros, técnicos, médicos, arquitetos, etc.) sem falar dos jovens dos liceus e estudantes. Todos estes leitores, ávidos de saber, desejam compreender os mecanismos da sociedade capitalista, para orientar-se na luta de classes, lêem O Capital, que é a obra científica e revolucionária que explica o mundo capitalista; lêem Lênin que prolonga Marx, e explica que o capitalismo chegou a seu estágio supremo: o imperialismo.

Duas dificuldades:

Dito isto, não é fácil para todo mundo ler e compreender O Capital.

É necessário saber,de fato, que esta leitura apresenta duas grandes dificuldades: uma dificuldade n° 1, política, que é determinante; e uma dificuldade n° 2, teórica, que é subordinada.

A dificuldade n° 1 é política. Para “compreender” O Capital, é necessário, ou bem (como os operários) ter a experiência direta da exploração capitalista, ou então como os militantes revolucionários, (quer eles sejam operários ou intelectuais) ter feito o esforço necessário para chegar “às posições da classe operária”. Os que não são nem operários nem militantes revolucionários, mesmo se são muito “cultos” (como os “economistas”, “historiadores” e “filósofos”), devem saber que o preço a pagar por esta compreensão é uma revolução em sua consciência, massiçamente dominada pelos preconceitos da ideologia burguesa.

A dificuldade n° 2 é teórica. Ela é secundária com relação à dificuldade n° 1, mas é real. Os que têm o hábito de trabalhar na teoria, antes de tudo os cientistas das várias ciências (as Ciências humanas são em cerca de 80% falsas ciências, construções da ideologia burguesa), podem superar as dificuldades que provêm do fato de que O Capital é um livro de teoria pura. Os outros, por exemplo, os operários, devem realizar um esforço contínuo,a tento e paciente para aprender a avançar na teoria. Nós os ajudaremos. E eles verão que esta dificuldade não está acima de suas forças.

Que eles saibam apenas, por ora:
1 – Que O Capital é um livro de teoria pura: que ele faz a teoria do “modo de produção capitalista, das relações de troca que lhe pertencem” (Marx), que o Capital tem portanto um objeto “abstrato” ( que não se pode “tocar com as mãos”); que ele não é portanto um livro de história concreta ou de economia empírica, como o imaginam os “historiadores e os economistas”;

2 – Que toda teoria se caracteriza pela abstração de seus conceitos, e o sistema rigoroso de seus conceitos; que é necessário portanto aprender a praticar a abstração e o rigor; conceitos abstratos e sistemas rigorosos não são fantasias de luxo, mas os instrumentos mesmos da produção dos conhecimentos científicos, exatamente como os instrumentos, máquinas e sua regulação de precisão, são os instrumentos da produção dos produtos materiais, automóveis, transistores, etc.

Tomadas estas precauções, eis aqui alguns conselhos práticos elementares para a Leitura do Livro I do Capital.

As maiores dificuldades teóricas e outras, que constituem obstáculos para uma leitura fácil do Livro I do Capital estão infelizmente (ou felizmente) concentradas no começo mesmo do Livro I, muito precisamente em sua Seção I, que trata da mercadoria e da moeda.

Mais valia e horas suplementares…

Dou portanto logo o conselho prático seguinte: começar a leitura do Livro I pela Seção II (A transformação do dinheiro em capital.)

Não se pode, a meu ver, começar(e apenas começar) a compreender a Seção I sem após ter lido e relido todo o Livro I a partir da Seção II.

Este conselho é mais do que um conselho: é uma recomendação que eu me permito apresentar como uma recomendação imperativa.

Qualquer um pode ter disto uma experiência prática.

Se começamos a ler o Livro I, por seu começo, isto é, pela Seção I, ou nós nos cansamos e o abandonamos; ou então acreditamos compreender, o que é ainda mais grave, porque temos fortes chances de compreender sem dificuldade alguma, por que é pura e compreender.

A partir da Seção II (A transformação do dinheiro em capital) as coisas são luminosas. Penetra-se então, diretamente no coração do Livro 1. Este coração, é a teoria da mais valia, que os proletários podem compreender sem dificuldade alguma, porque é pura e simplesmente teoria científica daquilo de que eles têm, a experiência cotidiana: a exploração de classe.

Seguem-se logo duas seções muito densas, mas muito claras, e decisivas para a lutade classes, hoje mesmo: a Seção III e a Seção IV. Tratam das duas formas fundamentais da mais-valia, de que dispõe a classe capitalista para levar ao máximo a exploração da classe operária: o que Marx chama a mais-valia absoluta e a mais-valia relativa.

A mais valia absoluta (SeçãoIII) diz respeito à jornada de trabalho. Marx explica que a classe capitalista conduz inexoravelmente ao aumento da duração da jornada de trabalho, e que a luta da classe operária, mais do que centenária, tem como objetivo arrancaruma diminuição da duração da jornada de trabalho, lutando contra este aumento.

Historicamente conhece-se as etapas desta luta encarnecida: jornadade 12 horas, de 10 horas, depois de 8 horas, e finalmente, com a Frente Popular, de 40 horas. Infelizmente, sabe-se também que a classe capitalista usa de todas as suas forças e de todos os seus meios, legais e para-legais, para prolongar a jornada de trabalho real, mesmo quando ela foi obrigada a limitá-la no plano legal, depois das leis sociais conquistadas com grande luta pela classe operária (exemplo:1936).

Uma palavra sobre as “horas suplementares”. Segundo os horários, elas são pagas a 25h, 50h e mesmo 100h acima da tarifadas “horas normais”. Aparentemente, elas parecem “custar caro” ao patronato. Na realidade, elas são vantajosas para ele. Porque permitem aos capitalistas fazer funcionar até 24 horas sobre 24 horas máquinas muito caras, que é necessário amortizar o mais depressa possível, antes que sejam superadas por novas máquinas ainda mais eficazes, que a tecnologia moderna lança sem cessar no mercado. Para o proletariado, as “horas suplementares” são exatamente o contrário de um “presente” que lhe daria o patrono. Elas dão sem dúvida um suplemento de renda aos operários que dele estão precisando, mas arruínam sua saúde. As “horas suplementares” nada mais são portanto, sob suas aparências enganosas, do que uma exploração suplementar dos operários.

Passemos agora à Seção VI do Capital (Produção da mais-valia relativa). É uma questão queimante.

A mais-valia relativa (Seção IV) é a forma n° 1 da exploração contemporânea. É muito mais sutil. Ela diz respeito ao aumento do equipamento mecânico da indústria (e da agricultura), portanto sobre a produtividade que dela resulta. O crescimento da produtividade (espetacular desde cerca de 10 a 15 anos) se exerce não apenas pela introdução de máquinas cada vez mais aperfeiçoadas, permitindo produzir a mesma quantidade de produto sem um tempo duas,três ou quatro vezes inferior, mas também pela intensificação do ritmo de trabalho (as cadências).

É de tudo isto que Marx trata na Seção V. Ele demonstra os mecanismos da exploração pelo desenvolvimento da produtividade em suas formas concretas; e demonstra que jamais o desenvolvimento da produtividade pode beneficiar espontaneamente a classe operária, já que ele é feito precisamente para aumentar sua exploração.

O que pode fazer a classe operária, como no caso da duração do trabalho, é lutar contra todas as formas da exploração pelo desenvolvimento da produtividade, para limitar o efeito destas formas (luta contra as cadências, contra a intensificação dos ritmos, contra a supressão de certos postos de trabalho, por tanto contra o “desemprego da produtividade” etc.). Marx demonstra de maneira absolutamente irrefutável que os trabalhadores não podem esperar se beneficiarem duravelmente do desenvolvimento da produtividade antes da tomada do poder pela classe operária e seus aliados; que até aí eles podem apenas lutar para limitar seus efeitos, portanto contra a exploração que é seu fim, numa luta de classes encarnecida.

O leitor pode então, rigorosamente, omitir provisoriamente a SeçãoV (Pesquisas ulteriores sobre a mais valia) que é muito técnica, e passar diretamente à Seção VI sobre os Salários.

Produtividade e luta de classes

Aí ainda, os, operários estão literalmente em casa, já que Marx examina, além da mistificação burguesa que declara que o “trabalho” do operário é pago “pelo seu valor”, as diferentes formas do salário, salário a hora primeiro, depois salário por produção, quer dizer as diferentes armadilhas em que a burguesia tenta prender a classe operária para destruir nela toda vontade de luta de classes.

Aí,os proletários reconhecerão que a questão do salário, ou como dizem os ideólogos burgueses, a questão do “nível de vida” é em última instância uma questão de luta de classes (e não uma questão de desenvolvimento da “produtividade” da qual os operários “deveriam” se beneficiar” naturalmente”).

Como conclusão das SeçõesII-VI, os proletários reconhecerão que sua luta de classes no domínio econômico só pode ser uma luta de classes contra as duas formas principais da exploração que são a tendência inelutável do sistema capitalista para:

1) Aumentar a duração da jornada de trabalho; 2) Diminuir o salário.
Os dois objetivos (e palavras de ordem) fundamentais da luta de classes proletária e conômica contra a exploração capitalista são portanto diretamente antagônicas com os objetivos da luta de classes capitalista;

1) Contra o aumento da duração do trabalho; 2) Contra a diminuição dos salários.
Seres saltamos que a luta de classes econômica era uma luta contra o aumento da jornada de trabalho e contra a diminuição do salário, foi para marcar bem estes três princípios fundamentais:

1) É uma ilusão entretida pelos reformistas deixar crer que o salário pode ser aumentado no regime capitalista, pelo simples fato de que a produtividade aumenta. E mascarar a tendência inelutável do capitalismo que é pela diminuição do salário. Os militantes devem lembrar esta tendência a seus camaradas de trabalho. No regime capitalista toda luta em torno dos salários é uma luta contra esta tendência para a diminuição. Bem entendido, toda a luta contra a diminuição do salário é, ao mesmo tempo e também, uma luta pelo aumento do salário existente;

2) Se os reformistas mascaram este fato é que eles escamoteiam a luta de classes- A questão da luta contra o aumento da duração da jornada de trabalho e contra a diminuição do salário é não uma questão de desenvolvimento da produtividade, mas uma questão de luta de classe: muito precisamente de luta de classe econômica;

3) A luta de classe econômica está limitada nos seus efeitos porque é uma luta defensiva contra a agravação da exploração econômica, que é a tendência inelutável do capitalismo. A única luta de classes que pode transformar a luta econômica defensiva (contra as cadências,contra as supressões de postos, contra a diminuição do salário, contra a arbitrariedade dos primes, etc.) em luta ofensiva, é a luta de classes política. A luta de classes política têm como objetivo último a revolução socialista. Uma luta de classes política englobando a luta econômica,é a luta dos militantes revolucionários, a luta pela revolução socialista.

Tudo isto está perfeitamente claro no próprio Capital sebem que a distinção entre a luta de classes econômica e a luta de classes política não seja desenvolvida aí em si mesma. Nós a encontramos exposta muito claramente nos continuadores de Marx, antes de tudo em Lênin (em Quefazer?) e em todos os outros dirigentes revolucionários (Maurice Thorez muito insistiu neste ponto).

Perspectiva revolucionária alguma é possível sem o primado da luta política sobre a simples luta econômica. A simples luta econômica “apolítica” conduz ao economicismo, quer dizer à colaboração de classes. Em compensação o primado da luta pOlítica que desprezaria a luta econômica e a negligenciaria conduziria ao voluntarismo quer dizer, ao aventureirismo.

Esta luta de classes deve ser conduzida no plano nacional, levando em conta as particularidades da situação nacional, mas como uma parte da luta de classe internacional. Não esquecer que em 1864, três anos antes do Capital, Marx e os militantes revolucionários da época tinham fundado a Primeira Internacional, replica proletária à Internacional Capitalista de fato, que domina o “mercado mundial”.

“Bola de neve” e Massacres

Depois da Seção VI sobre o salário, osleitores poderão passar à Seção VII (A acumulação do capital) que é muito clara. Marx nela explica que a tendência do capitalismo consiste em transformar sem cessar em capital a mais-valia extorquida dos proletários, portanto que o Capital não deixa de fazer “bola de neve”, quer dizer, de ser e produzir numa base cada vez mais ampla,a fim de extorquir sempre mais sobre trabalho (maisvalia) aos proletários. Esta tese é ilustrada pelo magnífico exemplo da Inglaterra de 1846 a 1866. Sabemos desde Lênin que esta reprodução do capitalismo tomou, desde o fim do século XIX, a forma do imperialismo: interpretação do capital bancário e do capital industrial, formação do capital financeiro e superexploração direta do “resto do mundo” sob as formas do colonialismo, acarretando as guerras coloniais, em seguida as guerras inter-imperialistas, que mostraram a todos, de maneira irrecusável, que o imperialismo doravante entrou na fase de sua agonia, já que as duas grandes guerras mundiais tiveram entre outras”consequências “a Revolução russa (1917), a instauração das democracias populares, em seguida a Revolução Chinesa(1949).

Quanto à Seção VIII (A acumulação primitiva) que fecha o Livro I do Capital, ela contém uma descoberta de enorme importância. Marx denuncia aí a mistificação burguesa que explica tranquilamente o nascimento do capitalismo pela… poupança, do primeiro capitalista que teria trabalhado e colocado o dinheiro de lado para constituir o primeiro capital Marx demonstra que na realidade o capitalismo só pode nascer nas sociedades ocidentais após uma enorme acumulação de dinheiro entre alguns homens ricos e que esta acumulação foi o resultado brutal de séculos de pilhagem, de expedições,de roubos, de rapinas e massacres de povos inteiros (por exemplo os descendentes dos Incas e outros habitantes do fabuloso Peru rico em minas de ouro). Ora, esta tese marxista sobre as origens históricas do capitalismo continua sempre de uma queimante atualidade. Porque o capitalismo funciona relativamente sem massacre nos países “metropolitanos”, ele pratica sempre os mesmos métodos de roubo, de pilhagem, de violência e de massacres no que se chama suas “margens” que são os países do “Terceiro Mundo”: América Latina, Africa, Asia. Os massacres americanos no Vietnã são hoje mesmo a prova da verdade que Marx expõe na Seção VIII a propósito daslongínquas origens do capitalismo.

Mas a situação mudou inteiramente. Os povos não se deixam mais massacrar: aprenderam a se organizar e a se defender, entre outros por que Marx e Lênin e seus sucessores, educaram os militantes revolucionários da luta de classes. E é porque o povo vietnamita está em vias de alcançar no terreno a Vitória contra aagressão da maior potência militar do mundo, graças à guerra popular que ele realizou sob a direção das organizações que produziu.

Se desejamos ler O Capital, ler Lênin (e particularmente- “algumas conclusões” que terminam a Doença Infantil, quando falam diretamente das condições da Revolução Socialista nos países capitalistas ocidentais) saberemos tirar a lição e concluir que numerosos dentre nós verão em nossa vida mesmo, a Revolução em nosso próprio pais.

http://orientacaomarxista.blogspot.com/2009/09/como-ler-o-capital-louis-althusser.html


Redação

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