Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.
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Votar em Boulos e Erundina, por Aldo Fornazieri

Em política, os fins não justificam os meios e Maquiavel jamais propôs essa assertiva. É preciso fazer sempre uma adequação entre meios e fins, percebendo quais fins justificam quais meios.

Votar em Boulos e Erundina

por Aldo Fornazieri

Os filiados e militantes dos partidos políticos de esquerda certamente preferem votar nos candidatos de seus partidos. Esta decisão deve ser respeitada, pois ela decorre não só de uma convicção, mas também de uma fidelidade para com o partido pelo qual alimentam uma crença de que se trata da melhor expressão política, da melhor representação popular e do melhor projeto de mudança da realidade instalada no país. Muitos desses filiados e militantes desejavam que tivesse se formado uma frente de esquerda para as disputas municipais. Mas, por conta de uma série de circunstâncias que não cabe aqui analisar, essa frente não se formou e cada partido seguiu o seu caminho, fez as suas opções e terá que arcar com as consequências de suas escolhas, sejam elas boas ou más.

Mas a maior parte do eleitorado de esquerda e dos ativistas dos movimentos sociais, no entanto, não tem um vínculo de filiação e de militância com esse ou aquele partido, embora possa ter preferência pelo PT, pelo PSOL ou pelo PCdoB. Serão as escolhas desse eleitorado que definirão se as esquerdas terão ou não um candidato no segundo turno nas eleições municipais da cidade de São Paulo.

Esse eleitorado progressista e de esquerda fluido pode (e seria aconselhável que devesse) considerar que os partidos de esquerda são frações diferentes de um mesmo partido, que Gramsci denominava partido orgânico do povo. Essa concepção recusa a concepção dogmática, sectária e religiosa de que exista um partido que encarna a “verdade histórica”. Ela favorece também a possibilidade de construção de uma convergência necessária entre essas frações. Essas frações em determinadas circunstâncias se juntam e, em outras, andam separadas, como é o caso dessas eleições.

PT, PSOL e PCdoB fizeram suas escolhas e precisam ir até o fim. Boulos, Tatto e Orlando Silva tiveram uma conduta exemplar nesta campanha: não se atacaram e não procuram tirar votos um do outro. Isto constituirá um capital positivo e pedagógico para as relações futuras entre os partidos.

Estabelecidas e compreendidas todas essas circunstâncias e respeitadas todas as escolhas dos ativistas e militantes, é legítimo apelar para o eleitorado progressista e de esquerda para que vote na chapa de Boulos e Erundia. Para os fins desse apelo, seria eticamente inconveniente estabelecer termos de comparação da chapa do PSOL com a chapa do PT ou do PCdoB, pois se uma ou outra destas duas estivesse na posição em que a candidatura do PSOL se encontra, também seria legítimo apelar que se votasse numa delas.

Assim, este apelo se justifica, fundamentalmente, por uma razão pragmática: levar uma das candidaturas do campo progressista e de esquerda para o segundo turno. Em sendo a chapa de Boulos e Erundina aquela que expressa a possibilidade mais factível para que isto aconteça, é para ela que se faz o apelo do voto.

Alguém poderia argumentar que se deveria apelar para que Tatto e Orlando Silva retirassem as candidaturas. Isto é um erro, por três razões: 1) as candidaturas se lançaram na disputa, criaram expectativas, geram escolhas dos eleitores e isto precisa ser respeitado; 2) não há garantias de que a maior parte dos votos intencionados em Tatto e Orlando Silva se desloquem para Boulos em caso de retirada; 3) aqueles eleitores que desejam votar no candidato do PT ou no candidato do PCdoB e que julgarem importante ter um candidato de esquerda no segundo turno têm a liberdade, a partir de um exame racional da situação, de optar por votar em Boulos.

Outra justificativa que o eleitor progressista e de esquerda pode buscar para decidir o voto em Boulos e Erundina consiste em promover um balanceamento entre ética da convicção e ética da responsabilidade de que falava Max Weber. As convicções de cada um podem indicar o voto em Tatto ou em Orlando Silva por considera-los melhores ou por afinidade partidária. Mas, em muitas decisões e ações políticas, se nos guiarmos apenas pela pura convicção, podemos promover o mal maior.

Em política, os fins não justificam os meios e Maquiavel jamais propôs essa assertiva. É preciso fazer sempre uma adequação entre meios e fins, percebendo quais fins justificam quais meios. Muitas vezes devemos perceber que ao mantermos determinados fins a sua consecução implica na adoção de meios que negam os próprios fins. Por isso, em determinadas circunstâncias, precisamos fazer um ajuste nos fins, relativizando-os e compatibilizando-os com meios adequados.

Em política sempre corremos o risco de, em nome do bem, produzir o mal. Isto é recorrente na história ou nas histórias. Não há uma regra a priori que seja capaz de definir com exatidão as escolhas éticas adequadas na ação política. Por isso, o agente político, o sujeito político, deve usar a prudência para saber até onde ele pode ir e quando e onde deve parar. A prudência evitará que em nome do bem se produza o mal e que em nome da salvação se cometa o crime.

Somente com o juízo prudente a presidir nossas decisões e com a adequação entre meios e fins podemos compatibilizar nossas convicções com a nossa responsabilidade. Levar Boulos e Erundina para o segundo turno, impedindo que haja um segundo turno entre Covas e Russomano, é uma responsabilidade que se coloca diante de cada eleitor progressista e de esquerda. Fazer essa opção pode implicar numa relativização conjuntural dos seus fins, mas não contraria suas convicções e seus fins.

Por isso, sabendo que estamos ainda num início difícil de reconstrução das esquerdas e que a caminhada ainda é longa, seja para depurar os erros e os extravios, seja para enfrentar a direita, o peso esmagador do capital e desafio de persistir na luta em que pese as dificuldades devemos ter a tranquilidade e o bom senso de votar em Boulos e Erundina sem nenhum demérito para Tatto e Orlando Silva.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política (Fespsp).

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

10 Comentários

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  1. MAIS UM COM O OBJETIVO DE ANULAR O PT,AGORA RESOLVEU TIRAR A MÁSCARA DE VEZ,O AUTOR EM ARTIGOS SEMPRE DÁ UMAS LAPADAS NO PT/LULA E NADA DE EFETIVO CONTRA BOLSO E DÓRIA,NÃO PODE SER DIFERENTE,TÁ NO CONTRATO,TEM Q CUMPRIR !!!
    OBS: DEIXA PRA LÁ !!!

  2. Suponho que Aldo não deve ser filiado nem ao PT, nem ao PCdoB, nem a nenhum partido, pois, se fosse, deveria ser expulso, por passar por cima da orientação de seu partido, definida coletivamente, pouco importando se crê ser sua proposta fundamentada por argumentos justos. Se fosse membro do Psol, deveria igualmente ser expulso, por colocar o seu partido em atrito com os demais partidos de esquerda, solicitando votos não dos eleitores, em geral, mas de seus militantes, em particular. No Brasil, acadêmicos que se dizem de esquerda (a grande maioria é socialdemocrata ou social liberal) passaram a se oferecer como analistas acima dos partidos, como se fossem clarividentes, capazes de produzir análises superiores às dos coletivos partidários, desconhecendo, inclusive, o princípio de que é preferível apoiar uma decisão coletiva que individualmente consideramos equivocada, do que fragilizar o respeito ao princípio fundamental das democracias internas, inerentes aos partidos, que consiste em defender a decisão coletiva e somente poder contrariá-la internamente, registrando sua discordância. Sabemos o quanto é difícil para um intelectual pequeno burguês respeitar um princípio como esse, ou, o que dá na mesma, militar, de fato, e não somente em palavras, em uma organização partidária. Parece mais fácil, sob o abrigo da academia, que confere um ar de falsa cientificidade, de aristocracia do saber, agir como livre pensador, o que satisfaz plenamente o desejo de muitos indivíduos de não se submeter jamais a decisões tomadas por coletivos, sejam elas de qualquer natureza. Intelectuais como Aldo me parecem mais nocivos pela anarquia que fomentam nas relações partidárias de esquerda do que pela eventual justeza de uma ou outra proposta que defendam.

  3. Personalismo? DonSebastianismo? Mas a ‘Esquerdopatia Tupiniquim’ não foi sempre contra este caminho? Então porque Boulos, Tatto e Silva não podem ser um único caminho? Quais são suas diferenças tão intransponíveis, que não podem ser irmanadas? Ah! O Poder pelo Poder?!! Ser o Mandatário do Talão de Cheques com Limites Bilionários?!!! A cadeira em São Paulo mas a ‘bunda’ sonhando com Brasilia?!!! É o que transformaram São Paulo (não à toa ficou parecendo um Lixão depois de 40 anos Coxinhas e Mortadelas). Luiza Erundina, Fundadora do PT, entrevistada depois de 4 anos medíocres à frente da Prefeitura Paulistana é perguntada sobre o porque de tantos problemas e tanta inação, se a Oposição havia atrapalhado em demasia: “A Oposição fez seu papel. Em certos momentos e certos assuntos de interesse da Cidade, até ajudou. Mas é impossível governar com o PT”. Depois disto por sua vontade, abandonou o PT. Mas tudo isto, inclusive a culpa, esta deve ser dos outros. Pobre país rico. Mas de muito fácil explicação. (P.S. Temos uma Magistral Parque de Mata Atlântica (bioma mais rico do planeta) na Serra da Cantareira (onde nascem diversos rios da cidade de São Paulo) que está facilmente, estrategicamente, por fácil acesso ligado às Rodovias que circundam a Cidade e às Marginais Tiête e Pinheiros, que poderiam interligá-lo por CICLOVIAS ao Parque da Serra do Mar e Represa Billings e Guarapiranga, de centenas de Esportes Náuticos e Aquáticos. Tudo isto já é Nosso. Ofertado por outras Gerações e pela Natureza. E é muito fácil fazer as CICLOVIAS !! Com a mesma competência e rapidez que foram feitas as CICLOVIAS na Marginal Pinheiros, entre a Berrini e Jardins para ‘Paulistanos Diferenciados Loiros de Olhos Azuis’. (Como Haddad e Serra fizeram) É muito fácil. É só querer fazer e ter boa vontade. O exemplo está lá.

    1. 120 Kms de CICLOVIAS nas laterais das Marginais Pinheiros e Tiête, interligando toda a Capital desde a Zona Sul passando por Zona Oeste e Norte até Zona Leste. Ao lado de Linha Férrea que faria a mesma interligação. O óbvio se tornou de difícil compreensão. (P.S. Aquilo que já existe há décadas na Marginal Pinheiros, entre o Morumbi e Jardins, para ‘Paulistanos Diferenciados’.

  4. De sociólogo brilhante metido em politica já tivemos o FHC. Nós, da esquerda suja que votamos no PT, não precisamos de conselho de doutores. Somos pé sujos, falamos palavrões, não frequentamos lugares requintados mas temos a capacidade de resistir mesmo quando atacados pela classe média esquerdinha de banho tomado. Não precisamos de conselho dos sociólogos que nos estuda como se fossemos bichos enjaulados. A duras penas adquirimos conhecimento e nos orgulhamos do nosso pensamento politico prático.

  5. Nada feito. Boulos não decolou. Metade dos seus 13-14% são PT. As pesquisas retiram intenções do PT para tentar elimina-lo. Veja o UOL, que vai fazer debate apenas com os 4 “líderes”. Datafolha trabalhou para que Tatto não pudesse debater. Certamente ele tem mais de 10%, com uns 7% que Boulos pediu emprestado mais o crescimento de reta final, já que ele tem militância e recursos, chega no segundo turno.

    O antipetismo não se limita à direita. Tem esquerdas que adoram quando os autoritários se exibem malhando o PT.

  6. Aldo Fornazieri sendo brilhante e exato como sempre nas suas análises… chegou ao ponto certo: não prega a retirada de quaisquer candidaturas do campo da esquerda, mas prega um “ética da responsabilidade” segundo o conceito Weberiano. É isso! Evitar um mal maior – a disputa no segundo turno entre a extrema direita bolsonarista e a direita retrógrada e antipopular – deixando de fora toda a esquerda, o que seria um desastre para São Paulo e o Brasil! AVANTE SÃO PAULO! ACORDA BRASIL!

  7. https://petista.org.br/2020/11/07/sp-boulos-psol-e-melhor-que-jilmar-pt/

    Boulos (PSOL) é melhor que Jilmar (PT)? por Markus Sokol

    Numa sabatina na Associação Comercial de São Paulo, o candidato do PSOL à Prefeitura, Guilherme Boulos, prometeu “não demonizar” o setor privado (Valor Econômico, 28/10). Ele assumiu: “não tenho condições de chegar e dizer que acabaram as Organizações Sociais que gerem equipamentos de saúde”, e concluiu vagamente sobre “são processos de transição”…
    Antes, Boulos tinha dado garantias de que não iria aumentar impostos. “Já houve avanço para IPTU progressivo. Não pretendo aumentar IPTU, não pretendo fazer aumento tributário. Nosso programa só prevê aumento de alíquota de ISS para bancos” (Valor Econômico, 15/10), os quais receberam “um presente da Câmara com a redução temporária de alíquota de 5% para 3%”.
    Ora, o próprio jornal ressalta que “o programa de governo do PSOL registrado na Justiça Eleitoral é mais ousado do que o candidato, pois diz que, além do ISS, haverá ‘aumento do valor da tarifa do IPTU para mansões’ ”.
    Perguntado de onde viriam, então, os recursos para suas promessas, Boulos respondeu que virão do “dinheiro parado hoje nos cofres municipais”, do “enfrentamento dos esquemas e máfias municipais” – sem estimativa de valor – e de uma “atuação mais efetiva na cobrança da dívida ativa do município”. Ou seja, respostas genéricas e evasivas de quem evita enfrentar os ricos e os grandes proprietários.

    Propostas de Jilmar Tatto
    O candidato do PT à Prefeitura, Jilmar Tatto, “defende ampliar faixas de cobrança do IPTU para imóveis acima de R$ 1 milhão. A expectativa é de arrecadar R$ 1 bilhão com a medida. O alvo da taxação não é a classe média, mas os super-ricos, os 1% que detêm, sozinhos, 45% do patrimônio imobiliário” (site do PT).
    O candidato do PT também não vacila em “tributar com alíquota complementar a alta concentração de imóveis nas mãos de poucos proprietários. O aumento do Impostos de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) está na mira do PT, teria uma tributação progressiva”. Outra proposta clara é a “extinção de benefícios fiscais dos bancos” (a questão da redução do ISS).

    Jilmar não vacila sobre as OSs
    “a pandemia evidenciou a necessidade do SUS com investimento público direto”. Por isso, “a primeira providência é rever os contratos. A segunda é, de forma planejada, fazer a reversão disso”

    Jilmar Tatto
    Sobre as OSs, o contraste com Boulos também é evidente.
    Jilmar defende a reversão das OSs, reivindicada pelos sindicatos e movimento de saúde.
    Sabatinado pelo Estadão (30/10), Jilmar foi questionado porque “participou do governo Haddad”, que fez várias OSs. Ele respondeu que “o momento agora é outro. Estamos verificando uma roubalheira danada”. Ainda mais, disse que “a pandemia evidenciou a necessidade do SUS com investimento público direto”. Por isso, “a primeira providência é rever os contratos. A segunda é, de forma planejada, fazer a reversão disso”.

    Como se vê, é Jilmar Tatto do PT quem assume compromissos concretos que, depois da eleição, podem efetivamente ser cobrados pelo povo da periferia, porque são parte da sua própria luta. Compromissos de Jilmar portanto, e não as generalidades do candidato do Psol, supostamente “à esquerda”, segundo a mídia e alguns intelectuais.

    *membro da Comissão Executiva Nacional do PT

    Publicado na edição 877 do jornal O Trabalho

  8. O texto me contempla de a a z, incluindo aquilo que se diz em relação a Maquiavel. Excelente o resgate da ética em Max Weber. Só faltou falar em português claro: use o seu boné com os números 13 e ou 65 para entrar na urna e votar no 50.

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