Zona Azul: pode-se confiar no Tribunal de Contas do Município?

Em vez do contribuinte, através da Prefeitura, ser o beneficiário dessas ativos intangíveis, a licitação passará para o BTG sem custo algum - já que o valor da outorga se refere apenas à exploração do CAD.

Em vez do contribuinte, através da Prefeitura, ser o beneficiário dessas ativos intangíveis, a licitação passará para o BTG sem custo algum – já que o valor da outorga se refere apenas à exploração do CAD.

A história da licitação da Zona Azul começa assim:

  1. A Prefeitura de São Paulo, na gestão Bruno Covas Jr, abre licitação para a Zona azul de São Paulo. O setor técnico do Tribunal de Contas do Município apontou 33 irregularidades no edital.
  2. Dois pontos eram centrais: o claro direcionamento da licitação para a empresa Estapar do grupo BTG. O direcionamento se deu pelas condições de pagamento, não definindo claramente o momento do desembolso, de modo a dificultar a tomada de crédito por parte dos competidores; e pela exigência de que o competidor tivesse experiência pévia com estacionamento. E o segundo, o fato de não ter considerado, no plano de negócios, as receitas advindas da exploração do banco de dados a ser montado com 4 milhões de informações cadastrais de usuários de transporte em São Paulo.

A Prefeitura procedeu a algumas mudanças cosméticas no edital inicial. Submetido ao TCM, surpreendentemente houve mudança no voto do relator Edson Simões e do presidente do TCM, João Antonio. Com o voto de Domingos Disseli formou-se maioria para ignorar as recomendações da própria área técnica do tribunal.

Cria-se uma situação esdrúxula, na qual o órgão de controle autoriza a antecipação de receitas futuras em um ano eleitoral, em uma licitação viciada, com implicações no plano de urbanismo da cidade.

Com a virada surpreendente do TCM, competidores apelaram para o Ministério Público Estadual, que conseguiu uma liminar para a suspensão da licitação. O juiz suspendeu. A Prefeitura recorreu e conseguiu derrubar a liminar junto a um desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.

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O Procurador Geral de Justiça, Gianpolo Pagio Smanio, recorreu, então ao presidente do Tribunal, levantando os seguintes argumentos pela manutenção da suspensão, até que os pontos centrais da licitação fossem esclarecidos:

  1. A audiência pública questionada (que levantou a liminar) teve duração de 25 minutos e não  se  concedeu  aos participantes  o  direito  de  formular
  2. O edital exigiria o pagamento antecipado de outorga fixa no montante de R$595.354.889,00, como prazo final em 2020, ou seja, 40%do valor estimado do contrato, com prazo de 15 anos, iinibindo injustificadamente  a participação  de  licitantes  que  possuem  capacidade  técnica,  operacional  e financeira para a execução do objeto, mas não conseguem, seja por fonte própria ou de terceiros, realizar o pagamento desses vultosos R$ 595 milhões no momento em que o concessionário ainda não conta com as receitas da concessão.
  3. Questionou a própria decisão do TCM ao lembrar que “Auditoria do Tribunal de Contas do Município apontou 33irregularidades, 9 recomendações  e  5  pedidos  de  esclarecimento  no  aviso  de  abertura  da Concorrência Internacional N° 001/SMT/2019.
  4. A concessão da medida liminar pela Presidência do Tribunal de Justiça possibilitou o prosseguimento da licitação, que seencontra  em  fase  de  conclusão.  Portanto,  a  pendência  do  julgamento  deste recurso pode  gerar  dano  irreparável  ou  de  difícil  reparação,  sendo  mais conveniente a solução da lide que a conclusão da licitação.

A Prefeitura correu atrás do prejuízo e remeteu ao TCM um ofício pretendendo criar fato consumado.

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A homologação da licitação depende de uma autorização final do TCM. E essa autorização exige a entrega de um Plano de Negócios com todos os componentes de faturamento e de custo. A licitação prevê apenas uma fonte de receita, a venda do CAD (cartões digitais), deixando propositadamente de lado uma fonte maior, que é a exploração do banco de dados proveniente dos 3 milhões de usuários dos serviços, cidadanias bancarizados, proprietários de carros. Recentemente, fintechs com bases de dados muito menores foram avaliadas em alguns bilhões de dólares.

Como apontei em outros artigos, o Banco Inter, de Belo Horizonte, é um banco digital que conseguiu atrair 3,3 milhoes de correntistas. Estreou há um ano e meio na bolsa e tem valor de mercado estimado em R$ 16 bilhões,

Hoje em dia, o banco digital do BTG tem um número inexpressivo de clientes.  Com o controle do Zona Azul, terá uma cliente potencial de 3 milhões de usuários absolutamente fiéis – porque sem alternativa para adquirir CADs. Mais ainda. Saberá as regiões frequentados pelos veículos, as lojas no entorno.  Essa base de dados tem um valor potencial imensamente superior ao do próprio contrato da Zona Azul.

Em vez do contribuinte, através da Prefeitura, ser o beneficiário dessas ativos intangíveis, a licitação passará para o BTG sem custo algum – já que o valor da outorga se refere apenas à exploração do CAD.

Esse é o ponto central. O TCM tem que saber como a concessionária calcula o faturamento para oferecer uma outorga mensal tão elevada e se essa proposta envolve alguma relação especial ou expectativa especial de receita junto à Administração Municipal, fora dos termos estritos do Edital.

O poder financeiro do BTGV Pactual criou essa situação esdrúxula, com uma manobra desse calibre passando pelo crivo do TCM e da própria mídia.

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Luis Nassif

2 Comentários

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  1. Desde 03/01/2020 a zona azul de São Bernardo do Campo está nas mãos da Estapar, cidade governada por Orlando Morando do PSDB. Antes era gerida pelo próprio município. Mesmos agentes, provavelmente a mesma jogada.

  2. Nassif, uma sugestão para todos seus textos: comece a colocar em negrito o nome das pessoas. Toda notícia sobre agentes públicos agindo contra o povo precisa ter essa dimensão material. Eu gostaria muito de saber quem são as figuras como o desembargador do TJSP que votou contra a liminar, por exemplo.

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