Uma PEC contra o golpe de Estado no país dos golpistas, por Luis Nassif

PEC apresentada pelos deputados federais Henrique Fontana e Paulo Teixeira, obrigando a realização de eleições em qualquer caso de impedimento, interrompe a sangria do golpismo

Nunca houve tradição democrática da América Latina. Depois do período das ditaduras militares, o curto interregno democrático foi contaminado por outras formas de golpismo. Bastava um presidente, governador ou prefeito enfraquecido perante o legislativo, ou perante a chamada opinião pública, para ser alvo de um conluio político-juridico-midiático. Especialmente se o vice fosse pouco confiável.

A mídia iniciava a campanha de denuncismo. O aparato jurídico entrava na parada, através de juízes, procuradores e policiais. Encontrava-se um álibi jurídico qualquer para se dar início ao processo de impeachment.

No Brasil, o primeiro caso conhecido foi de Fernando Collor; na Venezuela, de Carlos Andrés Pérez, ambos de direita (para quem gosta de enquadramentos simples).

O episódio Collor mostrou a novo poder que surgia, o da mídia. Dali em diante, não houve presidente que não sofresse processos de desestabilização. A fisiologia, o tomá-lá-dá-cá, a subordinação da política ao que de pior havia, foi devido ao enfraquecimento acelerado do seu poder, por influência direta dessa conspiração.

Mais do que por idiossincrasias ideológicas, o enfraquecimento do Presidente abria espaço para jogadas oportunistas de ampliação do poder dos agentes envolvidos.

A campanha do impeachment de Collor consagrou novas celebridades, que pouco tempo depois foram degoladas pelo monstro que ajudaram a criar, com sua exploração intermitente do denuncismo.

No início do segundo mandato, FHC foi alvo de campanha semelhante liderada pelo vestal Antonio Carlos Magalhães. Foi o enfraquecimento da Presidencia que fé-ló apelar para o mais suspeito agrupamento político da era  moderna, o grupo que juntou Michel Temer, Eliseu Padilha, Moreira Franco e Geisel Vieira Lima. FHC só não caiu porque selecionou um vice-presidente honrado, o pernambuco Marcos Maciel, e entregou todos os anéis

Esse mesmo jogo de desestabilização voltou com o “mensalão”, uma aberraçao jurídica em cima de uma prova falsificada, o desvio que nunca houve da Visanet, uma fraude cometida pela nata do Ministério Público Federal, o ex-procurador Joaquim Barbosa e os Procuradores Gerais Antônio Fernando de Souza e Roberto Gurgel.

Lula resistiu por sua habilidade política, carisma e um vice-presidente honrado. Mas, dos escombros do mensalão, ressurgiu a mesma quadrilha de Michel Temer, renascida das entranhas do Supremo Tribunal Federal e da PGR.

O mesmo processo se repetiu com Dilma Rousseff, no episódio das pedaladas. E o álibi do STF foi uma farsa. Endossou o golpe porque Dilma tinha perdido as condições de governabilidade. Ora, perdeu, em parte, devido ao fato do STF permitir ao Congresso colocar no poder um vice-presidente que participava do golpe. Uma posição legalista do Supremo obrigaria as forças políticas a se compor e a própria Dilma a corrigir os enormes erros cometidos. Mas preferiu-se colocar na presidência um político negociata, cuja plataforma era o oposto daquela que elegeu o Presidente. Foi um golpe em cima do eleitor.

Dos agentes da instabilidade política, lideranças do PSDB foram degoladas; Sergio Moro revelou-se aceitando o Ministério e a Lava Jato desnudou-se com a história da fundação para administrar R$ 2,5 bi.

Agora se repete essa manobra com o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivela. Não conheço sua administração e abomino qualquer forma de mistura de religião e política. Mas há tempos vem sendo alvo das mesmas manobras midiáticas que torpedearam outros governantes do Rio e do Brasil.

Por tudo isso, a PEC que está sendo apresentada pelos deputados federais Henrique Fontana e Paulo Teixeira, obrigando a realização de eleições em qualquer caso de impedimento, visa interromper essa sangria do golpismo, que não tem poupado prefeitos, governadores e presidentes. Até poderá beneficiar, de imediato, o inacreditável Jair Bolsonaro. Mas, pelo menos, colocará um freio à sanha golpista nacional.

Assista aqui: Nassif entrevista Paulo Teixeira e Henrique Fontana sobre PEC antigolpe

Luis Nassif

22 Comentários

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  1. Já combinaram com os Irmãos Marinho da Globo? Achas que eles vão mudar de ideia depois de gerenciar magistralmente o mais novo golpe?
    Responsabilidade de governar eles não querem; mas jamais vão abrir mão cândida e pacificamente do poder de dar golpes.

  2. Esta PEC visa conter o golpismo? Ela irá facilitá-lo.
    Infelizmente, se é com esta esquerda que nós podemos contar, de fato, nós estamos perdidos. É de pasmar como estes sujeitos não têm nenhuma visão.
    Um dos motivos de Lula não ter caído não foi só a lealdade de José de Alencar. Foi sim o fato de que Alencar era muito mais infenso ao capital financeiro do que o próprio Lula. Como levar os dois não era tarefa tão simples, este foi um dos motivos de terem segurado a onda.
    Mas se uma PEC delirante como essa já tivesse sido aprovada, o PT teria saído do poder em 2005.
    É inacreditável como um partido político que foi a conjunção do pensamento de esquerda brasileiro possa ter se tornado tão fraco, possa formular “estratégias” tão tacanhas, tão primárias, que não resistem a menor reflexão.
    O que nos resta é torcer para o Bolsonaro se atrapalhar sozinho, porque se dependermos do PT, meus caros, nós estamos com os burros n’água.

    1. Não tenho opinião fechada, aunda, quanto a isso. Mas você foi tão enfático que impressionou, só que não esclareceu. Pode explicitar os argumentos contrários e porque considera a proposta tão estúpida? Obrigada.

      1. Arthemisia, se esta proposta passar, a chance de um governo de esquerda terminar seu mandato na presidência é nula. Vão desestabilizar o mandatário e convocar novas eleições. E aí ficaremos assim: a direita conclui o mandato, a esquerda, nunca.
        Esta não é uma PEC anti-golpes, é facilitadora deles. Esta PEC, na verdade, é uma PEC anti-vice.

        P.S.: Se o problema é com vices, bastaria não ter escolhido um Michel Temer. Todo mundo sabia quem ele era.

    2. Talvez a proposta deva incluir novas eleições GERAIS na esfera correspondente, federal, estadual ou municipal.

      Cai um, caem todos. É mais ou menos isso que acontece nos países sérios (Parlamentaristas)

    3. Talvez a proposta deva incluir novas eleições GERAIS na esfera correspondente, federal, estadual ou municipal.

      Cai um, caem todos. É mais ou menos isso que acontece nos países sérios (Parlamentaristas)

  3. Sempre o fator Globo. Se o Crivella cair, não será por sua notória incompetência e por misturar religião com política, mas por causa da guerra de quadrilhas entre os irmãos Marinho e o Edir Macedo, tio do alcaide.

  4. Ótimas iniciativa e proposta, impedirão que vices mal intencionados assumam o poder, pois todos sabemos que na maioria das vezes, seja em cargos federal, estadual ou municipal as parcerias são fisiológicas e vices competentes são de extrema raridade. Abraços.

  5. O problema é que a constituição de 88 criou um sistema que mistura parlamentarismo e presidencialismo
    .essa ideia de eleição em qualquer momento não ia adiantar muito. Pegue s queda da dilma: quem seria eleito era muito provavelmente Aécio Neves. Acho que o caminho menos ruim seria obrigar que presidente e vice fossem do mesmo partido pra evitar que o país eleja uma proposta x e no caminho seja aplicada uma anti x ou então já torna o país parlamentarista. Mas lembro que o que importa é menos o regime e mais á qualidade de nossa elite , que nunca foi de primeira e hoje é de quinta.

  6. Precisava impor que o congresso caisse junto e que nao pudessem ser candidatos na nova eleição. A unica forma de por responsabilidade nessa turma é eles perderem também a MAMATA

  7. Isso é fazer política. Até que enfim o Pt resolveu agir da maneira em que se pode contar com adversários em questoes de interesse do partido. Parte o psl quer porque não quer ver mourão no lugar de jair. Soma-se as forças, mesmo que por interesses diversos e fortalece-se a democracia. Neste mesmo caminho, pode-se afirmar que o Pt está perdendo uma grande oportunidade de eliminar uma adversária terrível, a globo. Tantos petistas quantos bolsonaristas odeiam a globo. Não seria a hora de colocar em prática uma campanha anti-globo pra população em geral, denunciando tudo de mal que este câncer informativo tem feito ao brasil?

  8. O Caso Bolsonaro é enigmático. Acho que em apenas 100 dias de mandado o cara cometer tantas barbaridades seguidas como ele e sua turma comete só pode ser tudo premeditado. Ou seja, em sabendo que não tem as mínimas condições para governar porque trata-se de um incompetente, Bolsonaro aposta tudo na sua deposição. Bolsonaro com esse seu modus operandi sinaliza que não esperava ganhar as eleições e portanto o fardo lhe pesa demais.

  9. PESQUISA GGN:Quantos de vcs receberam sugestão de vídeos do Kajuru descendo a lenha no Gilmar pelos ALGORITMOS DO YOUTUBE!???
    Obs:Eu sou um q recebo direto “do nada!”

  10. Ao trecho do texto que diz “(…) a Lava Jato desnudou-se com a história da fundação para administrar R$ 2,5 bi” acrescente-se o seguinte: e com o acordo de leniência com a Odebrecht (a criação de uma conta judicial de 8,5 milhões sob responsabilidade da 13ª Vara Federal de Curitiba, para que o dinheiro fique à disposição do MPF).

  11. Nassif, três pontos:

    1 – Ao contrário do que sugere a imagem, não é golpismo alguém expressar seu descontentamento com um governo e exigir a saída de um governante. É o mais puro direito à expressão da opinião. Isso é importante porque uma boa parte da esquerda acha que dizer “Fora Bolsonaro” é golpista, quando na verdade não há posição mais razoável do que exigir a saída desse governo. Inclusive, é a voz do povo, como ficou patente no carnaval, e é exatamente a palavra de ordem que combate o golpe. Dizer que “Fora Bolsonaro” é golpismo é a armadilha que paralisa a esquerda mais beata. Nós estamos SOB o golpe de estado, mas a esquerda de forma geral se emporcalhou na eleição de 2018 e não tem mais como dizer coisa com coisa. (Eleição sem Lula é fraude? – bom, todos participaram da fraude, estão FRAUDADOS).

    2 – O golpe de 1964 é a demonstração cabal de que a questão central da política é a luta pelo poder. Em um regime político burguês, como o nosso, a palavra final sempre será da burguesia (banqueiros, financistas nacionais e internacionais, donos da mídia). Quando a burguesia sofrer a mínima ameaça de ser alijada do controle central, o efeito será um golpe CONTRA a constituição, de forma que provoca ternura a tentativa dos deputados de conter o golpismo brasileiro (sanguinário, imoral, ademais) adicionando algumas linhas a um texto que, a bem da verdade, já é roto (não é mesmo, prisão em segunda instância?).

    3 – O “constitucionalismo”, parafraseando Lenin, não passa de uma ilusão. O que existe é a luta política entre grupos antagônicos que disputam o poder. Inclusive, a esquerda é irrelevante hoje porque não disputa o poder, não tem política. Não dá para deixar de notar um certo “desejo de complexidade”, que acha essa fórmula consagrada historicamente simplista, e nos prestigia com os políticos e políticas os mais bananas possíveis, deixando o que realmente importa nos escapar por entre os dedos.

  12. “Bastava um presidente, governador ou prefeito enfraquecido perante o legislativo, ou perante a chamada opinião pública, para ser alvo de um conluio político-juridico-midiático.”

    Caro Nassif, desculpe mas aqui a relação causa-efeito está trocada: o conluio político-midiático é que parece enfraquecer presidentes, governadores ou prefeitos. A chamada opinião pública é pura criação midiática e aqui podemos incluir, além da tradicionais as mídias recentes como redes sociais, WhatsApp, Facebook etc. E o conluio político, apesar da atividade política ser fundamentalmente pública, é afeito ao poder privado. Quanto ao jurídico em “político-jurídico-midiático”, grande parte dos desembargadores, juízes, promotores têm sido mais políticos e afetos ao poder privado até do que políticos legítimos.

    A ordem está sendo “quem tem dinheiro manda”. Ou seja, o pedido do Mayer Amshel, “deixe-me emitir e controlar o dinheiro de um país que não me importo com suas leis” está sendo atendido. Pelo menos pela turma baseada no dólar dos EUA, como nós.

  13. O que enfraquece a coisa pública, por qualquer critério que se adote, é o poder privado.

    No nível individual um servidor público eleito, concursado ou indicado que se deixe levar pela propaganda ideológica, institucional e mesmo comercial do capitalismo – e propaganda significa mídia – fica enfraquecido, inútil para exercer seu cargo.

    (Em tempo: No Estadão de hoje, a falácia do filósofo Karnal: “Você preferiria ter 1,95m ou ser Zuckerberg, com seus 1,71m?” Ora, alguém pode mudar sua estatura? E quantos efetivamente podem ser zuckerbergs? No plural generalizante e minúsculo, porque Zuckerberg mesmo só o próprio é que pode ser. Na mídia. E é dessa propaganda ideológica, institucional que falo.)

  14. Apenas um detalhe caro Nassif: Crivela é o pior administrador que o Rio já teve.
    Sim, desde o primeiro momento vem utilizando a desastrosa tática de misturar religião e política, sempre buscando favorecer parceiros da sua igreja ou indicados por esta.

  15. Esta PEC , se aprovada , vai virar uma “moção de desconfiança” informal , minha opinião , hoje o “golpe” se dá por se ter um vice no grupo político , com novas eleições a bola ao jogo para todos , vai valer o risco , facções do próprio partido vão tentar tentar derrubar o presidente.

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