Uma pequena aula sobre o modelo chinês, por Luis Nassif

Acima das tendências políticas do PC, há uma visão de desenvolvimento de longo prazo

A história do capitalismo registra vários exemplos de países que se tornaram potências hegemônicas. O primeiro, a Inglaterra conduzindo a primeira revolução industrial. Depois, a segunda revolução, envolvendo potências como Alemanha, França, Japão e Estados Unidos. A hegemonia norte-americana se consolida no pós-Segunda Guerra. E, com a pandemia, entra-se oficialmente na era China.

Ontem entrevistei o geógrafo Elias Jabbour, um dos grandes especialistas em China, que detalhou os pontos centrais do modelo chinês.

O primeiro ponto foi a reforma da grade estrutura de estatais chinesas. Até então, cumpriam função de Estado, de garantir o bem-estar das comunidades onde estavam instaladas. Gradativamente passaram a ser profissionalizadas e voltadas para um plano nacional de desenvolvimento.

Ao mesmo tempo, teve início o processo de criação de uma geração de empreendedores, bastante similar ao da revolução industrial inglesa. Pequenos agricultores, que conseguiam juntar algum capital, eram estimulados a entrar em novos setores.

No início, trabalhavam fundamentalmente como montadores de empresas ocidentais, no período em que a China se converteu no chão de fábrica do mundo. Na última década, passou-se à segunda etapa, da independência em relação à tecnologia ocidental. E, aí, os milhares de chineses que saíram para estudar fora, foram essenciais na montagem de um sistema de inovação.

O Estado chinês reduziu substancialmente a incerteza dos negócios, ao garantir financiamento e compra da produção das empresas. A força do Estado e o planejamento centralizado, além disso, permitiu a construção de grandes projetos nacionais, lembrando os planos trienais da Rússia, logo após a revolução bolchevique.

Essa intervenção reduz substancialmente as incertezas dos negócios. Mas, por outro lado, as incertezas são essenciais para captar os sinais de mercado, impedir a superprodução ou o apoio a atividades ineficazes.

Segundo Jabbour, a maneira encontrada foi o mercado de ações. Não para captação de recursos – já que a oferta de investimentos é abundante na China -, mas para sinalização do desempenho das empresas.

Outro ponto interessante é a maneira como ocorre as mudanças de governo na China. O comando é do Partido Comunista, mas internamente há uma disputa entre uma ala mais interna e outra mais voltada para o exterior – um perfil similar ao dos partidos Democrata e Republicano nos Estados Unidos.

Um dos grandes enigmas é a convivência do sistema político chinês com a ocidentalização da sua sociedade, com o crescimento de uma classe média emergentes e de um empresariado potente e de regiões desenvolvidas gerando novos centros.

Segundo Jabbour, o fator de união é o chamado projeto nacional. Acima das tendências políticas do PC, há uma visão de desenvolvimento de longo prazo. Cada novo governante que assume, tem a responsabilidade de atingir metas decenais dentro dessa visão de longo prazo – seja de aumento das exportações, ou de crescimento do mercado interno.

É essa vontade nacional que mantém governos blindados contra pressão de grandes empresários ou da nova classe média. E que, provavelmente, manterá o poder forte do PC, mesmo com a pandemia segurando os níveis de crescimento do país.

 

 

 

 

 

Luis Nassif

11 Comentários

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  1. A parte mais crucial do desenvolvimento do Estado Chinês é o desenvolvimento de formas de vigilância e controle da população. Sem detalhar esse aspecto a análise fica puramente materialista e cega no mais importante dos pontos: a liberdade de autodeterminação do cidadão chinês. Somando isso ao tema Inteligência Artificial seria possível ter uma visão compreensiva da situação do desenvolvimento do Estado r do povo chinês. Vc sabe como é a vida com 5G? Orwell está se revirando de pânico no túmulo.
    Viu o que está acontecendo no Pacífico Sul? (Austrália 60min tem feito boas reportagens sobre o tema).
    Como a China consegue avançar tecnologicamente? Não é só pelos que foram estudar fora, isso é ingenuidade e ponto que precisa ser melhor aprofundado. Eles são acusados de roubos, espionagem de todos os tipos e ao investir no mercado de ações norte-,americano, por exemplo, pelas regras de transparência do mundo ocidental e democrático, eles passam a ter acesso a informações privilegiadas das empresas, especialmente as de tecnologia, foco para expandirem seu poder. Isso não acontece se você for investir na China.
    E qual é a política para o trabalhador na China?
    Gostaria de falar sobre o enigma apontado no texto, mas o básico é que o governo está fazendo o que pode para vigiar, controlar, punir e manter a visão do partido na vida de todos os chineses. Os milionários que podem sair do país contam atrocidades em entrevistas encontradas no YouTube, e a crescente insatisfação do povo em relação ao controle do PC, ao regime totalitário “comunista”, a completa ausência de instrumentos para que possam escolher, oumesmo o minimo de saber o que está acontecendo, talvez vá explodir, mas com o avanço da AI (hj a China tem mais de um bilhão de câmeras apontadas ao seu povo) a esperança diminui a cada dia? Nao, a cada milissegundo.
    As análises precisam incluir esses fatores fundamentais que dizem respeito a liberdade e acesso a informação e escolha do povo, e tb aprofundar as estratégias do Estado Chinês em contraste com os democráticos, ou falaremos de economia e dinheiro e as vidas passarão sem nossa atenção.
    Tem muita coisa pra consertar no modelo ocidental e no Chinês, não dá pra falar só dá parte dourada de cada um.
    Você, Nassif, seria um dissidente e seu nome já estaria na lista de doação forçada de órgãos provavelmente….

    1. Andre: concordo, como cidadão e como pessoa, com sua preocupação. Mas qual “Estado”, seja da ala dos chinas, seja dos gringos, que não mantem os seus sob cabrestos? As formas podem ser distintas. Mas os métodos se assemelham. Parece que no mundo esse de “liberdade total não passe de Utopia. E lhe dou uma mostra inegável e próxima. Por aqui mesmos, temos um Exército pra quê, senão para manter o Povo de Pindorama sob o comando e ordens vindas do outro hemisfério, dos donos do Quintal onde moramos? E são geniais e tinhosos, com a invenção magnifica da DemocraciaDaBaioneta, onde você pode se manifestar de qualquer forma. Desde que eles e a Elite a quem servem tanto quando ao governo estrangeiro, para o qual batem continência a sua Bandeira. Porque, como já disse ao Nassif, a bala tem sempre a razão…

      Que o artigo e suas observações sejam um “alerta” para todos nós, a partir desse Ano I d.C. (depois do Coronavírus).

  2. Eu não tenho todo esse entusiasmo pela China. Não que eu duvide que ela pode se tornar o centro geopolítico do mundo. Aliás, ela já é a economia mais rica do mundo e os EUA e Europa estão em decadência. A questão é o modelo chinês de superexploração do trabalho, baixos impostos e, em consequência, quase nada de investimento em proteção social. Só assim ela pôde ganhar a disputa mundial na economia, principalmente na indśutria.

    Os defensores da China dizem que, no futuro, a classe média será maioria e a China acabará por construir seu estado do bem estar social. Isto me cheira à máxima do Delfin Neto, que dizia que primeiro o bolo tinha que crescer para depois ser dividido. Se a pobreza absoluta (miséria) diminui na China, a pobreza relativa (desigualdade social) não para de crescer. A imensa maioria dos chineses trabalha em regime quase escravo apenas para pagar as contas: eles não existem como humanos, apenas como máquinas de fazer mercadorias: parece a Inglaterra em fins do século XIX.

    E não vejo nenhum horizonte de diminuição da desigualdade. Nem na China nem em lugar nenhum. E creio que não é um problema de vontade política, mas da situação atual do capitalismo em que só é possível manter a lucratividade da economia real superexplorando o trabalho ou substituindo-o por automação.

    Esse modelo de estado forte e comercialmente agressivo chinês, sem distribuição de renda, eu chamo de keynesianismo selvagem. Já falei sobre isso num artigo publicado aqui no GGN:
    https://jornalggn.com.br/asia-oriente/a-china-e-o-modelo-a-seguir-2/

    1. Inovadoras as análises de Elias Jabbour sobre a economia do “projetamento chines”, que define como um novo modo de produção. Seria uma vitoria do planejamento a longo prazo, só possível pelo Estado. Elias destaca que esse processo é comandado por 97 grandes conglomerados estatais chineses. Que vêm comprando parte do mundo, inclusive do Brasil avesso ao dirigismo estatal…
      Quanto à supremacia chinesa, penso que vai demorar muito tempo ainda, pois os Estados Unidos ainda dispõem de muita estratégias e recursos, para minar os avancos imediatos da China, seja dificultando o acesso a tecnologias, seja insuflando rivalidades e concorrências na Índia, Japão e outros vizinhos, esforços que podem sufocar por muito tempo o Milagre Chinês.
      No entanto, só o fato de retirar 800 milhões da pobreza, 70% desse esforço no mundo, já indica o sucesso espetacular do modelo chinês e seu caráter social evidente. A concentração ocorre em meio à distribuição de riqueza. A formação do imenso mercado interno cria inúmeras possibilidades do dinamismo daquela economia.

  3. Segundo se noticia, em 2019 a CHINA já tinha 381 BILIONÁRIOS e alguns milhares de milionários, indicando que a divisão do poder político interno, hoje, já deve ser dar em outros níveis que não dos tempos dos camaradas Mao e Xiaoping. É fato que o CAPITALISMO chinês, com forte presença e centralização do Estado, já esta com dificuldade pra lidar com este problema tb.
    Precarização do trabalho, envelhecimento e assistência à população tb são outros desafios que, por um tempo, poderão ser compensados com o GANHO DE ESCALA descomunal que aquela economia tem frente aos demais países (afinal, ele detém 18% da população do planeta)
    ..de qq formam pelo desenho, características, pela interdependência daquela Nação frente a inúmeras outras do planeta, me faz crer que a formula adotada, em que pese que em 50 anos ela saiu “das cavernas” pra se tornar a maior economia do mundo, ainda me faz crer que a formula chinesa não é um manual que possa ser copiado e aplicado a qq país, muito menos tratar-se duma pedra filosofal.

  4. O pior é que em nosso País só temos os dois lados negros do Capitalismo Ocidental e Oriental.
    Super-enrequicimento com escravização dos trabalhadores

  5. Correto! A matéria e os comentários aqui, têm lá, suas razões e certezas, no que tange à realidade chinesa.
    Quanto a nós aqui no Brasil, com a CF que temos, que é uma das melhores e mais humanas do mundo, poderíamos ser o povo mais desenvolvido e mais feliz da terra mas, nos falta fraternidade, dignidade, sentimento de respeito a à pátria e de consciência cidadãp; nos falta amor e respeito ao ser humano e à natureza; nos falta amor à pátria e respeito ao estado de direito democrático; nos faltam ética responsabilidade e respeito à CF e às instituições democráticas, pelos ilustres cidadãos dos 03 Poderes, eleitos pelo povo ou nomeados nos termos da CF.
    Também nos faltam um Plano Estratégico de Desenvolvimento Pleno da Nação Brasileira, que leve em conta as peculiaridades regionais e foquem no fortalecimento do mercado interno, na eliminação das desigualdades, da pobreza e da miséria e com visão de futuro, transforme o Brasil de fato, numa grande e respeitável nação;
    Nos faltam também, coragem para ousar e valorizar o trabalhador brasileiro com um Salário Mínimo Justo que, partindo-se do equivalente a U$ 400,00, se projete chegar no fim de 04 anos, a pelo menos, U$800,00 dólares americanos;
    Nos falta seriedade para compreendermos que, uma Política Pública com foco nos Artigos 3°, 4°, 5° e 6° da CF, dentre outros, jamais poderiam ser atacadas por quem quer que seja, sem que esse, fosse punido na forma da CF mas, sim, essas Políticas Públicas podem sim, serem aperfeiçoadas sempre que necessário, para atenderem interesses do povo e do país e não, interesses estranhos;
    Nos falta o entender e ter consciência de que o poder constitucional é seu, conforme o Parágrafo Único do Artigo 1º da Constituição Federal e que, todas as autoridades e demais servidores públicos, são seus servidores e, existem, para promoverem e garantirem o seu bem-estar, a paz social, a justiça imparcial ágil, a segurança pública e a soberania do Estado Brasileiro;
    Finalmente etc, nos falta justiça imparcial em tempo real, isso, é sim, o nosso país o Brasil, historicamente e real, na atualidade.
    No Nordeste se, especialmente em algumas paragens do Ceará, existe um ditado sábio para se tomar decisões frente a assombrações, que diz o seguinte:”se ficarmos parados o bicho pega, se corrermos o bicho come mas, se nos unirmos prá nos defendermos, o bicho foge”
    São essas, as nossas considerações e sugestões sobre o assunto da matéria com foco, na realidade brasileira.
    Sebastião Farias
    Um brasileiro nordestinamazônida

    1. Retificação do antepenúltimo parágrafo, és o corrigido:”Nos falta o povo entender e ter consciência de que o poder constitucional é seu, conforme o Parágrafo Único do Artigo 1º da Constituição Federal e que, todas as autoridades e demais servidores públicos, são seus servidores e, existem, para promoverem e garantirem o seu bem-estar, a paz social, a justiça imparcial ágil, a segurança pública e a soberania do Estado Brasileiro”

  6. A economia chinesa é capitalista, seu destino é o mesmo da ocidental. O sistema político ( PC ) equivale a uma ditadura ocidental, mas a “democracia” norte americana equivale ao PC, o controle social está no mesmo nível, os métodos são diferentes. Liberdade efetiva, só para o “capital”. As contradições do modelo norte americano são mais complexas que as do modelo chinês, talvez esse fato facilitará o estabelecimento da hegemonia do modelo oriental, elevando o conflito comercial até o ponto de ruptura. À partir desse ponto, tudo pode acontecer: guerra fria, quente, divisão do mundo em dois blocos…

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