Xadrez de como Barroso levou a Bolsonaro e Witzel, por Luis Nassif

Nas primeiras discussões sobre 2ª Instância, Barroso manipulou estatísticas sobre o percentual de reformas de sentenças pelo STF, e usou fake News sobre a quantidade de ações trabalhistas no Brasil para defender a reforma trabalhista.

Passo 1 – a criação da ameaça do grande mal

A escalada da barbárie obedece a uma progressão comum a todos os processos de catarse e linchamento e está na raiz de todos os movimentos fascistas.

Começa pela formulação da grande ameaça, que podem ser imigrantes, comunistas bolivarianos, ou a corrupção genérica. No caso brasileiro, foi a combinação da corrupção com os fantasmas bolivarianos, com os seguintes objetivos:

  • Reprodução anacrônica da imagem do comunismo, desde os anos 30 presente no imaginário nacional como ameaça às famílias, e no imaginário militar, como ameaça à disciplina.
  • A ideia mágica que, extirpada a corrupção, imediatamente voltariam a bonança, a felicidade, a Nação branca, definitivamente limpa dos vermelhos e dos pretinhos.

São agentes iniciais dessa narrativa o Ministro do STF Luis Roberto Barroso, o ex-Comandante das Forças Armadas General Villas Boas e o sistema Globo. Desde o começo, valeram-se do curto-circuito de informações para disseminarem argumentos ad terrorem baseados em informações ou avaliações  falsas.

Nas primeiras discussões sobre 2ª Instância, Barroso manipulou estatísticas sobre o percentual de reformas de sentenças pelo STF, e usou fake News sobre a quantidade de ações trabalhistas no Brasil para defender a reforma trabalhista. Já Villas Boas blefou com a história dos 300 mil homens armados que sairiam às ruas se Lula fosse candidato.

Passo 2 – os fins justificam os meios

Se a corrupção – vista exclusivamente como a corrupção dos agentes políticos por empresas – é o centro de todos os males, então vale tudo para combatê-la. A partir daí, todos os valores civilizatórios são deixados de lado: democracia, eleições, processo legal, direitos humanos, economia formal.

É exemplo claro a afirmação de Barroso, em defesa da prisão após 2ª instância, de que essa medida obrigou os réus a delações premiadas. É o mesmo princípio da defesa da tortura para conseguir informações. No início do jogo, essa relação passava despercebida. Agora, é nítida, provocando em Barroso uma espécie de efeito Dorian Gray: a cada dia que passa, mais se enreda com o discurso punitivista, mais desmancha a imagem asséptica do pretenso porta-voz do iluminismo.

Passo 3 – Bolsonaro, Moro, Witzel e a necropolítica

A maneira de contornar os empecilhos legais é insuflando a turba. É uma volta aos princípios da democracia direta, que estão na base de todos os movimentos fascistas. A balbúrdia rompe com toda noção de hierarquia na sociedade: nas ruas, o poder da policia sobre as leis; nas corporações, da base sobre o comando; na discussão pública, do senso comum sobre o pensamento especializado; na política, do voluntarismo sobre a ação dos partidos. A consequência óbvia foi Jair Bolsonaro, levando ao poder o submundo das milícias e do fundamentalismo terraplanista.

A barbárie tomou de assalto o comando político, e passou a desmontar todas as políticas em vigor, políticas sociais, educação, ciência e tecnologia, segurança pública, meio ambiente, direitos de minorias, a penosa construção civilizatória pós-Constituinte.

Como a corrupção é o centro de todos os males, a insegurança pública é decorrência dela. Logo, se aplicam à segurança pública os mesmos princípios da luta anticorrupção: desrespeito à lei, aos réus, despreocupação com os danos colaterais (no caso da Polícia, morte de jovens), simplificação do diagnóstico e desrespeito aos mais básico dos direitos: o direito à vida.

Surgem daí as necropolíticas de Bolsonaro, Sérgio Moro, Wilson Witzel e João Dória Jr. São gêmeas univitelinas que nascem das entranhas do vale tudo jurídico de Barroso.

Essa cadeia de selvageria é tão óbvia, tão voltada para o mesmo público necrófilo, para o mesmo marketing político, que jamais de ouvirá de Barroso uma condenação dos assassinatos de jovens negros de periferia.

Passo 4 – a reação contra a selvageria

Para setores cada vez mais amplos da opinião pública informada, a cada dia fica mais nítida a correlação entre o vale-tudo Jurídico e o fenômeno Bolsonaro, levando ao poder o submundo da política, que emerge das milicias e do fundamentalismo terraplanista.

Começa, então, uma reação a partir dos setores mais bem informados da opinião pública, levando inclusive a manifestações de autocrítica de atores envolvidos com o golpe do impeachment.

Faz parte dessa reação, o enquadramento da Lava Jato pelo STF, da Procuradoria Geral da República, por Bolsonaro, o profissionalismo até agora irrepreensível do Alto Comando das Forças Armadas, o papel contra-cíclico do presidente da Câmara Rodrigo Maia, o fim do apoio monolítico da mídia à Lava  Jato. A Globo é exceção porque continua presa ao seu passado e refém dos inquéritos sobre a FIFA e a CBF, abafados pelo Ministério Público Federal.

É por aí que se entende o esperneio de dois expoentes da barbárie, o general Villas Boas e o Ministro do STF Luis Roberto Barroso.

O susto, com a bocarra aberta do dragão, tem provocado três movimentos políticos relevantes, tendo como ponto central o bolsonarismo e a disputa nas próximas eleições:

  1. O lulismo e parte da esquerda em torno da bandeira Lula Livre. Fazem parte dessa ala os governadores do Nordeste e, além do PT, partidos de esquerda como o PSOL e o PCdoB. Seus candidatos poderão ser Fernando Haddad, Flávio Dino, governador do Maranhão, ou Rui Costa, da Bahia.
  2. A tentativa da direita de voltar para o centro, de onde foi expulsa pelo movimento de Lula, de trazer o PT para a social-democracia. Recorre-se a uma leve crítica consentida de cunho social, a defesa do politicamente correto por colunistas da grande mídia, manifestações sociais de Armínio Fraga e Luciano Huck.

Ambos os grupos disputarão a montagem do grande pacto nacional contra a barbárie. Mas há diferenças fundamentais entre os dois tanto na definição da política econômica, como da representação política: o primeiro grupo defende o protagonismo dos movimentos sociais; o segundo, propõe políticas sociais mitigadoras, mas com os movimentos sociais em posição passiva.

  1. O último grupo, o da necropolítica, será disputado pelo próprio Bolsonaro, pelo governo do Rio Wilson Witzel, e de São Paulo João Dória Jr.

Mas aí já é tema para outro xadrez.

Luis Nassif

8 Comentários

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  1. Onde no texto se lê “barbárie”, pode-se tranquilamente (e a bem da exatidão) substituir por “direita”. Ou não era um diretor do Itaú que estava feliz da vida com esse governo? Os tucanos só querem se reabilitar para eles mesmos implementarem o programa antipopular e antinacional. Ou alguém acha que Aécio Neves e Geraldo Alckimin seriam nacionalistas (para não falar do Bolsodória)?

    Essa “mudança de posição” de quem faz a “autocrítica do impeachment” tem nome na política: oportunismo. Se a “onda” do momento fosse uma selvageria maior ainda que a atual, esses mesmos “autocríticos” estariam defendendo o oposto do que defendem agora. Deve-se louvar o oportunismo? Estou certo que não.

    O problema do Nassif é que ele acredita na “democracia burguesa liberal”, e não enxerga que hoje nós estamos em uma encruzilhada da história: ou o socialismo, ou a barbárie capitalista ecocida. Não existe essa “volta ao passado”, ao ideal do governo Lula. Tudo daqui pra frente será radical. Tanto a agressão da burguesia e do imperialismo contra os povos, quanto a inssurreição dos povos em direção ao poder real. O resto é ilusão, é ficar empatando o movimento natural das coisas.

    Quem nesse ponto tenta “conciliar” as classes, está ajudando a direita genocida brasileira. Ou FHC gosta de pobre?

  2. Melhor esquecer essa tal ‘tentativa da direita de voltar para o centro’ com a sua repentina ‘bondade’ nas ‘preocupações’ sociais de Armínio Fraga e outros expoentes do neoliberalismo. Na verdade, com o golpe – deposição da Dilma e prisão de Lula – estes vagabundos já conseguiram lucros suficientes e a semi-escravização do povo para os seus ratos gordos nos próximos 10 a 20 anos: a destruição da CLT e das aposentadorias bem como as doações de patrimônio público já feitas e por fazer, que são nada mais nada menos que as ‘medidas impopulares’ expressas (na surdina) por este mesmo Armínio Fraga em 2014 para a campanha do gangster Aécio Neves. Já dá, portanto, para voltar a oferecer migalhas sociais para o povão. Considerar tamanho cinismo como uma ida para o centro dos neoliberais é nada mais nada menos que uma piada.

  3. Não entendo por que Nassifão,para os íntimos dele,não insere nesses Xadrezes onde esse pavão de rabo aberto,Luis Barroso é o porta estandarte,o termo “fetiche sexual” mencionada pelo Ministro Gilmar Mendes em entrevista ao bilontra Pedro Miau.Quem sabe Armando Volta,o do refrão sambarilove,possa esclarecer a questão.Diz Tim Maia:”O nosso caso de amor,eu sempre fui sincero e você sabe muito bem”.A propósito,a fofíssima Deputada Joice Hasselmann,a Golda Meir dos trópicos,deitou falação hoje sobre os escondidos no armário.Até Olavista entrou na lista.Eu hem.

  4. Burrice ou má-fé?
    Ou ambas?

    “Há três espécies de mentiras: mentiras, mentiras deslavadas e estatísticas”. – Benjamin Disraeli

    “A escalada da barbárie obedece a uma progressão comum a todos os processos de catarse e linchamento e está na raiz de todos os movimentos fascistas.

    Começa pela formulação da grande ameaça, que podem ser imigrantes, comunistas bolivarianos, ou a corrupção genérica”. – Luis Nassif

    O que dizia Goering?

    Bem, ele afirmou que:

    “Of course the people don’t want war. But after all, it’s the leaders of the country who determine the policy, and it’s always a simple matter to drag the people along whether it’s a democracy, a fascist dictatorship, or a parliament, or a communist dictatorship. Voice or no voice, the people can always be brought to the bidding of the leaders. That is easy. All you have to do is tell them they are being attacked, and denounce the pacifists for lack of patriotism, and exposing the country to greater danger.”

  5. Sinceramente? Da esquerda nenhum desses. . gostaria que o Requião fosse o candidato, ou Jacques Wagner, até a Gleise, menos o professor do maldito instituto que abona todas as maldades contra os o povo e os trabalhadores…..

    E o meia-bomba acredita que em dois anos vai apagar uma vida de preconceitos???? E os adversários,? não vai lembrar o eleitor????

  6. A esquerda precisa urgentemente apresentar projetos que tragam um mínimo melhorias as classes mais prejudicadas desde 2014. Mas não podemos ficar a sombra de Lula livre e sim de um Projeto de reconstrução
    do país. E isso passa também por sobre taxar os setores que mais ganharam com a crise e que estão cada vez mais ricos.

  7. As vezes penso que o combate que travamos contra a direita ultra-conservadora e a extrema direita não deveria ser como temos feito. Tomamos um rumo um tanto equivocado. Tentamos racionalizar o debate com pressupostos de que direitos humanos, desenvolvimento de uma nação, equidade, diferença, garantias, que essas noções de civilidade, que é a verdadeira face do iluminismo, interessam à essas pessoas. Não é isso que elas estão dizendo e fazendo. O que se quer, no Brasil, é que tudo permaneça como eles acham que deva ser. E se direitos foram conquistados, se saimos um pouco da curva conservadora para conquistas sociais e outras, logo devemos fazer todo o necessario para que voltemos a ser o que sempre fomos: Um grande pais sem vocação de se tornar uma grande nação.

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