União ainda luta contra o lado ruim da burocracia

O sistema de controle interno do Estado brasileiro tem evoluído de forma a reduzir os excessos de formalidades, ou a burocracia, em especial no quesito controle de resultados. Essa é a afirmação do Secretário de Fiscalização e Avaliação de Programas de Governo do TCU (Tribunal de Contas da União), Carlos Sampaio.

A administração pública federal depende de vários organismos para se manter, entre eles os de controle, divididos em dois grandes grupos: os de controle interno e os de controle externo. O maior órgão de controle interno do governo federal brasileiro é a CGU (Controladoria-Geral da União), responsável pela defesa do patrimônio público e  por contribuir com a transparência da gestão.

O controle externo é exercido pelo TCU e Congresso Nacional. Sampaio explica que desde que o TCU assumiu a presidência do Subcomitê de Auditoria de Desempenho da Intosai (sigla em inglês para Organização Internacional de Entidades Fiscalizadoras Superiores), em 1998, o modelo de controle de resultados vem se aprimorando no país, prova disso foi o reconhecimento que a instituição recebeu, em 2004, do Prêmio Nacional de Gestão Pública.

O objetivo do Subcomitê é promover o intercâmbio de informações e experiências de entidades fiscalizadoras públicas. Atualmente, a Intosai possui mais de 180 membros. Sampaio reconhece que muitos pontos precisam ser aprimorados no controle externo brasileiro. Por outro lado não reconhece que o TCU já tenha impedido o andamento de alguma obra ou procedimento “por picuinhas”.

“Dizem que o Tribunal já mandou, por exemplo, parar uma obra porque o preço de sabonetes não condizia com o relacionado na proposta inicial. Então pedimos para que apresentassem esse caso porque queremos rever nossos procedimentos. Mas nunca vimos isso e nunca conseguiram provar que já fizemos isso”, conta.

Para o secretário, o orçamento é o principal obstáculo para a condução de uma obra ou serviço contratados pela União. Em primeiro lugar, não há incentivos quanto à economia de recursos. Se num ano uma instituição pública utiliza menos do que recebe, não poderá investir o que economizou novamente em si, e terá que devolver o valor aos cofres públicos. Em segundo lugar o contingenciamento de recursos [o pagamento do Orçamento Geral da União em parcelas] prejudica o planejamento. O valor programado é liberado aos poucos, sem garantias de que a quantia aprovada para o determinado ano será entregue no prazo de um ano.

De acordo com Sampaio, é muito comum boa parte dos recursos recebidos no inicio do ano por uma universidade federal, por exemplo, serem usados para pagar dívidas realizadas em anos anteriores, devido à sistemática do contingenciamento. O ideal, observa, é garantir às instituições não apenas recursos, mas mecanismos para que possam planejar seus gastos – a abertura de uma conta para cada obra do PAC é exemplo dessa iniciativa.

“Um programa (…) tem que ser planejado e avaliado, e essa avaliação retroalimentar o planejamento, que é a expressão máxima dessa capacidade de gestão que tem que ser melhorada”, conclui.  

Acompanhe a entrevista.

Brasilianas.org – O modelo de controle de resultados nos Estados Unidos é mais eficiente que o brasileiro? O que temos a aprender com eles?

Carlos Sampaio – Em primeiro lugar, existe, em qualquer lugar, o controle interno e o controle externo. O controle interno é do próprio governo. Quem exerce isso no Brasil é o CGU [Controladoria-Geral da União]. Nos Estados Unidos existe o Inspector General, ou IG. Vários ministérios têm o seu IG naquele país, são órgãos de auditoria interna, equivalentes ao que tínhamos antes da unificação dos CISET [Secretaria de Controle Interno] dos ministérios, que culminou na criação do CGU.

Então, esses órgãos [CGU e IG] são responsáveis por fazer as auditorias e o controle de gastos públicos nos dois países, na parte interna.

Na parte externa, você tem o GAO, Governament Accountability Office. É uma controladoria vinculada ao Congresso [Nacional norte-americano]. O GAO seria o equivalente ao nosso Tribunal de Contas da União, modelo de origem latina.

Já estive nos Estados Unidos, e visitei IGs e GAOs. Não tem uma receita e as coisas não são muito melhores. Lembro que estava numa fila de visita ao monumento de Washington, e comentei que era funcionário público do Brasil, e que havia ido aos Estados Unidos para fazer um curso de avaliação de programas. Uma moça falou, ah! Vocês vieram ensinar! Eu disse, Não, viemos aprender! Ela riu e respondeu que não tínhamos o que aprender lá, que era muita burocracia etc.

Então, quais são as diferenças básicas do controle externo? O modelo de controladoria lá não tem poder nenhum, só tem o poder de informar ao Congresso, ou encaminhar ao que lá é equivalente ao Ministério Público, à polícia, fraudes que tenham detectado para promover investigações.

Agora, o que acontece nos Estados Unidos, pelo menos na parte externa, é que exercitam o controle de resultados. Eles avaliam o desempenho das ações governamentais com um Congresso muito atuante. A exemplo do que aconteceu aqui, do Tribunal constatar que há uma oportunidade de melhorias do Prouni [Programa Universidade para Todos], porque algo não funciona bem. O Congresso, nos Estados Unidos, chama aquele gestor que está sob suspeita de fraude para pedir explicações. É um modelo semelhante ao da NAO, National Audit Office, da Inglaterra. Aqui, nosso Congresso ainda é muito tímido, nesse sentido.

O que você está dizendo, então, é que existe lá um controle de resultados mais eficiente e proativo que o nosso?

Não. Eu digo que eles investem mais nisso [controle de resultados] e que nessa parte de regularidades o controle externo lá [o GAO] não é muito atuante. Agora, o que acontece aqui, e sou testemunha disso porque entrei no controle nos anos 1990, é que houve uma mudança muito grande na questão da burocracia, que vem diminuindo, em especial em controle de resultados.

Hoje o Brasil é presidente do Subcomitê de Auditoria de Desempenho da Intosai [Organização Internacional de Entidades Fiscalizadoras Superiores], organização de todos os tribunais de contas e controladorias do mundo, de controle externo. O GAO é da Intosai, o NAO, da Inglaterra, ANAO [The Australian National Audit Office], da Austrália. Esse subcomitê que o Brasil preside, através do TCU, desenvolve as técnicas e as normas de auditoria operacional.

Essa presidência é rotativa ou o Brasil conquistou isso?

O Brasil assumiu essa presidência, em 1998, e desde então estamos nessa posição. No caso, o modelo de controle e resultados vem se aprimorando aqui. Agora, nessa questão de burocracia é mais ligada ao controle de conformidade, legalidade, onde também tem havido mudanças.

Historicamente o controle na América Latina era essencialmente burocrático, falando do extremo, até os anos 1930. Mas houve uma missão americana, chamada Quimeres, que realizou diagnósticos e reformulou toda a estrutura de controle da América Latina. Até então todos os países de origem Latino-Americana, de origem portuguesa e espanhola, tinham tribunais de contas de controle muito burocrático e prévio. Você não poderia gastar, a não ser que o tribunal de contas deixasse, por exemplo.

A comissão americana sugeriu que se mudasse toda a estrutura tributária e financeira, de controle, por isso que na América do Sul só ficaram com modelos de tribunais de contas, o Brasil, a Argentina e o Uruguai, sendo que na Argentina o [Carlos Saúl] Menem acabou com isso nos anos 1990.

Só que o tribunal de contas brasileiro de hoje é muito menos burocrático. O controle, cada vez mais, visa não cobrar detalhes, picuinhas. Houve uma evolução muito grande, apesar de ainda termos pontos a evoluir.

Por outro lado, dizem que o Tribunal já mandou, por exemplo, parar uma obra porque o preço de sabonetes não condizia com o relacionado na proposta inicial. Quando surgem essas histórias, pedimos para que apresentem o caso, porque queremos rever nossos procedimentos. Mas nunca vimos isso e nunca conseguiram provar que já fizemos isso.

Dizer que um modelo é melhor que outro é complicado. Teve uma época que contrataram uma empresa que fez um estudo para mostrar que um modelo é melhor que outro. Mas eu participo de reuniões e comissões e não vejo diferenças tão grandes, pelo menos ao que se refere ao controle externo. Não tenho estudado a questão de controle interno, leia-se IG [estadunidense] e CGU [brasileiro].

Então, por que existem tantas reclamações quanto a isso?

A nossa própria estrutura tem um problema mais profundo que favorece a ineficiência e não por causa do controle, mas por conta de regras no orçamento.  Hoje se você não gasta seu orçamento, no ano que vem podem achar que você não precisa daquele valor e o reduzam.

Então qual é o incentivo que eu tenho para fazer com menos, para fazer diferente? O segundo ponto é o contingenciamento. As instituições seguram durante todo o ano o dinheiro para não faltar e, finalmente, em dezembro, por exemplo, a União liberar todo o recurso. Como você, com as regras que existem hoje na lei 8.666 [que versa sobre licitações e contratos públicos] conseguirá gastar os recursos e fazer planejamento?

Você acabou de falar da Lei n °8.666/1993, que deveria ter mudanças em alguns pontos. Que pontos são esses?

Isso é muito complicado de falar porque estou na área de resultados. O fato é que os órgãos reclamam dos procedimentos da Lei 8.666, de licitação, por serem muito exigentes. Houve avanços nessa questão quanto ao pregão, mas isso gera alguns problemas administrativos. Por exemplo – isso não é o TCU que está falando – têm empresas que ganham a licitação mas nem sabem direito como proceder sobre o serviço pelo qual foi contratada.

Elas ganham a qualquer preço e não tem condições de cumprir…

Isso. Teve um administrador, um ministro chamado Hélio Beltrão, conhecido como o ministro da desburocratização, foi um técnico fantástico. Ele dizia que a questão da burocracia, do modelo de administração, não é só de controle, mas da administração pública brasileira como um todo, da burocracia, no mal sentido, do excesso de papeladas, exigências. Atualmente uma das vertentes que trabalhamos com o enfoque nos resultados.

O senhor falou que é especialista na questão de resultados, e colocou na conversa dois pontos que prejudicam o uso do dinheiro, que é da economia – não adianta economizar se no final do ano terá que devolver o dinheiro – e a questão do contingenciamento. A seu ver, que ponto ou pontos mais contribuem para que os resultados não sejam o esperado?

Primeiro é a questão de planejamento. Quando você não planeja o que vai fazer não consegue alcançar resultados.

E essa questão de planejamento seria, então, a diferença que temos do modelo norte-americano, por isso que temos a impressão de lá ser melhor?

São duas coisas essenciais para vencer e conseguir melhores os resultados: planejamento e gestão. Por exemplo, quando você vai para o exterior percebe que num museu ou num evento que terá na rua, em tudo são muito organizados. O planejamento é a expressão máxima dessa capacidade de gestão que tem que ser melhorada.

O TCU investiu em capacitação e gestão, nos últimos anos. Quando entrei em 1994, era muito complicado. Hoje é perceptível o resultado da melhora da nossa capacidade de diagnosticar, basta acompanhar a nossa capacidade de gerar notícias nos últimos dez anos.

Percebemos que o PAC aumentou o trabalho de todo o mundo, inclusive de vocês. Acha que programas como esse ajudam a melhorar a forma como os recursos públicos são utilizados?

Os grandes programas, com certeza ajudam. Mas o importante é que sejam bem planejados e avaliados. O governo vem melhorando nessa questão de avaliação. Um programa em si não é bom nem ruim, ele tem que ser planejado e avaliado e essa avaliação retroalimentar o planejamento. Se pegarmos, por exemplo, o Ministério de Desenvolvimento Social, veremos que ali foi criado um instrumento de avaliação muito interessante, com 70 pessoas fazendo avaliações. Os ministérios da Educação e da Saúde também melhoraram suas capacidades de avaliação. Então o que precisamos é de tecnologia para melhorar os procedimentos.

Meu objetivo inicial era saber se, de fato, o modelo brasileiro precisava ser melhorado, e que modelos de avaliação de resultado de outros países seriam mais adequado. Mas você afirma que não há mesmo uma receita única…

Não. Cada país tem que encontrar sua própria receita. Precisamos melhorar como os norte-americanos precisam. Mas o que precisamos é avaliar tudo sem estereótipos ou míticas de que outros modelos são melhores.

Têm coisas onde somos melhores, por exemplo, nos anos 1990 fomos para os Estados Unidos e dissemos que tínhamos um modelo de sistema que instantaneamente contabilizava os gastos do governo, que é o SIAF, Sistema Integrado de Administração Financeira. Eles olhavam para nós incrédulos. Não conseguiam fechar as balanças porque, sempre tinham 5 ou 6 sistemas contábeis diferentes nas administrações públicas. Ninguém se entendia. Então nós éramos melhores do que eles nesse caso específico.

Quais seriam os aspectos negativos que tínhamos antes onde você vê melhoras hoje?

Temos melhorado no controle de resultados, isso é indiscutível. Temos melhorado até na questão de legalidade, temos cobrado coisas menos formais e coisas mais materiais. Mas diria para procurar um especialista em Lei 8.666, porque grande parte do que se reclama está ligada a essa norma. Mas, o que precisa melhorar mesmo é essa questão orçamentária. O orçamento tem que te permitir planejar. Tem que haver mecanismos que te permitam planejar com recursos fixos.

Assim como fizeram com o PAC, que foi aberta uma conta para cada obra, garantindo o recurso para cada ação?

Exato. Isso foi feito também no programa Brasil em Ação, do ex-presidente Fernando Henrique, que tinha essa mesma lógica. Assim você permite ao órgão planejar.

Redação

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