“Vivemos tempos sombrios, grilhões se ouvem como aplausos”, diz desembargador que soltou casal Garotinho

Ao conceder HC no plantão judiciário, desembargador Siro Darlan, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, criticou a figura do "juiz acusador" e lamentou uso do Direito para agradar a opinião pública

Foto: Reprodução/GloboNews

Jornal GGN – Ao conceder um habeas corpus para substituir a prisão preventiva dos ex-governadores Garotinho e Rosinha por medidas cautelares, o desembargador Siro Darlan, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, criticou o uso exacerbado das delações premiadas, a figura do “juiz acusador”, e ainda lamentou que o sistema judiciário seja utilizado para agradar a opinião pública.

Darlan concedeu o HC ao casal Garotinho no final do dia 3 de setembro, durante o plantão judiciário. O desembargador explicou no despacho que os autos só chegaram à sua mesa no final do expediente porque a defesa dos ex-governadores teve obstáculos para acessar os autos do processo que guarda o pedido de prisão do Ministério Público.

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A decisão de Darlan foi trocar a prisão preventiva por medidas cautelares: proibição de deixar o País e restrições à comunicação, além de obrigação de se apresentar à Justiça e comprovar endereço fixo todo os meses.

Segundo Darlan, quando o juiz de piso optou pela prisão em vez de medidas cautelares, ele passou a mensagem de que a “prisão é a única idônea, necessária e proporcional [medida] ao fim pretendido”.

“Me permita a retórica: qual é o fim pretendido?”, questionou o desembargador. Seria o de “juiz acusador”, “afirmando que qualquer outra medida cautelar soaria como quimera”, acrescentou.

“(…) Realmente vivemos tempos sombrios, os grilhões se ouvem como aplausos a operações ‘holofóticas’, porém de embasamento jurídico questionável”, disparou Darlan.

Na decisão, ele ainda fez críticas, citando o jurista Guilherme Nucci, sobre a espetacularização do Judiciário, com juízes que tentam chamar a chamar atenção da opinião vazando informações e comprometendo o direito à presunção de inocência dos investigados.

“Hoje, quando um juiz emite um mandado de prisão, a equipe de reportagem está no local da prisão antes mesmo que os próprios agentes policiais. ‘Direito não é teatro ou novela que tenha que dar ibope. Direito e Justiça são coisas muito sérias, que envolvem vidas de pessoas humanas. Não pode ficar ao critério das massas’, asseverou Nucci.”

O desembargador também citou artigo de Luis Nassif, editor-chefe do GGN, que trata do histórico de perseguição política com uso do aparato judiciário (lawfare) ao ex-governador Garotinho. Leia aqui.

Quanto ao mérito do HC, o desembargador apontou que o juiz de piso e o MP usaram fatos de mais de 10 anos atrás, “uma total ausência de contemporaneidade”, para sustentar uma prisão para não comprometer a busca de provas.

“As quinze páginas que o magistrado de piso fundamenta o decreto prisional quando vistas sob a ótica da técnica jurídica mais apurada se revelam vazias de conteúdo e
compostas de jargões a justificar o decreto prisional sem qualquer necessidade para tal”, avaliou Darlan.

Por fim, o desembargador ressalta que “não se nega, na espécie, a gravidade das condutas imputadas ao paciente. Nada obstante, por mais graves e reprováveis que sejam as condutas supostamente perpetradas, isso não justifica, por si só, a decretação da prisão cautelar.”

Rosinha e Garotinho foram presos em investigação envolvendo delação da Odebrecht. Dois ex-executivos da empreiteira afirmaram que a construtora foi privilegiada em licitação para construção de mais de 10 mil moradias e que os contratos teriam sido superfaturados em R$ 50 milhões. A defesa do casal afirma que não há provas e que, ao contrário do que dizem os delatores, a Odebrecht saiu prejudicada dessa obra, tanto que disputa na Justiça o recebimento de valores devidos.

Citando o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, o desembargador ainda acrescentou na decisão: “(…) não entendo como alguém possa ser colocado no xilindró provisoriamente e mantido nesse xilindró até chegar à delação premiada. Alguma coisa errada tem.”

***

Confira, abaixo, a nota da defesa de Garotinho e Rosinha.

A defesa dos ex-governadores Rosinha e Garotinho afirma que a revogação das prisões preventivas deferida nesta terça-feira, dia 3, pelo exmo. Sr Desembargador Siro Darlan, restabelece a Justiça e a dignidade da pessoa humana. O decreto prisional da 2a Vara de Campos apresentou fundamentação frágil, ilegal e desprovido de contemporaneidade.

Os primeiros supostos fatos narrados à denúncia ocorreram há 11 anos e, portanto, são antigos, sendo manifestamente ilegal qualquer fundamentação de prisão.

Se não bastasse, no caso concreto, a prefeitura de Campos pagou apenas pelas casas efetivamente prontas e entregues pela construtora Odebrecht. Diferentemente dos argumentos de superfaturamento do MP/RJ, a Odebrecht considerou ter sofrido prejuízo no contrato firmado com a prefeitura de Campos e ingressou com ação judicial para cobrar R$ 33 milhões, cuja ação está pendente de realização de perícia.

Vivemos tempos difíceis de politização da justiça e judicialização da política, em especial no judiciário de Campos de Goytacazes. Por isso, a necessidade de um debate aprofundado sobre o projeto de lei de abuso de autoridade.

Por fim, mas não menos importante, é público e notório que Anthony Garotinho vem sofrendo perseguição por ter denunciado a cúpula do Governo Sérgio Cabral à Procuradoria Geral da República.

Vanildo Jose da Costa Júnior

Redação

5 Comentários

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  1. É verdade que vivemos, sim, tempos sombrios e que deixa transparecer que o Poder Judiciário trocou o Artigo 1º da Constituição Federal, para: todo poder deve se emanar dos interesses midiaticos e em especial, para aqueles que provocarem operações holofóticas de grande impacto.
    Artigo 2º – Revogam-se as disposições em contrário.

  2. A noticia de um adolescente negro amarrado e chicoteado pelo segurança de um supermercado por ter roubado chocolate me faz pensar que ja somos uma “Idiocracia”. Quantos atos de barbarie não são cometidos pelo Pais adentro, sem que chegue ao conhecimento da sociedade? As prisões “preventivas”, com ares de espetacularizações e humilhações também são barbaridades de uma sociedade anestesiada por um lado e violenta(da) por outro.

  3. O comportamento do Ministério Público foi bem diferente quando se tratou do eminente Eduardo Paes. Em 2013, a Odebrecht entregou um laudo particular para o prefeito Eduardo Paes interditar o Estádio Olímpico, no Engenho de Dentro. O Eduardo Paes prontamente atendeu o pedido da Odebrecht e interditou o estádio por três anos e pagando mais R$ 100 milhões. A promotora responsável pelo inquérito ainda defendeu a Odebrecht dizendo que o laudo entregue pela empreiteira foi “bem composto’. O inquérito está engavetado há seis anos. E a promotora ainda foi beneficiada pelo Eduardo Paes com a nomeação do filho dela em cargo comissionado no governo Eduardo Paes. Já em relação a Prefeitura de Campos, não houve um fato como esse em que a Odebrecht pede R$ 100 milhões e recebe. Muito pelo contrário, a Odebrecht quis receber R$ 33 milhões e teve que entrar na Justiça para tentar receber. http://globoesporte.globo.com/futebol/times/botafogo/noticia/2013/11/engenhao-mal-assombrado-assaltos-comercio-moscas-e-inquerito-no-mp.html

  4. O Cafezinho disponibilizou as 117 páginas da denúncia do MP.
    Exercício frustrante, pois ali temos o de sempre: gráficos e figurinhas, remissão a planilhas e nenhuma prova concreta.
    De fato, os delitos de corrupção passiva e ativa são de difícil confirmação nos autos. Eles se consumam no ato de aceitar, pedir ou oferecer as vantagens em função do cargo (as chamadas propinas em troca dos ato de ofício).
    O recebimento dessas vantagens são tidas e havidas no mundo dos juristas sérios como meros exaurimentos.

    Vamos a uma crítica mais apurada:
    – O MP, o Judiciário e enfim, toda essa indústria conhecida como lawfare é o resultado direto da CRFB/88, da hipertrofia de poderes dada ao MP e ao Judiciário, mas esse processo não se deu por si, ou como geração espontânea.
    A chamada redemocratização do maior país da América Latina, situado no quintal dos EUA, deveria obedecer a um cronograma de freios.
    A lei de anistia é o maior símbolo dessa tutela de transição.
    E claro, esses freios deveriam corresponder a movimentos que tinham como base conceitual o que se passava na matriz:
    Os EUA, eles mesmos, experimentaram as escaladas da transformação da mídia em partidos políticos, um efeito colateral da relevância do papel em Watergate, que por fim levou a escandalização da política e banalização espetaculosa da ação judicial/policial.
    Também no campo judicial/policial os EUA foram fundo na transição do racismo oficial Jim Crow e paraoficial KKK para a criminalização dos negros, latinos e pobres via guerra as drogas, guerra essa que o governo dos EUA tratou dele mesmo alimentar com esquemas CIA (Contras, Irãgate, Noriega, etc), hoje largamente divulgados em séries como Narcos, ou no ótimo filme Made in USA (com Tom Cruise).
    Assim as polícias militares foram mantidas como forças auxiliares das FFAA e as polícias civis mantiveram os Inquéritos Policiais.
    Essa era a garantia, dentre outras, que continuariam a funcionar como instrumentos de repressão de classe (para manter pretos, pobres e outros indesejáveis sob controle) e de coerção política quando necessário (como agora).
    Do lado de cima (MP e Juízes) o formato institucional copiou de forma mal ajambrada o modelo dos EUA, adaptando aqui as instituições, o que confere com a diferença entre o funcionamento dessas instituições em países capitalistas centrais e os periféricos.
    Pouco a pouco foram realizadas mudanças normativas que transformaram eleições em negócios.
    O fortalecimento dos TRE e do TSE não foi acidental. Esse fenômeno atendeu a essa demanda, e para espanto de alguns (não de todos) quanto mais leis, normas e proibições, mais caixa dois, mais caras as campanhas, e muito mais controle das corporações sobre os políticos, gestores públicos e suas agendas administrativas.
    Ao mesmo tempo, a conhecida descaracterização e achincalhamento da atividade política, via mídia, que alimentou uma nova facção política: os apolíticos moralistas.

    Não esqueçamos dos bilionários contratos e oportunidades que o excesso ou normativismo do TSE gerou, onde temos o mais “sofisticado” sistema de apuração e coleta de votos, que pode ser manipulado por qualquer hacker mequetrefe.
    Esse sistema chegou ao cúmulo de impedir 6 milhões de eleitores não biometrizados no NE (por “coincidência, reduto eleitoral do PT).

    Chegamos a 2002, e para “ganhar” a cadeira Luis Ignácio teve que dar anéis na Carta aos Brasileiros. Em 2016 Dilma perdeu os dedos.
    Não se trata de esquerda ou direita, trata-se de impedir qualquer país como o Brasil de sonhar em fazer funcionar algum tipo de capitalismo que fuja da receita de mera correia de transmissão dos países dominantes.
    Pré- sal? Esquece.

    É disso que se trata o lawfare. E nem é preciso mostrar ou demonstrar uma ligação direta com o Departamento de Estado ou de Justiça dos EUA, pois esse alinhamento é orgânico de boa parte de nossas elites.
    O modelo atual é uma releitura, uma sofisticação de um sistema judiciário que sempre foi excludente, classista e de viés autoritário, mas que se dirigia a setores diferentes, ora os pobres, ora os inimigos de Estado, na ditadura, e às vezes esses conceitos propositalmente se confundem, com a criminalização da pobreza.

    A mola mestra, o eixo principal de nosso estamento (a CRFBB/88) carrega em si essas contradições, sempre abertas a mediação do embate político, onde os mais fortes sempre levam a melhor.
    No conflito dos direitos sociais e dos direitos de propriedade, sempre prevalecem os últimos.
    E no embate, quase sempre os atores políticos passaram a ser os não-eleitos, mas integrantes de poderosas corporações.

    É isso que faz os promotores de Campos dos Goytacazes juntarem-se ao juiz de piso (nas palavras de Siro Darlan, e que oferece um ótimo trocadilho) a se acharem parte da LAVA JATO S/A, em busca de seu quinhão de fama, relevância e quem sabe, algumas palestras?

    PS:
    Pergunta que não cala, onde está o juiz glaucenir?

  5. Não seria o caso, visto a incompetência desse juiz, de se pedir imediatamente sua exoneração? Juiz incompetente é um risco de alto grau para a sociedade, vejam esse Moro, esculhambou as maiores empresas de engenharia do país, e está solto por aí fazendo mais lambança.

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