O equivalente linguístico da insegurança cultural, por Tony Judt

Comentário ao post “A balbúrdia democratizante das redes sociais

Do livro O Chalé da Memória, de Tony Judt. Trad. Celso Nogueira. Editora Objetiva, 2012.

“A insegurança cultural gera um equivalente linguístico. O mesmo vale para avanços tecnológicos. No mundo do Facebook, MySpace e Twitter (para não mencionar as mensagens), a alusão incisiva tomou o lugar da explicação. A internet parecia uma oportunidade para comunicação irrestrita, mas a vocação comercial crescente da rede – “eu sou o que eu compro” – embute um empobrecimento do meio. Meus filhos comentam sobre sua geração que a comunicação simplificada usada em seus equipamentos já começou a se infiltrar na própria comunicação: “As pessoas falam como mandam mensagens.”

Eis um motivo para preocupação. Quando as palavras perdem sua integridade, o mesmo ocorre com as ideias que elas expressam. Se privilegiamos a expressão pessoal em detrimento das convenções aceitas, então estamos privatizando a linguagem, do mesmo jeito que privatizamos tantas outras coisas. “Quando eu uso uma palavra”, Humpty Dumpty disse, em tom de desprezo, “ela significa exatamente o que eu escolho que significa – nem mais, nem menos.” Alice disse: “O problema é se você pode fazer com que as palavras tenham tantos significados.” Alice estava certa: o resultado é a anarquia.

Em “Politics and the English Language”, Orwell censura seus contemporâneos por usarem uma linguagem que mais mistifica do que informa. Dirigiu sua crítica à má-fé: as pessoas escrevem mal por tentarem dizer algo que não está claro, ou falseiam de propósito. A prosa de má qualidade de hoje revela insegurança intelectual: falamos e escrevemos mal porque não sentimos confiança no que pensamos e relutamos em fazer afirmações taxativas (“É só a minha opinião…”). Em vez de viver submetidos ao princípio da “novilíngua”, corremos o risco de chegar à “deslíngua”.

Tenho hoje mais consciência dessas questões do que em qualquer momento do passado. Como sofro de um transtorno neurológico, estou perdendo rapidamente o controle sobre as palavras no momento em que minha relação com o mundo reduziu-se a elas somente (Em 2008, Judt foi diagnosticado com esclerose lateral amiotrófica, também conhecida como doença de Lou Gehrig). As palavras ainda se formam com impecável disciplina e ampla abrangência no silêncio dos meus pensamentos – a vista de dentro é tão rica quanto antes – , mas não consigo mais pronunciá-las com facilidade. Sons de vogais e consoantes sibilantes atrapalham-se na boca, disformes e incoerentes até para meu colaborador mais próximo. O músculo vocal, durante sessenta anos meu alter ego confiável, está falhando. Comunicação, desempenho, afirmação: agora são minhas características mais fracas. Traduzir o ser em pensamento, o pensamento em palavras e as palavras em comunicação logo estará além do meu alcance, e ficarei confinado à paisagem retórica de minhas reflexões interiores.

Embora as pessoas forçadas ao silêncio contem agora com mais compreensão de minha parte, permaneço avesso à linguagem truncada. Incapaz de exercitar a linguagem, valorizo mais do que nunca a comunicação, algo vital à república: não somente como meio pelo qual vivemos juntos, mas como parte do próprio sentido da vida em comum. A riqueza de vocabulário na qual fui criado constituía um espaço público em si, e hoje fazem muita falta os espaços públicos adequadamente preservados. Se as palavras entrarem em decadência, o que as substituirá? Elas são tudo o que temos.”

 

Redação

1 Comentário

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  1. Besteira muita

    “Não me venham com a problemática que eu tenho a solucionática”

       Pode ter estupro da gramática e tortura da lógica, mas ainda consegue expressar algo, a frase do Dadá sozinha derrota todos os textos perfeitinhos de doutores em embromação que diagnosticam todos os problemas que existem no mundo( que todo mundo está cansado de saber sabe) e mais alguns inventados, não traz nada de novo muito menos aponta soluções mas insiste em querer dar lições de moral em quem ousa fazer isto.

      Prefiro um Dadá à mil Arnaldos Jabores. Pode-se escrever um livro inteiro sem um mínimo deslize, seja em ortografia , gramática, coesão ou coerência, mas sem ter nenhuma base na realidade e sem passar nenhuma informação útil ou ter valor artístico.

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