Xadrez da oposição na FIESP e na FIRJAN, por Luis Nassif

Não são apenas os resultados conjunturais que assustam. Há uma política deliberada que poderá destruir o que resta do parque industrial brasileiro.

Peça 1 – a queda da indústria em 2019

A indústria caiu 1,1% em 2019, em cima de uma base já deprimida.

Não são apenas os resultados conjunturais que assustam. Há uma política deliberada que poderá destruir o que resta do parque industrial brasileiro.

Não se viu uma manifestação de classe do setor, especialmente das duas federações mais relevantes, a FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e a FIRJAN (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro).

Peça 2 – o fim do BNDES e da Petrobras

Ambas as instituições são peças centrais na industrialização brasileira, o BNDES como financiador, a Petrobras como indutora de industrialização, com suas parcerias tecnológicas e poder de compra.

No caso do BNDES, além da redução do funding, houve o encarecimento dos custos do financiamento, para se aproximar dos valores praticados pelo mercado.

Não se viu uma manifestação relevante da parte das associações do setor.

Peça 3 – o fim da reserva de mercado para as compras públicas

Na última reunião do Fórum Econômico Mundial, e na tentativa de acordo com a União Europeia, Paulo Guedes acenou com o fim da reserva de mercado das compras públicas para empresas nacionais.

Agora, se fala em redução tarifária geral para importações, sem negociação de contrapartidas.

Não se ouviu uma manifestação sequer das associações do setor.

Peça 4 – o fim do sistema de inovação

Peça central de competitividade, através do MEC (Ministério da Educação), o governo Bolsonaro avança célere na destruição do sistema brasileiro de pós-graduação e do papel das universidades como polos de inovação.

Não se viu uma reação sequer das associações de classe.

Peça 5 – o quadro mundial

Além do advento da China e da Ásia como grandes potências globais, está em curso um processo acelerado de industrialização de países africanos, sob influência da China. Em breve Etiópia, Nigéria e outros países estarão competindo com empresas brasileiras, em uma quadra da história na qual não existe um projeto sequer de defesa da indústria do país.

Peça 6 – o quadro interno

A queda dos juros e a desvalorização do câmbio, por outro lado, criou um impasse para industriais. Durante décadas, eles compensavam a perda de competitividade com câmbio apreciado, facilitando a importação e a maquiagem, e juros altos, permitindo ganhos financeiros.

Agora, não se tem nem um, nem outro.

Peça 7 – novas lideranças

Hoje em dia, FIESP e FIRJAN não são mais presididas por industriais. Paulo Skaf, da FIESP, vive de rendas; Jorge Hilário Gouvea, da FIRJAN, vive de investimentos.

Gouvea é descendente do grande João Pedro Gouvea Vieira, que nos anos 40 assumiu o grupo Ipiranga e sempre fio uma voz respeitada em defesa dos interesses da indústria e do país.

Assim como muitos outros industriais, a família vendeu a empresa, tornou-se investidora, sem relação mais com a indústria, mas não abriu mão da representação política.

É por isso que em São Paulo e no Rio de Janeiro começam a se articular industriais sérios, visando a renovação dos comandos e a eleição de industriais autênticos, compromissados com a indústria e com o país.

Não haverá mais industrialistas como Roberto Simonsen, Horácio Lafer, Antonio Ermirio, Villares, Bardella, Paulo Cunha, Gerdau. Mas está na hora da indústria encontrar uma nova geração, mais desprendida e corajosa do que presidentes que usam as federações como escada apenas.

 

Luis Nassif

16 Comentários

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  1. A tal “nova geração” fez MBA e quetais, foi doutrinada no financismo e na “meritocracia”…. Du-vi-do.

    Acho que o Jesse de Souza já cansou, fatigou-se de repetir: a marca dos ricos (e de uma grande parte da classe media) no Brasil é o profundo horror ao pobre.

    Os cientistas políticos simplesmente se esquecem que as relações de poder, como relaçoes sociais que sao, somente se expressam na conquista do Estado: o significado mais básico é a relação de man-do, o que querem é man-dar.

    Mesmo ganhando dinheiro nos governos petistas, ricos e muito ricos não aceitam que alguém que veio da pobreza não esteja em posição de subalterno. É isso que está na base do fenômeno genérico do “antipetismo”. É toda uma existência de privilégios que se vê ameaçada com a participação, ainda que modesta, dos pobres no Orçamento, “tomando”, na visão deles, aquilo que lhes pertence.

    Desde a década de 70 que nas Ciências Sociais se sabe que o conflito distributivo não está mais “no chão de fábrica”, mas, nos orçamentos, nos “fundos públicos”. Não é nada a toa que preconceitos tolos da guerra fria ainda permaneçam latejando no bestunto desse pessoal. Não há sequer uma força poltica relevante falando em “revolução”, “luta armada”, “expropriação dos meios de produção”, “ditadura do proletariado”, “partido único”…Nada! Porém, se Keynes, cujas ideias salvaram, de salvar mesmo, o capitalismo varias vezes nos últimos cem anos, estivesse no Brasil de hoje, ouviria um gutural “vai pra Cuba”, “pra Venezuela”.

    O Partido Dos Trabalhadores desde a sua fundação em 1980 assumiu com toda clareza a disposição de disputar, adquirir e exercer o Poder por dentro da ordem institucional, mas isso nao tem como entrar na cabeça desse aglomerado de estúpidos que exibem diplomas, gordas contas bancarias, por um lado, mas uma formação humanística pífia, por outro.

    A “nobreza” obriga.

    O projeto colonial é este, predar o que estiver ao alcance da mão, e gastar la fora.

    Caminhamos celeremente de volta ao modelo primario exportador, com o Estado funcionando para transferir renda pra cima. Como a farinha é pouca, pra uma minoria imitar o estilo de vida da elite internacional, a imensa maioria precisa viver na indigência…Celso Furtado já ensinou isto na década de 50.

    E tome repressão e gastos em segurança pra “manter a ordem”…

    Só se surpreende com evocações de AI-5 quem quer…

    Direitos Fundamentais? Esses “liberais” não têm a menor noção do que isso significa.

    1. Perfeito, e ainda vem uma turminha com o papo furado da concertação……….o velho acordo caracú, em que os ricos entram com a cara e o povo e trabalhadores com o….vcs sabem…..

  2. Industriais autênticos, compromissados com a indústria e o país? Será que um dia existiu realmente gente assim? A única preocupação dessa gente é consigo mesma. Se assim não fosse, não seriam capitalistas.

  3. No item 4, está escrito “Não se viu uma reação sequer das associações de classe”. Isto é exatamente o contrário da realidade. A associação que conheço e participo, o PROIFES, http://www.proifes.org.br, tem combatido diariamente o desmonte promovido pelo governo federal. O problema é que a imprensa ignora todas as associações de docentes das Universidades federais. E, em um nível menor, ignora a tambéma ANDIFES (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior, http://www.andifes.org.br).

    1. Eu concordo que o proifes está mais para entidade empresarial que entidade de defesa da categoria dos docentes das instituições federais de ensino superior. Mas Nassif no texto se refere a entidades de classe empresariais, como as citadas fiesp e firjan. O que não é caso do proifes, ainda.

      A análise de Nassif poderia ser estendida à CNI, à fiemg e à fiergs. A fiemg ainda teve industriais de fato como liderança, mas o que isso mudou? Ler Jessé de Souza nesse momento é fundamental para ajudar a entender o que ocorre.

  4. só pra registro …Nos últimos doze meses, estaleiros no RGS, RJ, ES e BA pediram recuperação judicial
    Convenhamos, pra que termos inimigos externos se os piores vendilhões e TRAIDORES, estão aqui dentro ?
    E o pior de tudo é ainda termos que conviver (e manter) uma FFAA que, COM MEDO, arreia as causas só pensando em seus provento ..e isso pra não lembrarmos das PMs que, ignorantes e sem imaginar o que esta correndo, ainda apontam o dedo pro povo e lhes descem o cacete.
    GENTE, sabe o que eu ouvi de um bolsominion convicto esses dias ? “BEM que ele podia ficar de boca fechada”

  5. Nassif é um otimista incorrigível.
    Vargas já sabia que, com honrosas exceções, essa gente era burra e desqualificada, nunca conseguindo ir além dos seus interesses mais imediatos. Ademais, SEMPRE viram o trabalhador como inimigo. Se havia alguma dúvida sobre esse povo foram ELES que apoiaram o Golpe de 2016, são ELES que sustentam o Governo Bolsonaro e são ELES que engordam com o rentismo, pouco se importando com a estrutura econômica do país.
    Então, esperar que a salvação venha DESSA gente? Esperar que o povo se levante? Mas o povo só acredita no que a Globo et caterva mandam acreditar.
    O Brasil está simplesmente ACABADO como Estado-Nação…. A não ser que surja uma nova Joana D´Arc capaz de livrar o país da sua própria burrice, covardia e estupidez. Mas não acredito muito nessa alternativa: Deus também se cansa dos idiotas.

  6. Mais uma vez preciso, essas duas entidades, principalmente a FIESP sempre tinha um ar crítico quando o governo não ia bem, sempre motivado por interesses relativos a sobrevivência das empresas…quando as duas entidades foram politizadas, a coisa piorou muito, pois não haviam mais críticas nem blocos contra o governo, e sim trampolins para seus presidentes…a figura do pato deveria ter encerrado esta geração de industriais rentistas e não ligados a produção nas duas entidades, foi uma coisa aterradora.

  7. O xadrez menciona Petrobrás,BNDES,Educação,juros e câmbio. No entanto,falta o essencial: O mercado interno.
    Só idiotas como nossos industriais abrem mão de um mercado de 250 milhões de pessoas,maior que a população da Alemanha,França e Reino Unido juntos.
    Se não houver uma melhor distribuição de renda que possibilite um aquecimento real da economia,de nada adiantará que golpistas arrependidos tentem passar-se por lideranças novas e sérias.
    Essa gente foi de uma burrice extremada e,enquanto não admitirem a idiotice que fizeram,estarão fadados ao fracasso.
    Hoje,diferentemente do tempo dos avós desses imbecis,quando ao valor da mão de obra era fator preponderante,o que impera é a inovação tecnológica que é fundada em grandes investimentos calcados,sobretudo,em pesquisa que tem com base a educação de qualidade,ou seja,tudo o que este governo,com apoio irrestrito dessa gente,vem fazendo,já que,em sua “modernidade” enxergam o liberal como seus avós.
    Será que alguma empresa,nacional ou multinacional estará disposta a investir pesado no país com um mercado sem poder aquisitivo? E,pior,com seus vizinhos em situação igual ?
    Sequer dispomos da vantagem da logística. como mencionado no post,hoje,o norte da África tem condições muito superiores pela proximidade com a Europa e,mesmo mercado asiático.
    Enfim,o cenário para nós,com essa gente nova mas com pensamento velho,é o pior possível e,para tentarmos sair dessa enrascada,eles poderiam começar fazendo aquilo que adoram cobrar dos outros:Autocrítica!

    1. Como diz o ditado: galinha que segue pato morre afogada!

      Infelizmente os industriais brasileiros são uma espécie curiosa: não fazem a menor idéia de quem é seu consumidor direto e indireto, não sabem como seu cliente ganha dinheiro, não entendem a rede de outros negócios que sustentam seu próprio negócio e o pior de tudo: acham que seus interesses são os mesmos das famílias Setúbal, Moreira Salles, Botín e outras menos afluentes.

      Eu acho incrível como pessoas capazes de montar e gerir impérios industriais são incapazes de entender simples correlações matemáticas como câmbio e juros.

      Comparativo rápido:

      Câmbio no México: 1 dólar = 18 pesos
      Câmbio no Brasil: 1 dólar = 4 reais

      Custo médio de financiamento bancário no México: 5% ao ano
      Custo médio de financiamento bancário no Brasil: 3% ao mês

      E eles continuam apoiando uma política econômica que aleija a competitividade externa ao mesmo tempo em que mata o mercado interno!

      Há ainda aqueles que nutrem o velho sonho do passado: encontrar um gringo trouxa que compre a empresa por milhares ou milhões de dólares, ir pra Miami e nunca mais trabalhar na vida! (Frase ouvida da boca de um industrial do ramo metalúrgico do Sul do Brasil nos anos 80)

      Mas, como já disseram em outros comentários: Jessé Souza explica (talvez Freud ou Jung tenham alguma explicação também…)!

  8. uma discussão realmente que foca o cerne da questão sócio-política do país, a necessidade de educação dessa elite predatória e expropriadora…
    tem que transplantar a tese baseada em machado de assis – aquela que diz que a elite fala e segue o iluminismo e as melhores filosofias ocidentais , por exemplo, mas olha ao lado e chicoteia o seu escravo….hora de reler machado na periferia do capitalismo, por aí, uma magistral tese do mestre roberto schwarsz…e seguir a tese do jessé souza, cuja argumentação mais se aproxima do que aconteceu nos golpes que sofremos nos último tempos….

  9. Ótimo, faltou apenas uma peça, Nassif:
    Apesar de todo este triste cenário, ele é ainda um “pouco” PIOR, pois a “nossa” industria é cada vez mais ESTRANGEIRA, desde (pelo menos) os “fernandos”…
    E isso explica muito o “desinteresse” das FIE’s, já que uma diretoria em Londres, Detroit, Paris, Frankfurt, Tókio, Beijing ou Seul importa muito mais do que os “industriais” importadores brasileiros reunidos.
    A indústria automobilística e sua rede (cada vez mais “montadora” de kits) é 100% ESTRANGEIRA e representa 5% do Pib ou ~1/4 da “indústria”. A eletroeletrônica, com poucas exceções (Sta.Catarina?) é eminentemente estrangeira, montando aqui (Whirpool, Walita, Arno…), sob licença ou importando direto (Elgin, Gradiente?, etc), com a malandragem em geral de manter as marcas brasileiras (Brastemp, Consul, Semp) para que “pensemos” que ainda são “nacionais”.
    Se avaliarmos que costumam dividir o resultado industrial em “transformação”, “extração” e “serviços de utilidade pública”, vemos que extração é típicamente de commodities e cada vez mais estrangeiras (sem falar no contrabando de minérios preciosos ou estratégicos). Ou de alimentos (soja, carne). As de utilidade pública são concessionárias absorvidas por empresas estrangeiras, como a Enel (antes AES), a Fenosa, já parte da Sabesp, telecoms, etc.
    O pouco que resta ainda estatal (e relevante no nosso PIB), deixará de sê-lo em breve, segundo Guedes/Bozo. Até mesmo as privadas são afinal vendidas a estrangeiros ou destruídas (ex. indústria naval, militar, construção pesada…).
    Como já há bastante consenso de que as corporações têm mais poder que governos, seja de que “potência” fôr, vide EEUU em 2008, submetido às corporações financeiras), eu diria que as FIE’s não podem passar mesmo dos grupelhos de especuladores que vc bem descreveu (Skafs e quetais), reunindo-se tal qual maçons em seus “lodges” regionais.
    Enfim, ainda que nossa “indústria” estivesse “bombando”, seria como um bairro industrial de multinacionais do planeta, onde as sedes (decisão, controle, administração, inovação…) estariam em elegantes centros de outros países, privilegiando sua própria cadeia.
    Como já dito, o país está cada vez mais nas mãos de capatazes e corretores nascidos aqui, mas treinados e motivados lá fora (ou de fora). Até na Justiça, kct!
    Aí, a quem recorrer neste Bacurau chamado braZil?
    Além de nós mesmos?!

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