Vidas divorciadas: Assange x Gentili, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Quem condena ou absolve os réus é a Justiça. Ao se solidarizar com um condenado, o presidente brasileiro ofendeu a dignidade e a autonomia do Poder Judiciário?

Julian Assange foi preso. Danilo Gentili foi condenado a prisão. As diferenças entre ambos são imensas e evidentes.

O programador de computadores australiano se tornou mundialmente famoso em virtude de expor os segredos militares e diplomáticos dos EUA. O humorista brasileiro conseguiu se notabilizar fazendo piadas grotescas para ridicularizar trabalhadores, empregadas domésticas e lideranças populares.

Um desafiou o império norte-americano. O outro se colocou a serviço do golpe “com o Supremo com tudo” urdido pela Embaixada dos EUA para impor sua agenda neoliberal e petrolífera no Brasil.

A perseguição criminal imposta ao fundador do WikiLeaks é duvidosa e pode ter sido fruto de uma artimanha política. A condenação de Danilo Gentili ocorreu porque ele ofendeu a honra subjetiva de uma Deputada honrada que nunca o agrediu moralmente.

Os amigos de Gentili descrevem sua condenação como um ataque à liberdade de expressão. Entretanto, em nenhum país civilizado a honra dos cidadãos pode ser vilipendiada só porque o autor da agressão é ou se diz humorista.

Quando for preso, Gentili não poderá ser considerado um exilado político. Ele será apenas um presidiário comum cumprindo a pena que lhe foi imposta pelo Estado através de um processo penal regular em que o réu pode exercer seu direito de defesa e de apresentar provas.

Assange ficou 2.249 dias praticamente confinado na Embaixada equatoriana. As autoridades inglesas violaram a santidade do asilo diplomático para submetê-lo a condição análoga de presidiário. O crime que ele havia cometido na Inglaterra havia sido apenas dois: pedir e receber asilo diplomático.

A prisão de Gentili será uma reafirmação da autoridade da tutela da honra pelo Direito Penal. A transferência de Julian Assange do “cárcere equatoriano” para uma prisão inglesa é uma dupla agressão. Ela agrede tanto a liberdade de imprensa quanto o direito ao asilo diplomático que havia sido concedido ao fundador do WikiLeaks pelo Equador.

Nunca é demais lembrar que o que vinha ocorrendo na Inglaterra não tem precedente. Aquele país deliberadamente violentou a Lei Internacional que garante ao beneficiário do asilo político o direito de se deslocar da Embaixada onde se refugiou até seu destino final. Em setembro de 1989, por exemplo, a Alemanha Oriental concedeu salvo conduto aos seus cidadãos que queriam fugir para o Ocidente após eles se abrigarem e pedirem asilo político nas Embaixadas da Alemanha Ocidental em Praga, Varsóvia e Budapeste.

Nos próximos meses as diferenças entre Assange e Gentili continuarão aumentando. O julgamento do fundador do WikiLeaks nos EUA será presumivelmente explorado como um show inclusive e principalmente na Inglaterra, país cujo governo neoliberal precisa desesperadamente desviar a atenção da população da crise gerada pelo Brexit. Nos EUA, país intensamente polarizado por causa dos sucessos e fracassos presidenciais, Assange rapidamente se tornará mais um elemento de desarmonia entre democratas e republicanos, entre apoiadores e adversários do agressivo “fake government” Trump.

Gentili desfrutará acomodações de luxo na prisão por um curto período de tempo. Depois, ele voltará a fazer o que sempre fez: humor rasteiro com doses cavalares de preconceito social e algumas pitadas de racismo disfarçado. Assange gastou o que tinha e o que não tinha para estruturar o WikiLeaks e para se defender. Gentili provavelmente ganhará mais dinheiro em razão de se tornar um mártir do bolsonarismo.

Jair Bolsonaro escreveu um Twitter sobre Gentili.

“Me solidarizo com o apresentador e comediante @DaniloGentili ao exercer seu direito de livre expressão e sua profissão, da qual, por vezes, eu mesmo sou alvo, mas compreendo que são piadas e faz parte do jogo, algo que infelizmente vale para uns e não para outros.”

Quem condena ou absolve os réus é a Justiça. Ao se solidarizar com um condenado, o presidente brasileiro ofendeu a dignidade e a autonomia do Poder Judiciário?

Até o momento em que finalizei este texto, o presidente dos EUA não deu um piado sobre Julian Assange.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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